terça-feira, 5 de maio de 2009

Cigarros: de James Dean a Mario Quintana


Este texto é do colega Henrique Nunes, jornalista do Diário do Povo, que eu apropriei do site do colega Guilherme Busch, do Um Estranho Revirando o Ninho (http://guilhermebusch.wordpress.com/), tudo sem a devida autorização e com a devida complacência.


“O cigarro de James Dean era o primor das cocotinhas desvairadas, virgens desbocadas prontas para o abate. O charuto inseparável de Ernesto Che Guevara gerenciava (e ainda gerencia) a calmaria na trincheira inconstante de estudantes de esquerda. Afinal, o cigarro é a maneira disfarçada de suspirar, disseram um dia os pulmões inflados do poeta Mario Quintana.

Fumar é a representação blasfêmica da influência involuntária. Por isso, a depender do cliente, fumar pode ser belo como Dean, revolucionário como Che ou poético como Mario. Mas nada disso mais parece importar. A onda agora é dizer que o cigarro com selinho industrial é somente o câncer capital da indústria do consumo. E isso não é moralismo social, é tabagismo moral, é consciência banal de que somos caretas quando o assunto é ser autêntico. Em suma, fumar sempre foi o hábito desabitado de nossos “eus”.

Fazer o que, se botar cinza no peito tem outros tipos de efeitos sobre a nossa consciência? Dizem que a cada baforada da globalização um novo óbito é posto na escala mundial das estatísticas. E o que isso importa se o trago intragável das campanhas contrárias não consegue convencer que não fumar é melhor do que sentar no ponto de ônibus e acender um cigarro? Não há outra maneira de ser Dean, Che ou Quintana a não ser durante os 5 minutos em que a brasa se perpetua.

Ah, e convenhamos, há de se admitir que para muita gente é sempre bom ter a companhia silenciosa das companhias de tabaco. Ou você, fumante como eu, vai dizer que não é bom tragar ao tom de Tom e saborear a cólera de saber que se está morrendo, embora podendo deixar na memória a imagem imortal de uma sexy tragada?. Mas fumar, diga-se, é a pedagogia persistente da personalidade. Aprendemos a tragar com o tempo e com o tempo aprimoramos o “nosso” jeito de fumar.

O fato é que, com ou sem bar, com ou sem lei, com ou sem olhares desconfiados, nada apagará a chama incendiada por Dean, Che, Quintana e todos os outros anônimos ou famosos que já inflaram os pulmões para exaltar o óbvio: o cigarro faz mal e eu o quero mesmo assim. Assim, sem o receio de mandar à mesa ao lado uma fumaça que apenas me pertence, darei um jeito para pitar seus prazeres sem levar de prêmio um inconveniente sorriso amarelado.

Se o tabaco é questão de saúde pública, usarei a minha privacidade para burlar a militância que botou fogo nessa história. Por enquanto, seja aonde for, continuarei acendendo este carcomido canudo branco para por em prática as cinzas da minha incoerência.”

(Henrique Nunes é jornalista do Diário do Povo, Campinas)