terça-feira, 31 de março de 2009

Financiar o MST é apoiar a ilegalidade


O financiamento público das atividades de instituições e organizações civis deve seguir um criterioso procedimento, de forma a garantir a absoluta lisura das operações e a aplicação justa de recursos públicos em atividades que devem ter a máxima transparência, absoluta aprovação da sociedade, objetivos legais e legitimidade que as credenciem a serem parceiras do orçamento público.

As parcerias entre governos e entidades privadas sempre foram canais de escoamento ilegal de recursos, levados à custa de mirabolantes e bem disfarçados projetos que em verdade beneficiavam políticos ou seus nichos eleitorais. O formato das instituições variou para organizações não-governamentais (ONGs), evoluiu para Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), sempre sujeitas a maior controle e fiscalização, mas o desvio de verbas ainda desafia o esforço legal de limitar os abusos, em prejuízo de muitas entidades absolutamente sérias.

O levantamento divulgado pela entidade Contas Abertas de que o governo deu cerca de R$ 152 milhões a ONGs diretamente ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), desde 2002, chama a atenção de como o Estado cede à pressão de um grupo marginal e destina importantes recursos para aplicação em atividades questionáveis. São 43 entidades criadas e dirigidas por membros e líderes do MST, recebendo dinheiro através de mil convênio celebrados com o governo. A maioria dos casos aponta irregularidades na execução do convênio ou falta de prestação de contas dos recursos empenhados. Ação interposta na Justiça Federal denuncia o repasse ilegal de dinheiro diretamente ao MST.

Não bastasse o impedimento legal de financiamento público a movimentos envolvidos com invasão de terras e bens públicos, é preciso aprofundar o aval que a sociedade estaria dando ao MST, um grupo totalmente descaracterizado de seu momento inicial, hoje uma estrutura política e ideológica onde o menos importante é a conquista da terra para cultivo. O que sobressai da maioria das ações do movimento são invasões e manifestações meramente de caráter político, onde muitas famílias de tornam vítimas de engodo, manipulação e rígida doutrinação nos acampamentos.

A ação do MST é criminosa sob vários aspectos. Invasões em terras produtivas, agressões, todas as formas de violência e o desrespeito à lei fazem parte da rotina de seus líderes, que moram em confortáveis residências de onde administram com discursos a penúria dos membros que se submetem às agruras dos acampamentos que, via de regra, não resistem diante da legalidade. A tolerância do governo é inaceitável e imoral, primeiro pelo repasse de recursos públicos para atividades ilegais; segundo, por dar guarida a um grupo totalitário, arrogante e desafiador, que só pensa em subverter a ordem em desrespeito ao direito de todos os demais brasileiros.

(Correio Popular, 31/3)

segunda-feira, 30 de março de 2009

A violência comprada nas esquinas


A liberdade de expressão é um dos maiores direitos que se pretende atingir em um estado democrático pleno, com respeito aos indivíduos e à sociedade. Cada cidadão terá acesso a qualquer forma de comunicação a seu próprio julgamento e interesse, da mesma forma que poderá se manifestar livremente, sem qualquer restrição de ideologia, forma ou alcance. O único embaraço que se pode colocar é o limite que a própria sociedade exige para conter excessos que agridam os direitos e interesses ditados pelo consenso da maioria.

Na esteira da conquista de espaços de expressão cultural, navega-se sempre pela linha tênue do limite do permissivo, da fronteira entre o conservadorismo e da transgressão, da provocação intelectual que leva a mudanças que são assimiladas pela sociedade em escala de evolução, desenvolvimento. A separação do joio se dá pelas regras estabelecidas pelo bom senso, pela aprovação ou rejeição das propostas, pela legislação específica que deixa claros os limites de intervenção no status quo.

A reportagem publicada no Correio Popular, sobre um jogo de computador que se pode comprar livremente em camelôs de Campinas, mostra o absurdo a que pode chegar a manifestação humana, com propostas degradantes e de consequências extremas. O game Rapelay foi desenvolvido no Japão e é vendido clandestinamente no Brasil em cópias pirateadas, sem que qualquer ação policial possa conter o abuso contido no desafio, que deveria ser um instrumento de lazer e diversão, pelo mínimo.

O jogo eleva a níveis assustadores a falta de espírito crítico e mau gosto, ao propor aos participantes ações como estupro de uma mulher e de suas filhas adolescentes, aborto e muita violência embutida em cada etapa do jogo a ser cumprida. A repulsa a este tipo de material já foi manifestada em todo o mundo e o Ministério Público Federal está investigando a comercialização do Repelay, embora a legislação brasileira seja frágil para barrar este tipo de abuso.

Em tempos em que se procura trazer ao debate público questões importantes como o aborto, as relações pessoais, a diversidade sexual, as ações reacionárias e até mesmo a busca de novos padrões de comportamento, uma provocação deste nível não traz nenhuma contribuição. Pelo contrário, segundo especialistas, o caminho é da banalização da violência, a minimização das consequências dos atos, a demonstração de que a aferição de valores se dá quando se leva vantagem sobre os demais, a qualquer custo.

A fragilidade da lei, a dificuldade de ação policial, a falta de controle sobre a comercialização de produtos de qualquer natureza repassa ao cidadão comum a preocupação de autoproteção, criando barreiras familiares contra este tipo de agressão gratuita, diante de uma ameaça que pode ser encontrada em qualquer esquina ou em uma lanhouse frequentada por adolescentes.

(Correio Popular, 30/3)

Louco de Luz


As coisas mais simples
Guardam os mistérios
E eu vou fundo e sério
Até o fim
Nos detalhes
Nos porões,em mim
Pelas,minhas contas
Eu sou muito louco
Louco de luz

Além desse caos,desse jazz
A vida é mais,muito mais
E o amor é a medida de
Tudo
É quem me faz capaz
A vida é um delírio feliz
É muito mais,muito mais

E a chama de um louco de luz
Não se apaga jamais.

(Louco de Luz, de Kleiton e Kledir)

sexta-feira, 27 de março de 2009

Projeto sem prazo é mera intenção

O Brasil é uma nação que acumulou um altíssimo passivo social através de décadas de crises, desgovernos, políticas equivocadas, economia desestruturada, deixando a sociedade à míngua em setores essenciais e primários, com uma fatura a ser resgata à custa de muito investimento, vontade política e com os frutos de um longo período de estabilidade. Cada governo que se sucedeu nos últimos cinquenta anos deu ênfase ao atendimento amplo à população mais carente através de programas que variaram dos financiamentos subsidiados ao mais puro assistencialismo do Bolsa Família.

Dentre tantas carências, o setor habitacional vem acumulando um déficit extraordinário desde o fim dos programas de financiamento que permitiam o acesso à casa própria em condições facilitadas e o Sistema Financeiro da Habitação assumiu o seu lado estritamente financeiro. Também não têm o mesmo vigor as empresas e cooperativas que na segunda metade do século assumiam a construção de núcleos habitacionais, espalhando canteiros de obras em praticamente toda cidade, oferecendo casas a preço acessível a trabalhadores comuns.

Aproveitando-se do momento propício para o anúncio de medidas de impacto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou o Plano Nacional da Habitação, ambicioso projeto que prevê recursos de R$ 34 bilhões para financiamento e construção de 1 milhão de casas para famílias com renda de até 10 salários mínimos.

O anúncio foi bem recebido por empresários e entidades ligados à construção civil, calculando de forma otimista os investimentos e os empregos gerados, uma vez que o setor é apontado como um linimento em momentos de crise pela capacidade de giro financeiro em curto espaço de tempo e abertura de vagas de trabalho em larga escala.

O caminho apontado pelo governo federal parece adequado e oportuno, agindo de forma rápida e incisiva na economia de produção. Surpreende que o presidente Lula tenha formatado a proposta de forma leviana, sem explicitar a origem dos recursos, a forma de repasse e, fundamental, os prazos de execução. Quanto a isto, Lula foi claro ao refutar qualquer cobrança sobre quando o programa terá seus efeitos, deixando clara a vocação político-eleitoral do anúncio, até porque um projeto sem prazo não passa de intenção. O que se espera é que, mesmo que o impacto não seja o desenhado, pelo menos tenha o efeito de movimentar a economia além dos discursos de palanque.

(Correio Popular, 27/3)

quarta-feira, 25 de março de 2009

Carlinhos e Radiohead

Há algum tempo, a música Fake Plastic Trees, do Radiohead, foi usada em um anúncio inesquecível da Apae. Relembre...

Fake Plastic Trees


Her green plastic watering can
For her fake Chinese rubber plant
In the fake plastic earth.
That she bought from a rubber man
In a town full of rubber plans
To get rid of itself.

It wears her out, it wears her out
It wears her out, it wears her out.

She lives with a broken man
A cracked polystyrene man
Who just crumbles and burns.
He used to do surgery
For girls in the eighties
But gravity always wins.

And it wears him out, it wears him out.
It wears him out, it wears . . .

She looks like the real thing
She tastes like the real thing
My fake plastic love.
But I can't help the feeling
I could blow through the ceiling
If I just turn and run.

And it wears me out, it wears me out.
It wears me out, it wears me out.
And if I could be who you wanted
If I could be who you wanted
All the time, all the time.
Oh, oh.

Árvores Falsas de Plástico

Seu regador verde de plástico
Para sua imitação chinesa de planta feita de borracha
Na terra artificial de plástico
Que ela comprou de um homem de borracha
Em uma cidade cheia de planos de borracha
Para se livrar de si mesma

Isto a desgasta, isto a desgasta
Isto a desgasta, isto a desgasta

Ela mora com um homem quebrado
Um homem de polistireno rachado
que só se desmorona e se queima
Ele costumava fazer cirurgia para garotas nos anos oitenta
Mas a gravidade sempre vence

Isto o desgasta, isto o desgasta
Isto o desgasta, isto o desgasta

Ela parece com a coisa real
Ela o gosto da coisa verdadeira
Meu amor artificial de plástico
Mas não posso evitar o sentimento
Eu poderia explodir através do teto
se eu simplesmente me virar e correr

Isto me desgasta, isto me desgasta
Isto me desgasta, isto me desgasta

Se eu pudesse ser quem você gostaria
Se eu pudesse ser quem você gostaria o tempo todo
O tempo todo...
O tempo todo...

(Fake Plastic Trees, Radiohead)

terça-feira, 24 de março de 2009

A lição tirada do caso das capivaras


As questões ambientais ocupam espaço privilegiado nas discussões de políticas públicas, despertando atenção da sociedade cada vez mais preocupada com as repercussões de atos impensados, inconsequentes e em flagrante desrespeito ao equilíbrio natural. A defesa do meio ambiente e em especial da fauna adquire formas de discursos engajados e defesas sérias fundamentadas em técnicas comprovadas, mobilizando ativistas e organizações que acabam impondo regras aceitas de consenso.

Em alguns casos, a mobilização popular é apaixonada, despertando a atenção ou a ira de parte da sociedade, dividida em aplicações práticas, exigências de aparatos técnicos, decisões tempestivas, criando polêmica onde o bom senso e a sobriedade poderiam apresentar soluções eficazes em nome da defesa da natureza. O caso mais recente que dividiu opiniões diz respeito às capivaras concentradas no Lago do Café, em Campinas, onde foram verificados casos de febre maculosa transmitida pelo carrapato-estrela, que é parasita dos roedores.

A comprovação da infecção de dois funcionários do local e a morte trágica de um deles despertou a necessidade de medidas sanitárias urgentes para evitar a proliferação dos carrapatos e evitar o ciclo de transmissão da febre maculosa. De início, o local foi isolado, extinguindo-se a área de lazer e funcionários foram destacados para outros órgãos da Administração. Cogitou-se a remoção das capivaras do local e até a solução do sacrifício das mesmas, sob alegação de proteção da saúde humana. Aí manifestaram-se os ambientalistas e defensores da causa animal, que levantaram vozes contra o radicalismo da medida e protestaram contra a matança.

O debate se estendeu por longas semanas e, quando parecia não haver mais possibilidade de consenso, um encontro realizado na semana passada apaziguou os ânimos com o aceno de uma solução técnica, racional, de baixo custo e aceitável por todas as partes. Onde o problema se manifestava mais evidente, está sendo construído um recinto especial para abrigar e isolar os animais, restringindo a área de circulação a um espaço de controle, onde médicos-veterinários, pesquisadores e pessoal de manejo poderão controlar a infestação dos carrapatos e o risco de contaminação humana. Há a anunciada intenção de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de São Paulo (USP) utilizarem o isolamento para aprofundarem pesquisas neste tipo de intervenção.

A lição que se depreende de toda a polêmica é, ainda uma vez, que o consenso está na solução prática, lógica, fundamentada, isenta de paixões e opiniões preconcebidas, que normalmente tem o dom de provocar longos e exaustivos debates sem perspectiva de acordo, quase sempre em prejuízo da razão. Este é, ademais, um parâmetro para o enquadramento de vários problemas que afetam a sociedade.

(Correio Popular, 24/3)

segunda-feira, 23 de março de 2009

O Vagalume



Quem és tu, pobre vivente
Que vagas triste e sozinho,
Que tens os raios de estrela,
E as asas do passarinho?

A noite é negra; raivosos
Os ventos correm do sul;
Não temes que eles te apaguem
A tua lanterna azul?

Quando tu passas, o lago
De estranhos fogos esplende,
Dobra-se a clícia amorosa,
E a fronte mimosa pende.

As folhas brilham, lustrosas
Como espelhos de esmeralda;
Fulge o íris nas torrentes
Da serrania na fralda.

O grilo salta das sarças;
Piam aves nos palmares;
Começa o baile dos silfos
No seio dos nenúfares.

A tribo das mariposas,
Das mariposas azuis,
Segue teus giros no espaço,
Mimosa gota de luz!

São elas flores sem hástea;
Tu és estrela sem céu;
Procuram elas as chamas;
Tu amas da sombra o véu!

Quem és tu, pobre vivente,
Que vagueias tão sozinho,
Que tens os raios da estrela,
E as asas do passarinho?

(Poema de Fagundes Varella)

Lembranças da infância, de Anita Motta


Quando pequena, gostava muito de brincar na casa da minha avó materna. Tudo lá era mágico e fazia com que eu e meus primos viajássemos em nossa imaginação: um salão cheio de livros e roupas antigas virava barco em um piscar de olhos. E ai de quem abrisse a porta e não passasse pela ponte de vassouras! Imaginação infantil, sonhos reais que sinto falta...

Subir no telhado era a diversão maior: testar equilíbrio e desafiar as ordens de meus avós era o máximo! Numa dessas subidas até o telhado da casa, minha avó viu e, tentando me dar bronca, perguntou-me o que eu fazia lá em cima. Com meu pensamento rápido e numa desculpa mal contada, disse a ela que havia ido buscar uma estrela no céu. Ela deu risada e, com ironia, disse-me para, da próxima vez, trazer uma para ela também.

A partir daí, todas as vezes que eu queria ficar sozinha lendo, escrevendo, ouvindo música ou simplesmente pensando na vida, dizia a ela que estava buscando minha estrela; só estava tentando descobrir onde estava e como tê-la comigo.

Isso foi dito várias vezes. Cada dia que ela entrava em meu quarto, à noite, para dormir, lá estava eu sozinha. E a pergunta e a resposta eram sempre as mesmas. Hoje, com muita dor no coração, sinto falta de quem me cobre, dia após dia, trazer uma estrela.

Trabalhando, amando, estudando e curtindo a vida com os amigos, decidi-me pensar que a minha estrela não é aquela do céu, pela qual sempre lutei. Tenho isso, hoje, como uma forma figurativa para seguir meus planos e realizar meus sonhos. Não tenho mais quem me fale da estrela. Até então, raras pessoas sabiam desta história.

Guardo com amor a imagem de felicidade de minha avó quando disse a ela que entraria numa faculdade. Disse-me ela, novamente, para eu seguir sempre em frente e buscar minha estrela. Isso já foi no hospital. Não pude mais falar com ela porque acredito que Deus a quis mais pertinho dele. Talvez seja para ela ajudar, lá no céu, meu avô jogar a minha estrela aqui para mim. Irônico, bobo ou figurativo, carrego comigo uma vontade enorme de abraçar essa estrela. O que é ela? Não sei. Talvez um sonho ainda não realizado ou uma coisa boa que ainda está por vir.

Acredito que, quando as pessoas conseguirem voltar a ser crianças, nem que por alguns instantes, também saberão a importância de buscar sua estrela.

Minha avó é uma estrela. Uma pessoa fantástica que se foi, mas ilumina meus pensamentos até hoje. A dor sufoca, mas o brilho de Cáritas ainda está aqui. E é este brilho de estrela que ilumina meu quarto nas noites escuras em que não a encontro ao meu lado para conversar e rezar até altas horas da noite. Não pude agradecer tantos bons momentos. Não tive tempo. Mas ela, minha querida avó, sabe bem minha gratidão por tudo.

Eu vou buscar minha estrela. Alguém me acompanha?

(Texto de Anita Motta, que hoje também é uma estrela)

Cadeias femininas em colapso


A organização social impõe regras claras para que as pessoas tenham parâmetros de comportamento, respeitados os direitos coletivos e individuais, inclusive com as cláusulas de tolerância que permitem que certos deslizes possam ser corrigidos com medidas não tão duras quanto a privação da liberdade. Ao Estado, cabe a aplicação correta da justiça, através de um sistema que deveria funcionar de forma a criar um padrão de segurança máxima para os cidadãos.

Sem dúvidas, a falta de um sistema eficaz de segurança pública é um dos maiores passivos que recaem sobre a responsabilidade de governantes, ávidos por realizar obras de impacto e atender programas assistencialistas, porém relapsos na tarefa de prover infraestrutura em setor tão sensível. O sistema prisional está exaurido, sem condições mínimas de abrigar a população carcerária, muito menos oferecer possibilidade de ressocialização que é o objeto primeiro da aplicação de pena.

Ao longo de décadas, as cadeias anexas das Prefeituras foram sendo adaptadas, emendadas em obras improvisadas, recebendo detentas em número sempre superior à capacidade do espaço. Hoje, onde poderiam ser abrigadas 498 detentas nas cinco unidades prisionais da região, existem 1.235, verdadeiros caldeirões onde fervilham a justa revolta, os conflitos internos, os problemas de saúde e o risco iminente para as detentas, policiais, familiares e a população vizinha, constantemente submetida a situações de tensão, exposição a atos violentos, rebeliões, tentativas de fuga ou resgate. Em Mogi Guaçu, o presídio anunciado terá capacidade para 768 mulheres e se prestará a desocupar as cadeias públicas, notadamente mal localizadas em áreas centrais e sem mínimos quesitos de segurança.

O problema é altamente complexo e envolve uma letargia geral que impede ações saneadoras. Tanto na segurança pública como no Judiciário, as decisões não correm com a agilidade necessária e a aplicação da lei se torna lenta, ineficaz e, em muitos casos, inadequada, por incorrer em inúmeros presos à espera de julgamento, processos que se arrastam sem solução por anos, deixando soltos criminosos confessos, num clima de impunidade e injustiça aplicada em lances de intolerância, preconceito social e racial.

domingo, 22 de março de 2009

Muitos caciques para poucos aproveitadores

A moralização da vida pública passa obrigatoriamente por uma radical renovação dos costumes e dos personagens que se sucedem no poder, regurgitando velhas fórmulas de captação de votos e administrando as fontes de recursos sobre os quais lançam as mãos em gestos ávidos e descompromissados com a ética. Enquanto resistirem as velhas raposas da política, não sobrevierem forças renovadas, haverá poucas esperanças de mudança e novos tempos, onde a verdadeira representação popular se faça presente com maior legitimidade.

O caso dos diretores do Senado provocou forte reação popular, lançando mais revolta contra a classe política brasileira. Causou forte constrangimento a existência de 181 funcionários com salários que atingem R$ 24,5 mil mensais, ocupando-se de funções singelas como facilitação de embarque de parlamentares em aeroportos, acompanhamento de visita de turistas ou cuidar de comunicações de rádio. Causa revolta imaginar que um poder constituído tenha uma estrutura de atendimento que necessite tantos contratados para um quadro de apenas 81 senadores.

A gravidade da situação chegou ao ponto de sequer saberem informar o número exato dos obsequiados com os cargos, o que mostra o descalabro que ronda o Congresso Nacional, onde a noção de desperdício passa longe da realidade vivida por deputados e senadores, distantes da vida real quanto Brasília está de seus redutos eleitorais. O recém empossado presidente do Senado, José Sarney, posa agora de ilibado defensor da moral e da causa pública, reverberando alta indignação com o número de funcionários de alto escalão, encobrindo com desfaçatez que ele próprio foi o criador de 70% dos cargos que agora alega desconhecer.

Agora, anuncia-se a demissão de parte dos "diretores" em nome da moralização, ao tempo em que seria contratada assessoria da Fundação Getúlio Vargas para um estudo de reformulação administrativa no período de seis meses. É um gesto auspicioso, ainda que mínimo diante da gravidade do escândalo. A otimização do serviço público deveria ser objeto de constante atenção dos administradores, em nome do resgate da desgastada imagem dos políticos e pela eficiência transparente que se requer.

Esse episódio é apenas mais um que abala a sensibilidade do povo, cria um mal-estar crônico que alimenta uma cultura de descrédito, como se a estrutura moral da sociedade não tivesse qualquer relevância no mundo político. Questiona-se, até, se o princípio democrático que prevê uma representatividade legítima dos cidadãos é realmente respeitado no País, diante de tantos abusos e roubalheira, com cada qual querendo tirar proveito de indecentes vantagens e benefícios concedidos a si próprios. Se há espaço para uma reforma administrativa no Congresso, deve-se incluir um sistema que apure com mais eficácia o sentimento de revolta e repulsa que a sociedade nutre pela classe política.

(Correio Popular, 21/3)

sábado, 21 de março de 2009

O desafio da água para as novas gerações


No Dia Internacional da Água, celebrado neste domingo, a humanidade dá sinais cada vez mais evidentes de um despertar de consciências para a necessidade de técnicas de reaproveitamento, de eficácia na captação e distribuição de um produto vital e já escasso. Na iminência de um colapso mundial, o Planeta Água dá mostras de esgotamento de mananciais, exigindo que os homens racionalizem o consumo e desenvolvam hábitos preservacionistas extremos sob risco de condenar a próxima geração a um período de real carência.

O foco principal proposto para reflexão é a relação dos países em relação às águas compartilhadas. A seriedade da questão hídrica justifica o direito internacional que estabelece regras de aproveitamento dos mananciais e da arbitragem de interesses em casos de escassez e investidas econômicas. Inacessível para milhões de pessoas em todo o mundo, a água é encontrada no Brasil em grande quantidade na maior parte do seu território, estabelecendo o consenso de ser recurso inesgotável e de fácil exploração. Em verdade, o custo de aproveitamento da água nas cidades é elevado e implica em investimentos e tecnologia cada vez mais onerosos. O maior repto dos tempos modernos é a otimização dos processos de captação e tratamento, evitando desperdícios e levando o abastecimento às regiões mais distantes, equalizando a distribuição.

Os níveis de consumo consciente crescem a cada estatística, mostrando que a sociedade finalmente despertou para o estágio crítico do abastecimento e para os custos a serem pagos em todo o processo. Também as aplicações empresariais vão se enquadrando em novos padrões, tanto no aproveitamento do recurso como no respeito às condições ambientais.


No caso da RMC, a questão da água suscita a consciência metropolitana, havendo vários mecanismos que desembocam na qualidade de vida a partir da preservação ambiental e da conservação de rios e mananciais, com efeitos positivos para todos os municípios que compartilham soluções e investimentos à altura da tradição regional.



O importante é que nossa emoção sobreviva


Tudo o que mais nos uniu separou
Tudo que tudo exigiu renegou
Da mesma forma que quis recusou
O que torna essa luta impossível e passiva
O mesmo alento que nos conduziu debandou
Tudo que tudo assumiu desandou
Tudo que se construiu desabou
O que faz invencível a ação negativa

É provável que o tempo faça a ilusão recuar
Pois tudo é instável e irregular
E de repente o furor volta
O interior todo se revolta
faz nossa força se agigantar

Mas só se a vida fluir sem se opor
Mas só se o tempo seguir sem se impor
Mas só se for seja lá como for
O importante é que a nossa emoção sobreviva
E a felicidade amordace essa dor secular
Pois tudo no fundo é tão singular
É resistir ao inexorável
O coração fica insuperável
E pode em vida imortalizar

(Mordaça, música de Paulo César Pinheiro e Eduardo Gudin)

sexta-feira, 20 de março de 2009

Educação à beira do caos


A Educação no Brasil vive um momento altamente crítico, com um desgaste facilmente percebido em todas as áreas que envolvem o ensino público, onde faltam verbas, investimentos, manutenção de escolas, planos de carreira e remuneração justa para professores e funcionários. A degradação é tamanha que mesmo currículos e calendários são desrespeitados, deixando uma lacuna entre a qualidade que se espera e a triste realidade a que estão condenados os jovens estudantes.

Um dado importante divulgado nesta semana completa o diagnóstico nefasto do setor. O Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp), realizado pela Secretaria da Educação mostra que a média das escolas do Ensino Fundamental e Ensino Médio é extremamente baixo, uma péssima avaliação para a rede pública. O desempenho abaixo de crítica é sintoma de um mal maior e mais abrangente, reflexo de um sistema deficiente, professores mal remunerados, infraestrutura física e material comprometida, alunos sem motivação ou cuidados de cidadania.

Assombra que autoridades afirmem que a meta de atingir níveis ideais no ensino público esteja focada para daqui a 20 anos, o que na prática significa condenar uma geração inteira a um padrão educacional que cria o círculo vicioso da má formação, aprofundando o problema e adiando a criação de uma verdadeira Nação, construída pelo conhecimento, cultura, convivência saudável e perspectiva de vida. Enquanto o Estado se omitir e deixar de oferecer um local adequado para o aprendizado, um padrão de disciplina e sobretudo a segurança para educandos e professores, a sociedade estará refém de pequenos grupos de vândalos que se impõem pela arrogância e pela violência impune.

quinta-feira, 19 de março de 2009

quarta-feira, 18 de março de 2009

Lula, Obama e a perspectiva de civilidade

As relações externas de cada país definem as suas intenções de inserção no mundo, abrindo ou cerrando portas econômicas, culturais, mercantis, e definindo os caminhos a serem percorridos pelo diálogo diplomático que pavimenta os erros e acertos políticos. Com o mundo em constante processo de transformação, de novos parâmetros para o arbitramento de questões globais, avançam as nações capazes de instituir a sua soberania de acordo com as regras aceitas pela sociedade, interagindo no sentido de desenvolvimento e atendimento das expectativas nacionais.

Em meio a desacertos e a total insipiência das investidas da neodiplomacia petista, o País logrou manter-se na estabilidade ao tempo em que o discurso se distanciava da prática, onde prevaleceu o espírito realista dos interesses econômicos e a necessidade intrínseca de se relacionar com o economia ascendente. O recente encontro entre o presidente Lula e Barack Obama veio cercado de simbolismos que confirmam a locação do Brasil em estado de relevância no panorama mundial. Ao se aproximar do presidente norte-americano apenas depois de Canadá, México, Japão e Reino Unido, o Brasil confirma primazia entre os latinos e sinaliza um novo tempo nas relações com o hemisfério Norte.

O discurso direto e franco de Obama não surpreende. Ao estabelecer um canal de diálogo com Lula, o presidente americano não tergiversou e foi claro nas suas colocações a respeito do etanol e da política de subsídios. Mas deixou as portas abertas para discutir a crise internacional, cuja solução está em suas próprias mãos, mais que na cooperação dos países emergentes. Uma oportunidade de demonstração de maturidade política e inserção em um mundo civilizado de quem realmente decide.

Enquanto isto, os folclóricos Chávez e Morales se esborracham em manifestações anti-imperialistas, em investidas contra a ordem econômica, intervenções ditatoriais, enquanto seus países sofrem as mazelas da queda da sustentação pelo petróleo e joga seus cidadãos no abismo do populismo irresponsável. Negando aval para a ingerência brasileira na geopolítica latina, seus países afundam no discurso setentista do isolamento, sob o aplauso de companheiros partidários de uma indefinida revolução bolivariana desenhada com tintas de absolutismo e totalitarismo.

(Correio Popular, 18/3)

Canteiros, de Cecília Meireles

Quando penso em você
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Já me dá contentamento

Pode ser até manhã
Sendo claro, feito o dia
Mas nada do que me dizem
me faz sentir alegria

Eu só queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moço
pra tanta tristeza ...
E deixemos de coisa,
cuidemos da vida
Senão chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moço
Sem ter visto a vida

(Canteiros, poema de Cecília Meireles, musicado por Fagner)

terça-feira, 17 de março de 2009

Questão prisional não comporta tapa-buracos



As questões que envolvem a segurança pública são altamente variadas, de alta complexidade e invariavelmente críticas, tornando o que deveria ser programas de alta prioridade no maior problema que a sociedade enfrenta em tempos de violência. Em todos os setores faltam investimentos adequados, a infraestrutura está comprometida, faltam instalações, formação profissional, equipamentos e mesmo armamentos e pessoal para dar cabo das atribuições inerentes às forças de segurança.


Entre as atribuições do Estado para garantir a integridade dos cidadãos está a aplicação de penas a criminosos e infratores, recolhendo-os às cadeias, concebidas para um processo de reeducação e adaptação, mas que historicamente se limitam a depósitos em condições subumanas que mal servem à função de afastar do convívio aqueles que representam risco ou incômodo social. Em todo o País, os espaços geralmente imundos e insalubres são divididos por presos em quantidades enormemente desproporcionais à capacidade das celas, amontoando-se de forma indigna e abaixo do tratamento dispensado a animais.

Esta situação, sem representar qualquer sentido de ressocialização, deságua na iminência de um caos incontrolável, de uma situação onde a relação dos detentos com a sociedade é de desrespeito mútuo, tendente a se agravar quanto piores forem as perspectivas de solução. É o caso da Cadeia Feminina de Indaiatuba, palco de uma situação tensa onde as rebeliões são uma constante, trazendo intranquilidade para a cidade de tempos em tempos, com o isolamento da região central por conta da ação policial.

Desde a semana passada, o clima de agitação tomou conta das detentas. No local, estão 210 mulheres em espaço projetado para receber até 40 pessoas, uma situação insuportável em todos os sentidos, que tem levado aos constantes protestos e agitação que resultaram na decisão de proibir as visitas de parentes. A resposta foi violenta, com queima de colchões e ameaças, exagerada no sentido do direito das detentas, compreensível diante da omissão das autoridades diante de tão evidente descalabro.

O caso, embora sem maiores consequências, traz à discussão o sistema penitenciário brasileiro. Em São Paulo, a construção de cadeias e presídios têm acontecido, mesmo diante de uma necessidade muito maior que o ritmo de obras obriga. A Secretaria de Segurança Pública do Estado anunciou a ampliação da unidade de Indaiatuba, já despertando protestos da sociedade, que vê riscos na manutenção da cadeia em região central. E surpreende que o próprio delegado local afirme que os novos pavimentos previstos teriam capacidade para 108 vagas, mas que “podem receber até 200 presas folgado”, como antecipando uma prorrogação do problema em outra escala.

O impasse existe e a urgência requerida não deve subestimar o diálogo para a tomada de decisões. Afinal, estão em jogo a integridade das pessoas detidas, a tranquilidade devida à população e o funcionamento de um sistema que insiste em se mostrar frágil e dependente de ações meramente paliativas.

(Correio Popular, 16/3)

I'm so tired, The Beatles


I'm so tired, I haven't slept a wink
I'm so tired, my mind is on the blink
I wonder should I get up and fix myself a drink
No,no,no

I'm so tired I don't know what to do
I'm so tired my mind is set on you
I wonder should I call you but I know what you would do

You'd say I'm putting you on
But it's no joke, it's doing me harm
You know I can't sleep, I can't stop my brain
You know it's three weeks, I'm going insane
You know I'd give you everything I've got
for a little peace of mind

I'm so tired, I'm feeling so upset
Although I'm so tired I'll have another cigarette
And curse Sir Walter Raleigh
He was such a stupid git.

You'd say I'm putting you on
But it's no joke, it's doing me harm
You know I can't sleep, I can't stop my brain
You know it's three weeks, I'm going insane
You know I'd give you everything I've got
for a little peace of mind



(I'm so tired, The Beatles, 1970)

segunda-feira, 16 de março de 2009

Poderia, de Anita Motta



Poderia eu dizer-te da noite, interminável noite que afastou o dia.
Poderia dizer do dia, sol ofuscante a queimar entranhas e sentidos...
Poderia dizer do coração que se fez nó e se atou na cama silente e fria.
Ou do nó que estrangulou e se tornou vida!

Poderia...
Ah, tanto poderia!
No entanto, engasgo com o não dito, vago ao léu com o que já foi.

Passo ao longe de todos os véus... e quando os toco é apenas
para fazer mais belas fantasias...
Branca odalisca me torno, com a graça enfeitada de lenços
que ao vento escoaçam, fascinam...

Deixo ao largo essa magia. Busco luas de metal, faço estrelas-poesia.
Vejo ao longe a poeira que ficou em campos e vales, os verdes e negros vales dessa longa vida...
Canto novas canções, atualizo os "poderia"
Singro outros mares, infinito oceano que sou.

(Poema de Anita Motta)


domingo, 15 de março de 2009

Age Of Innocence, de Iron Maiden

IDADE DA INOCÊNCIA

Eu não posso mais comprometer-me
Com meus pensamentos
Eu não posso evitar os tempos
Minha raiva preenche meu coração
Eu não posso compreender
Uma nova causa perdida
Eu sinto que perdi minha paciência
Com o mundo e tudo mais

E todos os políticos
E suas promessas vazias
E todas as mentiras, enganações
E vergonha que vêm com elas
O homem trabalhador
Paga pelos erros deles
E também com sua vida
Se acontecer uma guerra

Então nós só temos uma chance
Podemos aceitá-la?
E nós só temos uma vida
Não podemos trocá-la
Podemos nos agarrar ao que temos?
Não substitua
A idade da inocência está desaparecendo
Como um velho sonho

Uma vida de crimes insignificantes
É punida com um feriado
A mente da vítima é traumatizada
Por toda a vida quase todos os dias
Assaltantes sabem exatamente
O quão mais longe isso pode ir
Eles sabem que as leis são flexíveis
São poucas as chances de culpabilidade

Vocês não podem se proteger
Nem mesmo em suas próprias casas
Pelo medo do choro dos vigilantes
As vítimas enxugam seus olhos
Então agora os criminosos
Eles lançam bem na nossa cara
O sistema judicial os deixa fazer isto,
Uma desgraça

Preocupações públicas desesperadas
Onde tudo isso vai acabar
Nós não podemos nos proteger
Nossos filhos da tendência do crime
Não podemos nem avisar uns aos outros
Do mal em nosso meio
Eles têm mais direitos que nós
Você não pode chamar isto de justo

(Age Of Innocence (tradução), Iron Maiden, composição: Murray/Harris)

Pichação requer mais ação e menos discurso



As pichações são uma ocorrência comum em todas as culturas e se espalham como pragas incrustradas nas paredes e muros de todo o mundo, em maior grau quanto menores forem as opções de educação, de civilidade, de lazer para os jovens adolescentes. Carentes de uma projeção que lhes garanta um mínimo de reconhecimento público, os pichadores não colocam medidas de bom senso em suas ações e se divertem espalhando sujeira, desrespeito ao bem alheio e demonstração cabal de falta de talento pessoal.


Em Campinas, o problema assumiu proporções fora do controle, com os predadores emporcalhando prédios históricos, monumentos e propriedades particulares, numa sanha destruidora que não obtém amparo sequer no desejo de ser desafiado por seus colegas infratores. O que transparece é o desejo simples de se oferecer à sociedade como um transgressor desajustado, em busca de um reconhecimento efêmero e absolutamente irrelevante, como se a aceitação por um pequeno grupo de jovens da mesma origem pudesse significar algo importante.
Vários programas foram anunciados sem aplicação efetiva.


Desde o reforço do policiamento, a autuação dos infratores e responsabilização pelos reparos realizados em imóveis e bens depredados, até mesmo a punição com detenção em casos de reincidência, tudo não passou de discurso e não se conhece nenhum caso em que os pichadores ou seus responsáveis tenham sido punidos, mesmo que todos saibam quem são, onde atuam e alguns sejam famosos não por suas intervenções imundas nas ruas, mas por passagens por delegacias onde escarnecem da autoridade por saberem-se impunes.

Um dos programas sugeridos para sociabilizar estes jovens transgressores é oferecer a alternativa da grafitagem como forma de arte de expressão popular. Supõe-se que o envolvimento com algum tipo de arte poderia resgatar de uma forma mais aceitável a auto-estima de alguns artistas, mesmo que, entre tantos, não deve haver muitos com talento que não se revela através de garranchos codificados com o dom de apenas despertar a profunda irritação e desaprovação da sociedade. Mas nem mesmo a proposta feita com boa vontade parece ter o efeito desejado: o que se vê na cidade é o mesmo lixo da pichação sobre os painéis coloridos da grafitagem, mostrando o desrespeito que sempre existiu a partir de um código de relacionamento padrão.

É pouco provável que a grafitagem faça diferença na gravidade do problema. É possível que tire uns poucos da rua dando-lhes um caminho de reconhecimento real e válido. Mas ainda haverá outra centena de mal educados insistindo no caminho da destruição e da falsa rebeldia. A estes, espera-se que as autoridades despertem e imponham um modelo de controle e punição semelhante ao adotado em São José dos Campos, mostrado em reportagem recente no Correio Popular, onde os pichadores flagrados são obrigados a pagar pelo prejuízo e refazer pintura de imóveis à luz do dia, sob a vista de todos. Talvez assim eles experimentem o real valor da notoriedade que eles buscam insistentemente em ações covardes na calada da noite.

(Correio Popular, 15/3)

Os Estatutos do Homem, de Thiago de Mello

(Ato Institucional Permanente)

Artigo I

Fica decretado que agora vale a verdade. agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II

Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV

Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único: O homem, confiará no homem como um menino confia em outro menino.

Artigo V

Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII

Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX

Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X

Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida, uso do traje branco.

Artigo XI

Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII

Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela. Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.

Artigo XIII

Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.

Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.

A Carlos Heitor Cony


(Thiago de Mello, poeta amazonense, Santiago do Chile, abril de 1964)




segunda-feira, 9 de março de 2009

Foi um rio que passou em minha vida


Um descanso para meus poucos leitores. Estou em viagem de trabalho por alguns dias, conhecendo a chuva tropical amazonense. Volto a atualizar o blog no fim de semana.

sábado, 7 de março de 2009

O cobertor curto da segurança


A garantia de segurança da população é um item que se obtém com mais do que intenções das forças policiais. É necessário um esforço constante, embasado em conhecimento das causas e efeitos dos atos criminosos, a assimilação da tecnologia disponível e uma infraestrutura que dê conta de atender a todos os casos através de programas de prevenção, do policiamento ostensivo e de serviços de inteligência. A falta ou mau funcionamento de qualquer parte do conjunto faz com que os cidadãos estejam reféns de bandidos, ameaçados em seus lares, impedidos de circular com tranquilidade, sobressaltados com os riscos de perda de patrimônio.

O Brasil vive hoje um momento delicado em relação ao combate à violência. O casos se multiplicam e a sensação maior é que a impunidade se sobrepõe à aplicação da justiça e as companhias seguradoras são a melhor opção de resguardo do direito. De tempos em tempos, as autoridades policiais mostram empenho no trabalho, atingindo pontos frágeis que ameaçam a sociedade. Intensificadas as ações, os resultados tendem a aparecer com a redução de ocorrências específicas, mas análises técnicas mostram uma tendência irônica de recrudescerem em municípios ou regiões próximos.

Depois de um resultado animador no ano passado, as estatísticas sobre roubo e furto de veículos em Campinas apontam para o aumento de 20% de vítimas desses crimes, à razão de 23 pessoas em média por dia. Vários fatores poderão justificar a volta do interesse de bandidos em veículos, como a proliferação do comércio clandestino de autopeças, compra e venda de sucatas ou a simples clonagem de carros que são maquiados em outros territórios. A evidência, no entanto, é que a estrutura criminosa é alimentada pela falta de repressão, facilidade de operação comercial com o material furtado ou roubado, a rede que garante a impunidade de bandidos e quadrilhas dentro e fora dos presídios, e principalmente, inoperância policial com tantas dificuldades e falta de recursos físicos e pessoais mínimos.

Para estabelecer um padrão de segurança, é preciso quebrar o círculo vicioso da desfaçatez dos criminosos e da alegada falta de recursos. São necessários investimentos e cabe à sociedade exigir que o aparato policial seja condizente, sob pena de arrastar o medo e o sobressalto para a rotina das pessoas. O Judiciário deve ser ágil, firme e coerente, com o mínimo de tolerância, fazendo com que saiam de circulação os desajustados e violentos. Não é mais possível que a sociedade viva o descrédito no sistema que lhe deveria oferecer proteção. Nem é mais o caso de questionar apenas o custo de prêmios de seguradoras, mas o constante risco a que a população se submete como assustadora rotina.

(Correio Popular, 7/3)

sexta-feira, 6 de março de 2009

Política de mais do mesmo


A política é a arte de convencer os demais de seus princípios, intenções e valores, impondo de forma democrática a vontade da maioria que se manifesta através dos instrumentos constitucionais e seus representantes. É rico o sistema que aperfeiçoa esses mecanismos de apuração e faz valer os princípios contidos no seio da sociedade, pautando o desenvolvimento harmonioso e a multiplicação de oportunidades sociais para todos os cidadãos.

No sentido inverso, quando a política se transforma em seara dos espertalhões e desonestos, quando o poder é transformado em moeda de troca e a atividade parlamentar é meio de se locupletar, perde a Nação, que vê se esvaírem os recursos que faltam em setores essenciais e se perpetuarem personagens que têm o dom de se reciclar politicamente na alternância de cargos, desfazendo da memória dos eleitores.

Na semana que passou, o Senado protagonizou mais um episódio que emoldura o quadro político brasileiro atual. O senador Fernando Collor assumiu a presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado, por indicação de Renan Calheiros que, de sua parte, recebeu a quitação da fatura política de José Sarney, com as bênçãos do Planalto. Em uma única e acidentada eleição interna, cruzam-se três gerações da política recente do País, desafortunadamente marcadas, cada qual a seu tempo, por escândalos de corrupção, de péssima gestão de recursos públicos. Nomes que mereceriam cair no esquecimento mas contrariam a ordem da sensatez e da seleção natural.

Não apenas as velhas e arcaicas lideranças se mantêm por força de influência nefasta. O próprio sistema de alianças a qualquer preço cava o fosso da incongruência. Para manter a popularidade e governabilidade em alta, o presidente Lula aceita e aprova a proximidade indecente com antigos adversários, desafetos que hoje são aliados que o obrigam à mudança de discurso como quem troca de camisa.

A sedimentação de lideranças questionáveis no Congresso e em todos os níveis apenas reafirma a sensação de que a classe política trata de se manter através de acordos espúrios, para usar termo atual, onde os partidos políticos não mais existem, as legendas são nomes fictícios em que não cabem ideologias, objetivos comunitários, históricos de militância. Tudo parece se resumir a interesses menores, onde o que importa é se dar bem, tirar o máximo proveito das benesses do poder, a qualquer custo.

Este alinhamento por baixo tem sido a causa do esfacelamento do conceito de que desfrutam os políticos perante a sociedade. Ao oferecer cada vez mais do mesmo, renovam um quadro que já teve amplas e irrestritas manifestações de repúdio mas persiste na inconsistência de um sistema que não consegue punir os figurantes que fogem do roteiro e terminam como protagonistas de uma ópera bufa de graves consequências para as instituições.

(Correio Popular, 8/3)

quinta-feira, 5 de março de 2009

Palavras de um velho mestre


Nos anos 70, tive aulas com Mário Chamie, aquele, do Lavra Lavra. Foi talvez a influência mais importante para que eu quIsesse aprender a lidar com as palavras. Dois poemas pela saudade.


OS DARDOS DA PALAVRA

Os boiardos
não são
os goliardos,
mas usam
as mesmas
armas do seu passado:
uns atacam
com as armas
dos seus dardos,
outros com o dardo
de suas palavras
de enfado.

Frente a frente,
boiardos e goliardos
não são clementes
com os seus
dardos trocados.
Nem rangem
os dentes
se se cruzam
em seus caminhos
outros cruzados
e suas armas
para cima e para os lados.

Apenas,
perto ou distantes,
com seus exércitos
montados,
boiardos e goliardos
são os cossacos
constantes
de nossos futuros passados.


FORCA NA FORÇA

a palavra na boca
na boca a palavra: força
a força da palavra força
a palavra rolha fofa

a rolha fofa sem força
a palavra em folha solta

a força da palavra forca
a palavra de boca em boca

na boca a palavra forca
a palavra e sua força

(Poemas de Mário Chamie)

quarta-feira, 4 de março de 2009

All things must pass


Sunrise doesn't last all morning
A cloudburst doesn't last all day
Seems my love is up and has left you with no warning
It's not always going to be this grey

All things must pass
All things must pass away

Sunset doesn't last all evening
A mind can blow those clouds away
After all this, my love is up and must be leaving
It's not always going to be this grey

All things must pass
All things must pass away
All things must pass
None of life's strings can last
So, I must be on my way
And face another day

Now the darkness only stays the night-time
In the morning it will fade away
Daylight is good at arriving at the right time
It's not always going to be this grey

All things must pass
All things must pass away

(All things must pass, George Harrison)

terça-feira, 3 de março de 2009

Dilma e os palanques eleitoreiros


A dinâmica dos processos eleitorais obviamente não se restringe ao curto período em que se definem oficialmente os candidatos, fica liberada a campanha nas ruas e os eleitores são chamados a escolher os nomes dos políticos que ocuparão os cargos públicos eletivos. A grande maioria dos postulantes tem um histórico que os credencia a receber a procuração cívica de representar parcela da sociedade. Poucas exceções subvertem esta ordem, geralmente protagonizadas por celebridades instantâneas que caem no imaginário popular.

Com uma antecipação que chega a ser surpreendente, a campanha para a eleição presidencial em 2010 já tomou as ruas, com um agenda ditada pela urgência de Lula apontar um sucessor que possa capitalizar o altíssimo índice de aprovação popular que desfruta. O presidente aposta suas fichas na figura da ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que saiu do anonimato para o espaço político em operação cuidadosamente articulada de dentro do Palácio do Planalto, que incluiu a locação em cargo de projeção, mudança de vestuário e até cirurgias plásticas que a fizessem parecer menos rude e agressiva, herança de um tempo de radicalismo ideológico e luta armada.

A passagem do presidente pela região, trazendo a candidata ungida a tiracolo, cumpre um ritual que é repetido à exaustão por todo o País na mais franca e desfaçada campanha pela sucessão, atropelando a legislação eleitoral, a atenção de juízes e o discernimento de eleitores. A visita tem pretexto de inaugurar obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) utiliza o caráter oficial como fachada para a exposição midiática da que Lula agora chama a "mãe do PAC", que em verdade também não passa de um efeito de marketing para um cronograma de obras.

Se os olhos de censura recaem sobre a desfaçatez do presidente, deitam-se também sobre o governador de São Paulo, José Serra, useiro em aparições em eventos, feiras e manifestações até fora do Estado, sem poder negar efeito eleitoreiro, ele que é o virtual candidato do PSDB ao Executivo nacional e grande articulador de uma indefinida oposição que ainda negocia apoios entre todas as siglas possíveis, em especial o sempre disponível PMDB.

Os eleitores poderiam ser poupados do uso de palanques e do aliciamento de prefeitos, onde não se pode negar o esforço de projetar ao máximo uma estrela que ainda prescinde de brilho próprio.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Patrulheiros e guardinhas

A realidade do trabalho para a grande maioria dos adolescentes é uma incógnita. Em um país onde a disputa por vagas é feroz, onde a qualificação é apenas um elemento no processo de seleção, a formação escolar é abaixo da crítica e a estrutura familiar impõe a necessidade de ganho por parte de todos os elementos para garantir a subsistência, os jovens não têm porque ter grandes esperanças em relação ao futuro. Tudo é uma questão de oportunidade, que exige que as pessoas se apeguem a todas as alternativas que possam ser utilizadas como instrumentos de crescimento pessoal e iniciação profissional.

A dura constatação de que a economia não consegue gerar a quantidade necessária de empregos para atender a todas as pessoas em idade de inserção no mercado de trabalho, além da premente necessidade de prover o sustento familiar, faz com que muitos jovens aspirem por uma chance, à qual geralmente se agarram com denodada dedicação, como se o próprio futuro pudesse ser determinado por aquele momento de definição. Para atender a esta demanda específica de formação específica para adolescentes, várias entidades têm se dedicado a promover cursos de formação, orientação pedagógica, assistência social laborativa, intermediação de contratos com empresas e prestadores de serviços, ampliando o leque de oportunidades.

É o caso das instituições Círculo de Amigos do Menor Patrulheiro de Campinas e Associação de Educação dos Homens de Amanhã, que oferecem uma estrutura de formação e de geração do primeiro emprego para milhares de jovens, construindo uma rica história que pode ser comprovada por décadas de experiência. Os guardinhas e patrulheiros fazem parte do cotidiano de todas as empresas, sendo praticamente uma instituição respeitada pela qualidade do serviço prestado ou pelas demonstrações de boa formação de seus membros. Não bastassem os exemplos de Campinas, é possível reconhecer o mesmo modelo funcionando com sucesso em diversos municípios.

O impasse entre a Procuradoria Regional do Trabalho, Prefeitura e Câmara Municipal sobre a utilização de patrulheiros e guardinhas no serviço público trouxe à discussão a conveniência de utilizar a mão de obra dos aprendizes em trabalhos que, segundo a ação civil protocolada, estariam fraudando concursos públicos. No entender do Juiz da 1a Vara do trabalho, que concedeu liminar suspendendo o trabalho dos jovens, as funções deveriam ser cumpridas por servidores concursados. Nova liminar parcial permitiu a volta dos jovens a seus postos, mas a continuidade do trabalho e mesmo a renovação dos contratos com as instituições correm sério risco de extinção.

Se o aspecto legal agora detectado pode embasar uma ação civil, a realidade que se apresenta é outra. É lugar comum que o período de aprendizado dos patrulheiros e guardinhas é muito distante do vínculo empregatício comum e o momento de uma intervenção radical trouxe insegurança social sobre uma parcela considerável da população. Mais razoável, em casos como este, é uma acurada avaliação das funções atribuídas aos jovens, de forma a que não sejam prejudicados e nem firam os princípios legais. Afinal, não é apenas com guardinhas que o serviço público costuma se sobrepor ao direito instituído pela obrigatoriedade dos concursos.

(Correio Popular, 28/2)

Mira Ira


Mira num olhar
Um riacho, cacho de nuvem
No azul do céu a rolar...
Mira Ira, raça tupi,
Matas, florestas, Brasil.
Mira vento, sopra continente,
Nossa América servil,
Mira vento, sopra continente,
Nossa América servil...
Mira num olhar,
Um riacho, cacho de nuvem
No azul do céu a rolar...
Mira ouro, azul ao mar,
Fonte, forte de esperança,
Mira sol, canção, tempestade, ilusão,
Mira sol, canção, tempestade,
Ilusão...
Mira num olhar
Verso frágil tecido em fuzil,
Mescla morena,
Canela, cachaça, bela raça, Brasil.
Anana ira,
Mira ira anana tupi
Anana ira, anana ira
Mira Ira

(Mira Ira, Lula Barbosa e Vanderlei de Castro)