sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Funeral de um lavrador

Esta cova em que estás com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho nem largo nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio

Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida
É uma cova grande pra teu pouco defunto
Mas estás mais ancho que estavas no mundo

É uma cova grande pra teu defunto parco
Porém mais que no mundo te sentirás largo
É uma cova grande pra tua carne pouca
Mas a terra dada, não se abre a boca

É a conta menor que tiraste em vida
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a terra que querias ver dividida
Estarás mais ancho que estavas no mundo
Mas a terra dada, não se abre a boca.

(Funeral de um Lavrador, Chico Buarque de Hollanda e João Cabral de Mello Neto)

Questão fundiária


A questão fundiária brasileira é assunto de anos de discussão sobre o uso e distribuição das terras, do direito de propriedade, das formas de acesso e promoção social através da reforma agrária, que adquiriu formas as mais diversas ao longo da história. País de dimensões continentais, o Brasil tem um passado e demandas diferentes em cada região, exigindo políticas específicas que determinem o grau de prioridade e as formas de abordagem do problema.

A radicalização dos movimentos em busca de terra e habitação tem dificultado as ações políticas públicas, mais pela intransigência e violência desencadeada pelos membros dos grupos organizados do que pela falta de atendimento a questões essenciais. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é o exemplo mais eloqüente de como a partidarização do grupo e as sub-intenções políticas podem contaminar o anseio primário do desejo de uma área para plantio e moradia. Seus líderes são hoje porta-vozes de uma ideologia retrógrada que se sobrepõe ao interesse maior de seus filiados.

Braço decorrente do MST, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) segue a mesma linha de promover invasões ilegais para forçar a negociação, arrastando atrás do grupo milhares de famílias seduzidas pela possibilidade de ter um terreno para se instalar sem ter que passar pelos corredores legais e institucionais. Feitos de boa-vontade de grande parte dos filiados e pela explícita malandragem dos articuladores das invasões, os movimentos insistem em se fazerem presentes com promessas irrealizáveis, como se o objetivo maior estivesse no que eles denominam de “luta”, e não na inserção social dos participantes.

O caso da invasão do MTST no Jardim Denadai, em Sumaré, arrastou para um período de provação e incerteza cerca de 500 famílias – número superestimado pelos organizadores como 2 mil – por um período que não poderia ultrapassar o óbvio pedido de reintegração de posse acatado e determinado pela Justiça. Não é a primeira vez que os fatos transcorrem desta maneira legal e ordenada, sem que se note qualquer constrangimento por parte dos articuladores da invasão.

Também ficou evidente a partidarização do movimento. A logística da operação e parte dos gastos foram bancados por representações regionais de partidos políticos e até mesmo sindicatos, estes desviados totalmente de sua função intrínseca de representar categorias profissionais. É de se perguntar aos sindicalizados se a prestação de contas de despesas de seus dirigentes passa pelo crivo da legalidade e atende justamente os seus contribuintes diretos.
Por tudo isto, movimentos que erguem bandeiras pela justiça social, que se atribuem o messianismo de resolver todos os problemas das classes menos favorecidas e que usem de meios ilegais para se promover em atos que beiram o vandalismo deveriam ser banidos, e os seus dirigentes levados à Justiça para responderem por seus atos criminosos. É inaceitável que um grupo menor queira se impor pela força e subverter a ordem, em favor de uma política mesquinha e atrasada que desrespeita os verdadeiros trabalhadores organizados.

(Editorial Correio Popular, 27/11)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Transparência política

A transparência administrativa é um objetivo caro a ser perseguido constantemente, especialmente no serviço público, quando os ocupantes de cargos devem satisfação de seus atos aos cidadãos, em todas as instâncias, devendo ser fiéis condutores do interesse comum e atentar aos limites impostos pelas leis e normas reguladoras. Ao desenvolver seus atos de gestão, os governantes não podem tergiversar sobre a legalidade e a opinião pública deve ser implacável até a aplicação da justiça.

A manifestação do Judiciário de Paulínia que determinou a penhora de bens do prefeito Edson Moura e dos quatro últimos presidentes da Câmara Municipal traz à luz uma providência que se fez necessária no decorrer do processo. Todos os políticos enunciados são acusados de contratações irregulares, sem licitação e sob alegação de estrita especialização de advogados. O entendimento do Judiciário tem sido diferente, a ponto de os recursos referentes às ações de Moura tramitarem nas instâncias do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF).

A política paulinense passa por turbulento período apenso às barras da Justiça, pesando contra o atual prefeito acusações de mau uso do dinheiro público, aplicação indevida do orçamento, priorização de aspectos midiáticos em detrimento de demandas sociais urgentes. Não por acaso pesa contra Edson Moura a pecha de deixar uma marca polêmica sobre seus atos, antes de uma referência de administração moderna, equilibrada e que pudesse resgatar Paulínia de seus problemas e alçá-la a uma instância de primeiro mundo.

Os políticos atuais têm uma obrigação intrínseca de se mostrarem transparentes em suas ações, absolutamente corretos em suas funções, éticos na medida extrema e honestos como não se pode deixar de ser. A imagem altamente deteriorada sobre a classe política impõe uma severa condição para o exercício de funções públicas em todos os níveis, havendo uma sociedade cada vez mais ampla a cobrar a lisura nos feitos administrativos. Chega a ser irônico que candidatos façam questão de frisar em suas campanhas a qualidade de ser honesto, como se isso não fosse obrigação elementar de cada cidadão. Há um respeito que precisa ser resgatado das entranhas da corrupção, da auto-concessão de vencimentos e regalias.

Quando falha a consciência e o auto-respeito, cabe aos demais poderes da República a fiscalização dos atos administrativos e de governo. No caso de Paulínia, a intervenção do Judiciário busca interromper um longo processo de prevaricação a que o Legislativo parece não ter empenho em investigar. No todo, os processos contra Edson Moura deveriam tramitar no caráter de urgência necessária, para que se tenha uma decisão com a agilidade que permita ou a rápida condenação dos culpados ou sua absolvição para que a vida política local possa ter seu decurso tranqüilo. O que não parece razoável é que o rito processual seja lento a ponto de pesar sobre alguém uma sentença de cassação de cargos públicos, com a iminência de ocorrer depois de cumpridos os mandatos.

(Editorial Correio Popular, 26/11)

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Chuvas de novembro

When I look into your eyes
I can see a love restrained
But darlin' when I hold you
Don't you know I feel the same

'Cause nothin' lasts forever
And we both know hearts can change
And it's hard to hold a candle
In the cold November rain

We've been through this auch a long long time
Just tryin' to kill the pain

But lovers always come and lovers always go
An no one's really sure who's lettin' go today
Walking away

If we could take the timeto lay it on the line
I could rest my head
Just knowin' that you were mine
All mine
So if you want to love methen darlin' don't refrain
Or I'll just end up walkin'
In the cold November rain

Do you need some time...
on your own
Do you need some time...
all alone

Everybody needs some time...on their own
Don't you know you need some time...all alone

I know it's hard to keep an open heart
When even friends seem out to harm you
But if you could heal a broken heart
Wouldn't time be out to charm you

When your fears subside
And shadows still remain
I know that you can love me
When there's no one left to blame
So never mind the darkness

We still can find a way'
Cause nothin' lasts forever
Even cold November rain

November Rain, Guns N' Roses, Use Your Illusion I, 1991)

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Questões de fé partida

De há muito os meus pensamentos não se alinham com a Igreja Católica. Tenho para mim que temos diferenças irreconciliáveis, que freqüentemente nos levam para campos opostos, a ponto de atribuir ao regrado do Vaticano grande parte da responsabilidade sobre o sentimento de culpa, a mortificação, o achatamento intelectual, a anulação individual e a ritualização alienante que acomete a civilização ocidental.

Antes que atirem a primeira pedra, obviamente defendo o direito de cada cidadão cuidar da própria vida como lhe convier, eleger a sua religião, denominar-se de qualquer sectarismo. Mas ainda vejo com ressalvas aqueles que estão imbuídos profundamente de uma fé que não resiste à medida mínima que a razão exige para questionar. Os fundamentalistas e os alienados, para deixar mais claro. Aqueles que professam uma fé sem responsabilidade intelectual.

A presença marcante do dogmatismo católico no nosso meio autoriza qualquer um questionar ações emanadas pelo Vaticano, já que reproduzem um manual de conduta que acaba atingindo a sociedade civil, que se diz religiosa, mesmo sem freqüentar uma igreja há anos, exceção a festas sociais, como casamentos. E a Igreja Católica, hoje personificada pelo papa Bento XVI, tem pautado estas regras pelo retorno incondicional ao tradicionalismo.

Acho correta a posição do pontífice alemão. A Igreja não deve ceder aos costumes, as pessoas é que devem seguir a Igreja. É isto: o modo como as pessoas devem proceder é emanado da interpretação bíblica e documentos conciliares. Quem aceita, segue. Caso contrário, se afasta. Não é o que vemos, com tantos católicos declarados antagonizando suas crenças em sendas do espiritismo, por exemplo.

Agora, o Vaticano endurece as regras, e dirige um de seus canhões doutrinários contra o homossexualismo. Uma tardia resposta aos escândalos de assédio sexual nas sacristias, chaga secular sempre escondida (Ratzinger bem sabe disto), e que agora vem à tona em borbotões. Fazem crer que, limitando o acesso de homossexuais à ordenação, o problema será contido. Ao agir corretamente – tomando posição firme contra o comportamento que considera anti-natural – o papa assume um regime de tal grau de intolerância e preconceito que em nada ajuda ao debate da questão.

Se o homossexualismo é errado – e quero crer que sim – não é fechando as portas das igrejas que as pessoas poderão ser orientadas, tratadas como irmãos, compartilhando a mesma fé. Se a igreja deve seguir o seu rumo firme e sem vacilos como quer o novo papa, mesmo que navegando em águas tormentosas, não pode deixar de ir ao encontro dos seus fiéis, compreendendo o mundo como ele é na vida real, não como está pintado dentro dos altos muros da tradição.

Em tempo: a cantora Daniela Mercury foi impedida de se apresentar em concerto de Natal no Vaticano, diante do papa. Ela é embaixadora da ONU e participa ativamente das campanhas da organização no combate à Aids e defende o uso de camisinha na prevenção de DST. A igreja condena o uso do preservativo entendendo que o método pode incentivar a promiscuidade.
Este rigor não impediu, no entanto, que o cantor Roberto Carlos, que casou-se várias vezes, fizesse show para o papa no Rio de Janeiro. O evento? Segundo Encontro Mundial das Famílias. Belo exemplo.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Cores da bandeira

Diante da bandeira do Brasil, devo confessar a emoção que sinto cada vez que sou levado a contemplar as cores verde, amarelo, azul e branco. Dizia um professor meu, Gerhard Wilda, um artista plástico, que a bandeira brasileira era feia. Que não há harmonia estética possível entre o verde e o azul; a sobreposição de formas retas e arredondadas raramente surte efeito plástico agradável. Lógico, tudo isto sob um olhar distanciado do senso patriótico e cívico. E, não podemos negar, o frase Ordem e Progresso diz tão pouco deste povo natural e elegantemente desordenado, que o progresso nem sempre encontra aspiração no modo simples de viver dos brasileiros. Comte e seu positivismo pareciam não saber muito da alma do brasileiro.

Eu dizia da emoção que sinto ao ver a nossa bandeira. Sentimento que se confunde em minha cabeça, já que aprendi a importância dos símbolos da Pátria sob pressão das botas da ditadura militar nos anos 70. Na época, o conceito de Pátria se confundia com o respeito à autoridade militar, à obediência cega, à negação do caráter humanista e libertário que impregnou a minha juventude. O Hino Nacional era decorado às expensas de ameaças e rigor exagerados. A bandeira hasteada era antes o símbolo de um poder usurpado do que o símbolo legítimo de uma pátria ultrajada.

Lembro-me bem de ter chorado, de frustração e revolta, quando o Brasil ganhou a Copa do Mundo de 1970. Jovem, eu saí às ruas com uma improvisada bandeira verde-amarela feita dos restos de uma cortina velha, tentando absorver daquele povo delirante um pouco de seu entusiasmo. Poucos minutos depois eu voltava para casa, sem conseguir me contagiar. E sem a bandeira, arrancada das minhas mãos e que se perdera na multidão. Nunca mais consegui identificar na exaltação das massas o caráter cívico e patriótico que a bandeira deve suscitar. Para mim, o respeito se manifestava em silêncio, respeito e temor, infelizmente.

A bandeira, como um símbolo, voltaria à minha vida somente muitos anos depois, na educação de meus filhos. Ali ressurgiria para mim o verdadeiro sentido cívico de amor pela Pátria, entendida como o amálgama de todas as raças, religiões, suores e amores. Aos poucos ia notando que aquele pedaço de tecido entrelinhava mais do que apenas cores e texturas: ele retratava a fisionomia carregada de sol do sertanejo, o desprendimento decorrente da fusão de culturas, a alegria contagiante das praias, a energia do trabalho, a sensibilidade do amor ao próximo, o vigor da organização popular, a catalisação de todos os anseios, a evasão da culpa na convicção de que todos somos irmãos, e filhos do mesmo atavismo histórico que nos impulsiona como Nação.
Somos uma Nação rica, porque feita de contrastes; humana, porque feita das raças; cordial, porque feita de amizades; soberana, porque feita de lutas e desejos de liberdade que não esmorecem diante da opressão. Convivemos com o belo e o ridículo; somos inteiros quando nos doamos e somos metade quando reivindicamos nosso quinhão.


Somos um tanto néscios ao discutirmos nossos direitos. Muitas vezes deixamos de lado nossos interesses genuínos e agimos como inocentes cordeiros da especulação internacional, espectadores de um crescimento que nada tem a ver com a nossa tradição e nossas raízes.
Chega de deliverys, drive thru, shopping centers. Chega de jeans, t-shirts, fast food, ice cream. Somos pegue-pague, somos cururu, somos saci, chá de erva-cidreira. Somos bossa-nova, somos chapéu de couro, cheque pré, pó de guaraná. Somos a tanga ao sol, somos alegria, somos futebol, ora bolas.


Esta bandeira é para ser o símbolo de tudo o que somos. Bons ou ruins, sérios ou destrambelhados, chiques ou desdentados. Somos o país do futuro que aprende no presente com os erros do passado. Tudo o que queremos é o nosso presente agora, tingido com as quatro cores de nossa bandeira, se preciso com o vermelho de nosso sangue, para que possamos dizer a todo o mundo, de cabeça erguida e com verdadeiro orgulho cívico: nós somos brasileiros.

(Discurso no Dia da Bandeira, Rotary Club de Mogi Mirim, 2003)

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Preconceito superior


Nos meus tempos de moleque, que vivi em Santos, tive a oportunidade de conviver com pessoas de toda escala social. A praia sempre foi o espaço mais democrático que existe. Nas peladas de futebol, juntavam-se negros, brancos, mulatos, asiáticos, ricos e pobres, moradores de apartamentos em frente à praia ou de favelas. Muitos estudavam em colégios particulares, mas a maioria só dispunha mesmo do ensino público para sua formação. Outros, sequer isto; circulavam pela areia em busca de diversão e alguns trocados de turistas.


Mas na hora do jogo, a única coisa que realmente importava era a habilidade com a bola. Na hora de escolher os times, não me lembro de ser levada em consideração qualquer coisa que não fosse a capacidade de jogar bem. Tudo deixava de ter importância se o Pelézinho, o Japa, o Alemão ou o Turquinho soubessem driblar com categoria e marcar os gols.

Não sei o destino de qualquer destes companheiros que ficaram perdidos na areia do tempo, mas posso apostar que nem todos tiveram as oportunidades que tive. Muitos ficaram pelo caminho e não gozaram quaisquer privilégios compensatórios pelo abismo social em que foram jogados. Não tiveram melhores empregos, melhores escolas e tampouco sistemas de cotas em universidades. E não falo apenas do Pelézinho, mas dos marginais de todas as cores e credos.

Quando se fala em reservar vagas para negros nas universidades públicas, não posso deixar de pensar em meus colegas de infância. E me sinto ofendido em saber que eles podem não ter qualquer atenção especial do poder público, lançados que foram em fossos de desigualdades e agora são novamente vítimas de um brutal preconceito. A eles é dito que são piores que os negros, que agora buscam a sua “alforria educacional” e deixam para trás todos os demais injustiçados.

O problema do ensino no Brasil não se resolve com medidas arbitrárias e artificiais. Justiça social não se faz por decreto, por mais boa-vontade que se tenha. São necessárias medidas de base, de distribuição de renda, de investimentos em educação, estruturação das universidades públicas. De resto, tudo não passa de demagogia barata e eleitoreira.

Quanto aos negros, lamento que se submetam a este tipo de discriminação. Exigir ser tratado de forma diferenciada é exigir um espaço imerecido, é exaltar-se perante todos os demais excluídos e esta é a forma mais superior de preconceito.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Os ventos não trazem mais respostas

O mundo vive em eterna convulsão, como um organismo vivo e em constante mutação. A estrutura física do planeta passa por profundas e radicais modificações, como se o processo de criação fosse uma constante e a sedimentação ainda faltassem milhares de séculos para se estabilizar. Terremotos, movimentação de geleiras, assentamento de placas tectônicas e outros fenômenos mostram que a Terra é uma variável e o comportamento humano é exigido para que as pessoas possam se adaptar ao seu habitat com recursos de inteligência, adaptação e interação com o ambiente, garantindo a sobrevivência da espécie. Nesse contexto, a vida em sociedade é pautada por atitudes de sustentabilidade e constante revisão de seus atos predatórios.

Da mesma forma, as pessoas fazem o seu tempo com atitudes políticas, moldando a história de acordo com as circunstâncias e as necessidades prementes, adotando comportamentos que forjam o futuro como conseqüência das disposições do momento. As páginas da história ressaltam momentos que definiram o papel de cada sociedade, em episódios de conflitos, de enfrentamento pela busca do poder, de lutas pela liberdade. Nos tempos modernos, o ano de 1968 foi emblemático na luta pelas liberdades individuais, pela busca de identidade entre as pessoas, pela apresentação de propostas de rompimento que, da singeleza do discurso adolescente, fizeram brotar avanços consideráveis na sociedade mundial.

Na agitada Paris de 40 anos atrás, o discurso inflamado de Daniel Cohn-Bendit sintetizava a busca de um novo tempo, com frases cunhadas com criatividade e rebeldia: “Sejam realistas, exijam o impossível!" e “É proibido proibir” sintetizavam um desejo que tomou o coração dos jovens em todo o mundo, espalhando-se como mensagem positiva, direto recado ao status quo que insistia em fórmulas que tinham gerado duas guerras mundiais e um modelo desgastado de injustiças e discriminação.

No Brasil, o movimento teve características especiais, retratadas com fiel respeito pelo escritor Zuenir Ventura, que revisitou o tema recentemente. O retrato da opressão do regime militar deu novo contorno às manifestações, mas ecoou por aqui a necessidade de colocar para fora a indignação principalmente dos jovens.

Passados 40 anos, a nova geração mostra-se desagregada, sem bandeiras, sem motivação política. Desde o movimento pelas Diretas Já e o fenômeno dos caras-pintadas não se vêem jovens com justa motivação. Não há propostas de mudança, não há indignação nas ruas. O fórum de convivência é a internet e nem mesmo os escândalos recentes parecem capazes de acender qualquer chama de reivindicações, de rebeldia.

A política é a história dinâmica da sociedade. Através da participação ativa em todos os momentos é possível a transformação, a mudança do quadro atual. Fazendo mover as placas tectônicas da política, é possível prever terremotos ideológicos que possam fazer eclodir padrões de moral compatíveis. Espera-se que não seja preciso mais quatro décadas para essas transformações.

(Editorial do Correio Popular, maio 2008)

Blowin' In The Wind

How many roads must a man walk down
Before you call him a man?
Yes, 'n' how many seas must a white dove sail
Before she sleeps in the sand?
Yes, 'n' how many times must the cannon balls fly
Before they're forever banned?

The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind.

How many times must a man look up
Before he can see the sky?
Yes, 'n' how many ears must one man have
Before he can hear people cry?

Yes, 'n' how many deaths will it take till he knows
That too many people have died?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind.

How many years can a mountain exist
Before it's washed to the sea?
Yes, 'n' how many years can some people exist
Before they're allowed to be free?

Yes, 'n' how many times can a man turn his head,
Pretending he just doesn't see?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind.

(Blowin' In The Window, Bob Dylan, 1962)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Purple Haze

Purple haze all in my brain
Lately things just dont seem the same
Actin funny, but I dont know why
scuse me while I kiss the sky

Purple haze all around
Dont know if Im comin up or down
Am I happy or in misery?
What ever it is, that girl put a spell on me

Purple haze all in my eyes, uhh
Dont know if its day or night
You got me blowin, blowin my mind
Is it tomorrow, or just the end of time?

Oh, help mePurple haze, tell me, baby,
tell meI cant go on like this
Purple haze
You're makin me blow my mind...mama
Purple haze, n-no, nooo
Purple haze, no, its painful, baby

(Purple Haze, Are You Experienced?, Jimi Hendrix)

Surpresa mortal


Um soldado caminha por uma estreita alameda. Na esquina, um rosto de criança aparece, sorridente. Um aceno e desaparece. O soldado sorri, mal consegue ver o inimigo que tomou o lugar da criança, e tomba, mortalmente ferido.

Como reformar a Previdência

Não há qualquer dúvida. Todo mundo é a favor da melhor distribuição de renda e da justiça social. Desde que não tenha que abrir mão de dinheiro, vantagens e benefícios, é claro. Sempre que se fala em tirar dos ricos e dar aos pobres, todos pensam somente nos “mais ricos”, afinal, ganhamos tão pouco, não é mesmo?

Digo isto para chegar à discussão sobre a reforma da Previdência. Ou melhor, sobre os privilégios da Previdência. Todos são concordes da necessidade de se mudar o regime. Desde que não se mexa nos benefícios da casta privilegiada que é responsável pelos absurdos que fazem da seguridade social no Brasil uma piada de mau gosto. Juízes, militares, servidores públicos, atletas, todos querem que outros ganhem mais, desde que não se mudem as regras do jogo.

É tudo hipocrisia. O ser humano se organiza de forma a sempre obter vantagens na sociedade. O que se vê, em suma, é a luta primária pela sobrevivência assumindo formas um tanto quanto civilizadas, mas não menos cruéis que as utilizadas por nossos selvagens ancestrais. Damos restos de alimentos, sobras de roupas, tempo ocioso, trocados de dinheiro que não fazem diferença. Abrir mão do essencial pelo conforto dos semelhantes é o não-natural, atitudes que se confundem com o sacerdócio, por serem sobre-humanas.

Sobre este fundamento se apoiam as religiões, teorizações místicas sobre o sobrenatural. Os maiores exemplos de homens santos são aqueles que se dedicam ao próximo, com abnegação e altruísmo tão exacerbados que diferem do resto dos mortais. Somos, em essência, violentos pelo instinto da vida e egoístas pela ansiedade do futuro.

Isto não varia, das denominações cristãs aos raelianos clonadores de Ets. O bíblico Jacó explorou a fome de seu irmão, Esaú, e conseguiu a sua primogenitura em troca de um simples prato de lentilhas. O esporte é a sublimação desta necessidade de se demonstrar a superioridade individual. Não varia no dia-a-dia das pessoas, nas religiões, nos relacionamentos íntimos, nas ações comunitárias.

Por quê deveria ser diferente no direito público? Como fazer prevalecer a igualdade jurídica entre personas diferentes?

É necessário se atingir um parâmetro onde os direitos de cada cidadão possam ser respeitados e o senso comum prevaleça sobre pontos de vista individuais. Este é o desafio dos legisladores: fazer a correta leitura do status quo e dar-lhe a forma de mandamento, sem atribuir privilégios a quem quer que seja. Com respeito às diferenças para que todos possam ter direito à igualdade.

A verdade é uma só. Qualquer sistema previdenciário que tenha garantida a cobrança compulsória de todos os trabalhadores dá certo. Só o oficial é deficitário por conta de desmandos e roubo puro e simples. Não é possível que o governo faça vista grossa a tantos devedores privilegiados, e puna os assalariados com um “benefício” que sequer é opcional.

No meu entender, esta reforma profunda é necessária. Mas não vai acontecer, por tudo que argumentei acima. A política parece alimentar o estigma de que não se pode desagradar ninguém e esta omeleta não se faz sem se quebrarem muitos ovos.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Yer Blues

Yes I'm lonely wanna die
Yes I'm lonely wanna die
f I ain't dead already
Ooh girl you know the reason why.

In the morning wanna die
In the evening wanna die
If I ain't dead already
Ooh girl you know the reason why.

My mother was of the sky
My father was of the earth
But I am of the universe
And you know what it's worth

I'm lonely wanna die
If I ain't dead already
Ooh girl you know the reason why.

The eagle picks my eye
The worm he licks my bone
I feel so suicidal
Just like Dylan's Mr. Jones

Lonely wanna die
If I ain't dead already
Ooh girl you know the reason why.

Black cloud crossed my mind
Blue mist round my soul
Feel so suicidal
Even hate my rock and roll

Wanna die yeah wanna die
If I ain't dead already

(Yer Blues, The Beatles, White Album)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O que esperar de Obama

Esta semana é um marco para o século 21. Mais do que as grandes transformações políticas e sociais que podem alterar a face do mundo moderno, além do flagelo da Natureza que se faz presente, em silencioso mas trágico protesto, a nação mais rica do planeta deu novamente as cartas para a escolha do seu presidente, sob a expectativa e olhares atentos de todos. Depois de dois mandatos consecutivos e desastrosos de George W. Bush, marcados por uma obsessão bélica e pelo discurso conservador de levar ao mundo o american way of life, a sociedade aspira por novos tempos que varram do horizonte os maus presságios de um grupo que fez questão de caminhar no sentido contrário da integração, da harmonia, da convergência econômica ao sentido de uma humanidade mais solidária.

A expectativa em relação à eleição do novo presidente norte-americano se justificou pela necessidade de se fazer uma nova leitura da geopolítica internacional, atentando para questões sérias que enodoam o mundo. Por óbvio, o maior desafio está no enfrentamento da crise econômica emergida nos últimos anos Bush, fruto do autocentrismo norte-americano e que apresenta uma conta amarga a ser paga por todo o mundo. Os democratas nadaram no favoritismo por conta do destempero de se mal administrarem os créditos imobiliários, mas nem Obama nem McCain colocaram na mesa as soluções de uma crise quem ainda não mostrou a sua verdadeira face e conseqüências.

A torcida pelo desempenho de Barack Obama tomou conta das mentes mais liberais. Apresentado como a antítese do conservadorismo, com um discurso mais moderno e abrangente, um sorriso contagiante, o primeiro negro a subir as escadas da Casa Branca traz em si a emblemática visão anti-belicista, a quebra do preconceito, da revisão de valores que sempre impediram um olhar mais atento para o que esteja além das fronteiras, mais ainda em outro hemisfério. Obama é festejado como o bom moço, aquele capaz de fazer da política um fator de entendimento entre as nações.

Que não se enganem os otimistas em pensar que bons ventos irão estufar as velas do desenvolvimento nestes trópicos. Com a economia em frangalhos e um país às voltas com a humilhação de três guerras improváveis, é natural que o novo presidente tenha atenções primeiras para o seu próprio quintal, de forma a garantir o crescimento interno e a recuperação da classe média. Sendo a maior economia do mundo, Obama terá como primeira e fundamental tarefa fazer frente à crise econômica internacional.

Quanto às perspectivas latinas e brasileiras, pode-se esperar uma política interna mais protecionista, avessa ao discurso de livre comércio de tradição republicana. Embora os ares liberais do novo presidente o credenciem a um esgar de esperança, é certo que Obama será fiel aos seus compromissos com os norte-americanos antes de voltar aos seus princípios universais enumerados no calor da campanha.

(Editorial Correio Popular, 6/11)

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Já era

Era pra ser um poema de despedida,
mas cadê vontade?
Era pra ter sido uma noite sem bebida,
mas cadê coragem?
Era pra eu esquecer o teu cheiro,
mas ele é tão bom...
Era pra eu não reconhecer a tua voz,
mas eu ainda me arrepio!
Era pra eu ficar em paz,
mas você é muito atento.
Era pra eu não querer te ver nunca mais,
mas nunca mais é muito tempo.

(Já era, poema de Vivi Fernandes de Lima)

E vamos à luta

Eu acredito
É na rapaziada
Que segue em frente
E segura o rojão
Eu ponho fé
É na fé da moçada
Que não foge da fera
E enfrenta o leão

Eu vou à luta
É com essa juventude
Que não corre da raia
A troco de nada
Eu vou no bloco
Dessa mocidade
Que não tá na saudade
E constrói
A manhã desejada...

Aquele que sabe que é negro
O coro da gente
E segura a batida da vida
O ano inteiro

Aquele que sabe o sufoco
De um jogo tão duro
E apesar dos pesares
Ainda se orgulha
De ser brasileiro


Aquele que sai da batalha
Entra no botequim
Pede uma cerva gelada
E agita na mesa
Uma batucada

Aquele que manda o pagode
E sacode a poeira
Suada da luta
E faz a brincadeira
Pois o resto é besteira
E nós estamos pelaí...

(E Vamos à Luta, Gonzaguinha)

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A inspiração de mudar na nova geração

A construção de um estado democrático, por emanar da vontade popular, implica no envolvimento profundo da sociedade em todas as fases do processo, desde a conscientização de todas as gerações até a formulação de métodos que respeitem o desejo da população e alcancem o mais alto grau de representatividade. No Brasil, o descrédito da classe política fez o desserviço do desacreditamento de muitas instituições e mesmo o voto livre e direto ainda não espelha o quadro ideal de representação que se busca nas classes políticas.

Durante a realização da 18ª Cúpula Ibero-americana realizada pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), sob o tema Juventude e Desenvolvimento, foi divulgado relatório que retrata a opinião do jovem latino-americano a respeito da política. Os dados confrontam a realidade dos sistemas em países latinos e o grau de consciência dos jovens a respeito de sua realidade. A informação mais alarmante é que mais de 80% da juventude brasileira está em desacordo com a democracia, com restrições ao processo de representação em seu país. Os mesmos porcentuais podem ser verificados no Equador, Paraguai e Peru.

Uma primeira análise permite acionar o alarme em relação ao futuro político desta geração que caminha para o poder. Ao questionar a democracia como sistema político, os jovens podem estar expressando um alto grau de insatisfação com seus políticos e com os resultados apresentados no atacado. Não surpreende que, dos manifestadamente insatisfeitos, 42% estariam dispostos a tolerar um regime autoritário como alternativa ao desencanto com o regime democrático, reflexo de uma falta de perspectiva quanto às mudanças em curto prazo no sentido da moralização da ação pública.

O mesmo relatório mostra outro lado da consciência dos jovens, contrariando a expectativa de que a nova geração estaria distante da militância política. O fato positivo é que 88% participam ativamente dos processos eleitorais e procuram formas alternativas de ativismo político, envolvendo-se em fóruns sociais, organizações não-governamentais, trabalhos voluntários, iniciativas comunitárias, com especial atenção no foco ambientalista, social e educativo. Este dado revela que, ao contrário do que se pode supor, o jovem latino-americano é envolvido com o seu tempo, é bastante ativo e tem mesmo um conceito de democracia diferente da sua realidade.

De certa forma, o relatório chama a atenção para a nova geração política que está se formando, plena de consciência e disposição de lutar pelos seus ideais. A maneira de ver a ação política difere, felizmente, do quadro que atualmente existe e que a sociedade tem condenado implacavelmente diante de denúncias de corrupção e incompetência. Que seja acionada a rede de influências, com esta nova geração promovendo a esperada e necessária renovação.

(Editorial Correio Popular, 3/11)

domingo, 2 de novembro de 2008

Aos nossos filhos

Perdoem a cara amarrada
Perdoem a falta de abraço
Perdoem a falta de espaço
Os dias eram assim

Perdoem por tantos perigos
Perdoem a falta de abrigo
Perdoem a falta de amigos
Os dias eram assim

Perdoem a falta de folhas
Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha
Os dias eram assim

E quando passarem a limpo
E quando cortarem os laços
E quando soltarem os cintos
Façam a festa por mim

Quando lavarem a mágoa
Quando lavarem a alma
Quando lavarem a água
Lavem os olhos por mim

Quando brotarem as flores
Quando crescerem as matas
Quando colherem os frutos
Digam o gosto pra mim


(Aos nossos filhos, Ivan Lins e Vitor Martins)

sábado, 1 de novembro de 2008

Estudantes inadimplentes

A criação de um cadastro nacional de estudantes inadimplentes nas escolas particulares trouxe à discussão um aspecto sensível da organização social, expondo uma dura realidade que se apresenta como um impasse: segundo dados oficiais, cerca de 20% dos estudantes que se matriculam nas escolas particulares não têm condições de honrar os pagamentos contratados, criando uma legião de devedores que esgrima em acordos, renegociações e pedidos de descontos para conseguir se manter no rol de privilegiados que podem dispor de uma educação formal e acadêmica de mais qualidade.

O problema ganha dimensão por se tratar de uma questão crucial na vida das pessoas, que sempre têm a preocupação de buscar a melhor formação possível para viver uma sociedade altamente competitiva e que os melhores lugares são ocupados a partir de um alto padrão de exigência. O maior questionamento em relação à criação do cadastro de inadimplentes nas escolas recai somente sobre o caráter fundamental da educação, que desta forma estaria nivelada a qualquer outro produto de consumo.

Quando se considera o alto nível de inadimplência, que pode chegar a perto de 40% no caso do ensino superior, é necessário colocar no devido padrão os contratos de prestação de serviços entre as instituições de ensino e seus alunos. É possível inferir que boa parte dos devedores são vítimas da própria falta de planejamento e perspectiva, aventurando-se na tentativa de conseguir matricular um dependente e depois percebem a dura realidade de não ter recursos para honrar o contrato. Aí recai o ônus para a escola contratada, obrigada a administrar uma carteira de recebimentos em baixa.

Argumentar que as pessoas têm o direito de uma educação de nível não justifica o protesto contra o cadastro. Até porque seriam beneficiados justamente os maus pagadores, em flagrante injustiça a todos os demais alijados que são forçados a buscar nas escolas públicas o padrão ideal de ensino, conscientes da estreiteza de suas opções. Quando falha o sistema educacional brasileiro, com raras exceções que são disputadas, é natural que as pessoas se voltem para alternativas que sabidamente vão provocar sérias restrições ao orçamento familiar, algumas vezes até mesmo contando com a facilidade de renegociação ao longo da carreira estudantil.

O enfrentamento do problema se dá em outro nível. A responsabilidade de oferecer uma educação de alto nível é obrigação constitucional do Estado, que não deve repassar o impasse às instituições particulares, que também são regidas por normas e legislação pertinentes. Em vez de repassar para a iniciativa privada o ônus de oferecer cursos de qualidade, o governo deveria retomar os investimentos no setor, oferecer mais cursos gratuitos de nível universitário noturno e reforçar os programas de concessão de crédito educativo, como a Bolsa Aplub e o Programa de Financiamento Estudantil (Fies), que ainda estão longe de reavaliar a situação de penúria da Educação no Brasil.

(Editorial Correio Popular, 1/11)