segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Um tempo sabático


Preciso descansar. Muitas coisas a pensar, uma vida para resolver, projetos para terminar, sonhos para realizar, compromissos para saldar.

A experiência de escrever um blog é intessante, mas desgastante, gratificante unicamente na medida da satisfação pessoal.

Pela segunda vez, dou um tempo nas postagens. Dou satisfação aos poucos leitores que me acompanham, para que não percam seu tempo em busca ansiosa de novidades.

Pretendo investir um curto tempo na leitura e na música, somando antes de dividir.

Não digo que não volto à tarefa. Talvez em novo formato, novos temas. Em novos tempos, em que as pessoas não limitem seus pensamentos a 140 toques.

Obrigado.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Zilda Arns, uma heroína brasileira


O Brasil é um país de poucos heróis sem chuteiras e, mesmo os grandes personagens dos episódios mais marcantes da história tiveram suas vidas transformadas ao sabor dos interesses oportunistas. Poucos brasileiros realmente conhecem com profundidade as ideias daqueles que foram os verdadeiros responsáveis pela construção de nossa identidade como nação, os que pavimentaram os caminhos democráticos trilhados pelas atuais gerações, os que sacrificaram as próprias vidas pelos outros.
Uma das maiores personalidades brasileiras de todos os tempos, a doutora Zilda Arns Neumann era uma dessas desconhecidas de muita gente, com uma história exemplar que a coloca no panteão de verdadeira heroína, pela alta abrangência, pela suprema importância e simplicidade de um trabalho desenvolvido ao longo de 40 anos. Fundadora e esteio da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), foi incansável na luta contra a fome, a miséria, o abandono das crianças, dedicando todo o seu tempo a um programa exemplar.
Zilda Arns era o tipo de pessoa que fazia acontecer. Agia com determinação, estava sempre focada em seus objetivos, tinha um coração benemérito por natureza. Superava os obstáculos com firmeza e, na obviedade das soluções, conseguia resultados extraordinários onde outros se debatiam em burocracia e discursos improváveis. A criação nos anos 80 de uma rede de propagação de conceitos elementares de educação alimentar e saúde ostenta números impressionantes.
Sua formação médica e religiosa levou ao desenvolvimento de um programa que espalhou-se por todo o mundo como exemplo de combate efetivo e de baixo custo contra a fome. Seu discurso direto, prático e funcional se espalhou por 20 países. No Brasil, a sua rede de solidariedade é formada por 260 mil voluntários, acompanhando 1,9 milhão de gestantes e crianças menores de seis anos, além, de 1,4 milhão de famílias na faixa de extrema pobreza, em mais de 4 mil municípios. A dimensão do seu trabalho lhe valeu vários prêmios de reconhecimento internacional, além de três indicações para o Nobel da Paz.
Seu propósito foi alcançado justamente porque Zilda Arns não tinha a bandeira política em seu trabalho. Crítica dos programas assistencialistas do governo Lula, lamentava que o Fome Zero e seu sucessor, o Bolsa Família, não tinham a devida preocupação com os efeitos complementares do combate à miséria, como alterações na estrutura social, educação e qualificação profissional. Algo como ensinar a pescar...
Zilda Arns estava no Haiti justamente para mobilizar a base religiosa do país para desenvolver projeto com base em sua experiência bem sucedida. O mundo perdeu uma de suas heroínas, alguém que deixa um legado inestimável de fé, perseverança e confiança nas pessoas, a quem ela amou profundamente, a ponto de não ter passado por esta vida em vão.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Quem tem medo da verdade?


Reproduzo abaixo parte do texto de Rodrigo Viana, publicado no blog Conversa de Botequim, do meu amigo Bruno Ribeiro. Ao final do texto, um link para o texto integral. Uma discussão que merece todos os pontos de vista. Concordo com 90% dos argumentos abaixo.

Numa atitude cafajeste, alguns setores da sociedade brasileira apresentam a “proposta” de – ao se instituir uma Comissão de Verdade sobre a ditadura – investigar-se “os dois lados”.
Não faz o menor sentido.
É como se, ao fim do nazismo, alguém propusesse: “Ok, vamos investigar os carrascos, mas é preciso levar ao banco dos réus também os judeus que resistiram ao legítimo regime nazista”.
Estou a exagerar? Não creio.
Os militantes de esquerda já foram punidos: alguns julgados, muitos presos e torturados, vários executados, encarcerados.
Falar em “investigar os dois lados” é torturar de novo os que sobreviveram, é torturar a memória dos que se foram.
Isso é cafajestagem. Não há outro nome.
É preciso investigar os que seguem impunes. Assassinos e torturadores.
A Justiça poderá puni-los? Talvez. Mas o principal é estabelecer a verdade. O resto é consequência.
Respeito aqueles que – como o professor Paulo Brossard, por exemplo – manifestam sua opinião contra a revisão da “Lei de Anistia”. Ex-ministro, humanista, Brossard não apela para a cafajestagem. Ele acha que a lei é fato consumado e que impede punição aos que atuaram na ditadura.
Humildemente, eu que não sou jurista, mas já entrevistei muita gente sobre esse assunto, gostaria de lembrar: a “Lei de Anistia” não precisa ser abolida para que a Comissão de Verdade se estabeleça.
A Comissão não vai punir ninguém. Vai, simplesmente, fazer um relatório oficial – conduzido por representantes da sociedade, mas com aval do Estado brasileiro – sobre as atrocidades cometidas por agentes do Estado durante a ditadura. A Comissão vai dizer: “fulano foi preso em tal circunstância, foi preso em tal instalação militar, torturado sob as ordens do comandante tal e qual, desapareceu no dia tal, sabe-se que o corpo foi levado para tal vala comum etc.”
É uma satisfação às famílias. É um acerto de contas com a memória do país. Na Argentina, no Chile (e também na África do Sul, ao fim do Apartheid) comissões desse tipo se estabeleceram.
No Brasil, o Estado omitiu-se. Coube a Dom Paulo Evaristo Arns (então arcebispo de São Paulo, até hoje detestado por parte da elite brasileira, por ter-se posicionado contras as violações e abusos) comandar a investigação que resultou no relatório “Brasil, Nunca Mais”.
Não foi o Estado que fez a investigação. Mas um grupo da sociedade civil. Sem acesso a arquivos, com todas as limitações que se possa imaginar. O Estado brasileiro precisa prestar contas do que se passou.
As Forças Armadas, inclusive, não merecem carregar esse fardo do passado. Sem dar nomes, sem um acerto de contas, o passado vai voltar a assombrar o Brasil e os militares (e a imensa maioria deles não tem responsabilidade pelos atos cometidos durante a ditadura).
A Comissão é necessária, é justa, está baseada em boas experiências internacionais. Não há nada de “revanchismo” nisso. Revanchismo seria pegar os torturadores e pendurá-los no pau-de-arara, ou arrancar-lhes as unhas e dentes. Não é isso que se propõe. Mas um acerto de contas civilizado.
Pode-se entender, ao fim de tudo, que não se poderá punir ninguém. Essa é outra discussão, que se dá no STF.
A OAB entrou com uma ação, pedindo que o Supremo decida: torturador pode ou não ser punido? A Lei de Anistia protege os torturadores?
Há quem entenda que não. O argumento é o seguinte: tortura é crime contra a Humanidade, imprescritível, e o Brasil assinou tratados internacionais nesse sentido; portanto, Lei nenhuma pode valer mais do que tratados internacionais. O STF vai decidir.
Enquanto o STF não decide, algumas famílias usam uma estratégia inteligente. A família Teles, por exemplo, entrou com uma ação declaratória, na Justiça, pedindo que o coronel Brilhante Ustra fosse declarado responsável por torturas quando comandou DOI-CODI em São Paulo. O juiz, em primeira instância, deu ganho à família.
Vejam: é uma ação cível. Não se trata (por hora) de punir Ustra (até porque ele poderia trancar a ação usando justamente a “Lei de Anistia”).
Imaginemos que o STF entenda que torturador não pode ser punido penalmente. Seria lamentável. Mas teríamos que respeitar.
Ainda assim, a Comissão de Verdade poderia concluir seu trabalho. E, ao final, dezenas de “ações declaratórias” (como a ajuizada pela família Teles) poderiam ser abertas, com base no relatório da comissão.
As famílias têm sido ignoradas pela grande imprensa no Brasil. Os jornais estão ocupados em fustigar o presidente Lula – acusando o governo de “revanchismo” nesse episódio.

(Rodrigo Vianna)

Leia mais em http://cosmo.uol.com.br/blog/blog.php?blog_id=12

Os erros de uma crise sem necessidade

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou a sua atuação neste ano eleitoral com um enorme problema gestado dentro de seu próprio corpo político. O Programa Nacional de Direitos Humanos instalou uma crise política sem precedentes em seu governo, que até então vinha flanando em céu de brigadeiro, apesar de todas as denúncias de corrupção, escândalos e problemas éticos que sequer respingaram em sua credibilidade e aceitação que se mantém acima dos 70%. A impropriedade das propostas escancararam uma reprimida intenção de promover profundas reformas de caráter institucional, atropelando o saudável debate democrático e tentando impor reformas de forma totalitária.

O Programa foi articulado pelo secretário Nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannucchi, que assimilou com perfeição todo o ranço de um grupo instalado no poder, ansioso em impor pontos de vista e reformas que ferem o consenso nacional. As manifestações de protesto vieram de todos os lados. A Igreja Católica subiu o púlpito para censurar a tentativa de legalização do aborto; os militares inssurgiram-se contra a tentativa revanchista de revogar a Lei da Anistia e promover a caça às bruxas do período da ditadura, excluindo os criminosos de esquerda; a imprensa e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) levantaram a questão de ordem da censura e controle da informação. A reversão da ordem ficou patente em questões que levam insegurança jurídica a setores essenciais, como o agronegócio, colocado com todas as letras como origem de todos os males e da exploração no campo.

O polêmico programa coloca como pedra de arrimo a todas as questões o assembleismo presente em todas as gestões petistas mais retrógradas. Com o pretexto de ouvir grupos representantes da sociedade, articula reuniões onde são tiradas as falsas conclusões endossadas por grupos sectários, assumidas como reivindicações da comunidade. Um vício de conceito que espelha o que foi a farsa do Orçamento Participativo, instrumento político para legitimar favorecimentos sectários e endossar o que seria a competência natural dos administradores. Assim nasceu o Programa Nacional dos Direitos Humanos, que em muitos aspectos não reflete o pensamento da sociedade.

Lula goza de prestígio inconteste e, aparentemente, inabalável. Sua proeminência é fundamentada na fábula construída de um operário que chega ao poder, cheio de boas intenções e programas sociais inéditos. Em verdade, ele navega nas águas calmas de uma herança bendita que lhe assegura uma confortável estabilidade econômica, uma base estacada para o desenvolvimento e uma política que levou o Brasil à sua vocação de um país do presente. Usar esse prestígio para inverter a ordem institucional é um risco e uma ameaça. É jogar o país em uma crise absolutamente inoportuna e sem necessidade.

Esperto, Lula trata de inverter o jogo, tirando a responsabilidade de suas costas e de sua candidata Dilma Rousseff. Ele prefere alegar que não leu o projeto assinado a vergar sob acusações de totalitarismo.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Eu não sei de nada...

Eu não vim até aqui te divertir
Se me divirto, de algo já valeu
Não vim dançar, sorrir, te tratar bem
Lutar por algo que já não é meu

Eu sei do tempo, conheço seus danos
No que eu fui, no que eu não pude ser
Nos meus acertos e nos desenganos
Do que eu sei, nada serve pra você

E eu só quero dizer
Que eu não sei nada de você
E eu só quero dizer
Não sei muito de mim também

Os dedos que apontam rumos
Senhores, juízes do valor
Não são os meus, eu já não julgo
Não estou na sua pele, sua dor

Eu sei do tempo, conheço seus danos
No que eu fui, no que eu não pude ser
Nos meus acertos e nos desenganos
Do que eu sei, nada serve pra você

E eu só quero dizer
Que eu não sei nada de você
E eu só quero dizer
Não sei muito de mim também


(Eu Não Sei Nada, Herbert Vianna)

domingo, 10 de janeiro de 2010

sábado, 9 de janeiro de 2010

A justiça tarda e falta


A aplicação da justiça é uma questão extremamente delicada que assume contornos muito diferentes em cada sociedade, que elabora os instrumentos de defesa dos cidadãos e de aplicação de penas e sanções a quem desrespeita a lei. O aparato judiciário é construído para oferecer os meios de ampla defesa a qualquer pessoa, permitindo que a aplicação da lei seja severa, justa, equilibrada e eficaz.

No Brasil, o sistema legal é particularmente complicado. O emaranhado legal exige um esforço de interpretação, não sendo poucas as intenções de uma revisão que permita a retirada do verdadeiro entulho de leis e normas. A própria Constituição de 88 acabou transformada em uma colcha de retalhos de assuntos impertinentes, extensa, abusiva, sendo que a maior parte de seu conteúdo sequer foi regulamentado até os dias de hoje. Especialistas são unânimes em que essência do direito público poderia ser resumida em tópicos mais objetivos, concretos e liminares.

O poder Judiciário tem hoje uma estrutura que é comprometida pela lentidão processual, pelo acúmulo de decisões, pelo percurso interminável das instâncias de recursos, tornando a aplicação do direito lenta, pouco eficiente, segregacionista, distante e inacessível para muitos brasileiros. Vários exemplos contribuem para que se tenha a sensação de ineficácia do poder Juduciário. Os casos de corrupção no meio político, que se enfeixam incessantemente, ano após ano, parecem esbarrar em paredões de recursos, de tramitações, gerando um grau de impunidade inaceitável. Os envolvidos no caso do mensalão há quatro anos sem que ninguém apareça punido pelo desvio de recursos públicos. O escândalo rendeu alguns afastamentos, renúncias convenientes, mas a Justiça ainda removeu o manto de impunidade sobre os denunciados. Há processos históricos envolvendo políticos, que percorrem há décadas os escaninhos do Judiciário sem uma solução.

As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal jogam mais desconsolo aos observadores. Sob a luz de holofotes, os ministros têm se esmerado em envolver-se figadalmente em casos polêmicos, não raro exarando decisões polêmicas. A concessão de habeas corpus a pessoas influentes, a liberação de banqueiros, a proteção a jornalista proeminente, a atenção a traficantes fazem ver ao cidadão comum que a justiça pode ser rápida, eficaz e conveniente quando acionada por advogados competentes, influentes e profundos conhecedores dos meandros do emaranhado legal.

Além da exagerada exposição dos magistrados, não há muito que discutir sobre méritos e legalidade na aplicação da justiça. Apenas, lamenta-se que o sistema seja tímido para estender os benefícios possíveis a todos os cidadãos, independente de classe social, formação cultural, gênero humano, raça ou acesso a representantes legais que possam garantir igualdade de tratamento.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A farra das passagens, de novo

O ano que passou ficou marcado na história brasileira como um período típico, recheado de escândalos quando não se poderia imaginar mais possibilidades de ver políticos chafurdando na lama da corrupção e do descaso com o interesse público. A capacidade dos homens públicos reinventarem os meios de desviar verbas e tirarem proveito dos cargos é inesgotável e a cada dia se descobrem maior envolvimento dos políticos em casos que vêm à tona na medida dos interesses dos denunciantes.

Quando se esperava que a avalanche do mensalão petista pudesse levantar a indignação popular e refrear a sanha dos predadores do erário, percebe-se que a corrupção é mal entranhado, profundamente arraigado na vida pública, difícil de ser extirpado a não ser por um longo processo de depuração democrática e pelo acionamento das forças institucionais para barrar os abusos que hoje são perpetrados impunemente, para desespero dos legalistas. Por todos os lados e em todos os matizes partidários podem ser apurados casos de desvio de conduta, corrupção, uso irregular de verbas públicas, impune e arrogantemente perpetrados pelos políticos.

O episódio das denúncias contra o presidente do Senado federal José Sarney escancarou um mundo de sujeira e falta de ética que transformou os corredores de Brasília em pocilgas. Os benefícios auferidos pelo ex-presidente, familiares e apaniguados excedem o razoável, mostram o quanto os parlamentares e governantes brasileiros são ávidos por se autoconcederem vantagens de todo tipo, como se vivessem em universo paralelo onde estão acima das questões de consciência, dos limites da ética e da seriedade.

Entre os escândalos protagonizados no Congresso Nacional, a farra das passagens aéreas mostrou de maneira clara e evidente o quanto os desvios de verba acabam sendo incorporados na rotina brasiliense, sem que muitos parlamentares sequer se dêem conta da gravidade de seus atos. O uso do benefício de representação está totalmente desvirtuado, servindo para favores pessoais, eleitoreiros e como cortesia com o chapéu alheio. Depois da exposição negativa na mídia, a Mesa Diretora do Senado baixou norma restringindo o uso das passagens de um exercício para outro, dando um caráter de transparência ao direito que os senadores tinham de cinco viagens por mês.

Baixada a poeira do escândalo, na meia-luz do encerramento do ano, o presidente Sarney assinou nova medida que ressuscita a prática de usar a milhagem aérea por tempo indeterminado. A intenção se justifica em ano eleitoral, quando 54 das 81 cadeiras do Senado serão renovadas e os interessados em reeleição terão esse recurso extraordinário para fazer campanhas em seus estados de origem. A alegação no texto do ato administrativo de que os senadores ainda não se acostumaram com as novas regras é pueril. Vergonhoso é os senadores estarem acostumados com o que não é ético, moral e legal.

Sabiá

Vou voltar!
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir
Cantar uma sabiá...

Vou voltar!
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira que já não há
Colher a flor que já não dá
E algum amor
Talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia...

Vou voltar!
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer...

(Sabiá, Antonio Carlos Jobim / Chico Buarque)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Uma reforma trava-línguas


A língua é um dos maiores patrimônios de uma nação, que assim formaliza sua identidade cultural, formal e histórica. É através da linguagem que se perpetuam os valores, os legados de cada geração, a produção intelectual, as formas de comunicação que se alteram ao longo dos anos. A língua é viva, dinâmica e moldada ao sabor das transformações sociais e das peculiaridades de cada tempo.

O português é hoje falado por mais de 210 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo a segunda língua românica do mundo, a terceira europeia, a mais falada no planeta, a sexta com maior número de locutores e a quinta com maior número de países que a têm como língua oficial. Essa extrema difusão da língua é decorrente do processo de colonização dos portugueses que, através dos descobrimentos e de suas colônias, espalharam sua cultura nos cinco continentes. Em termos modernos, a revolução das comunicações via internet atesta a importância do universo da língua portuguesa: o português é a quarta língua mais usada na Internet e a segunda na "blogosfera".

Esse grau de importância nem sempre é reconhecido pelos próprios brasileiros, que têm enraizada a falta de conhecimento do próprio idioma e são reféns de um sistema educacional que não oferece as ferramentas ideais para que toda a riqueza de expressão seja utilizada em sua profundidade e beleza. Nos bancos das escolas, o ensino da língua é penoso e a falta de leitura e hábito de escrever corretamente agravam as dificuldades que vão sendo expostas ao longo da vida pessoal e profissional.

Quando um grupo de linguistas, filólogos e intelectuais se propõe a fazer uma reforma ortográfica, começam a ser enumeradas as justificativas e as oposições às mudanças, que deveriam servir para estreitar laços culturais, construir facilidades de comunicação e refletir a realidade da língua adotada em oito países. Proposto em 1990, o acordo de unificação ortográfica não agradou a nenhuma parte. De início, os portugueses ressentiram-se da excessiva predominância da língua falada no Brasil, o que levou a impasses que postergaram a adoção do acordo, que agora completa o primeiro ano de implantação oficial em nosso país.

Criticado por especialistas, o acordo baixou no cotidiano dos brasileiros como uma regra imposta, plena de absurdos conceituais que não resistem à mínima argumentação, criando entraves aos mais ciosos com a correção gramatical. Mesmo acima das questões puramente técnicas, a reforma introduziu dúvidas em questões de interpretação, discordância em aspectos sérios de comunicação, longe de ser um instrumento respeitado e considerado oportuno.

As dificuldades iniciais certamente serão superadas, os impasses superados e a maioria das pessoas continuará escrevendo sem muito rigor ortográfico. E a reforma, como toda lei que vem imposta de cima para baixo, com toda a carga do preciosismo técnico, se mostrará inconvenientemente falha.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Popularidade que resiste à realidade

O Brasil vive um momento excepcional em sua história. Depois de muitos anos de derrapar nas vias do desenvolvimento, sempre esperando pelo crescimento do bolo para promover a sua divisão, o país agora navega em águas tranquilas, firmemente estacado em um projeto que começou com a estabilização da economia, vencida a terrível inflação que oprimia especialmente as classes assalariadas. O drama vivido pelos brasileiros nos períodos que antecederam a implantação do Plano Real parece hoje uma ficção impossível, realizável apenas na memória daqueles que viveram aqueles tempos.

Emergindo de uma crise que abalou as finanças globalizadas, o Brasil tornou-se a bola da vez, por demonstrar uma incomum vitalidade para recuperação e inserção no mundo moderno entre as nações mais credenciadas a ocupar espaços entre as mais poderosas. Uma conjunção de fatores colocou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na crista, auferindo um reconhecimento inusual. Com alto índice de popularidade interna e com o Brasil começando a fazer diferença no equilíbrio internacional, Lula colheu no ano que passou muitos frutos, até aqueles que não podem ser atribuídos diretamente ao seu governo.

Várias publicações internacional têm o hábito de ranquear personalidades que se destacaram em período específicos. Assim foi com o Le Monde francês, o espanhol El País e o inglês Financial Times, que conferiram ao presidente brasileiro um grau de destaque. É verdade que o ranking inglês elegeu Lula e Osama Bin Laden lado a lado como personalidades da década, o que coloca uma perspectiva menos ufanista e que exige uma correta interpretação dos critérios da mídia. Ali também estão Muhamad Ahmadinejad, o ex-presidente Bush, Vladimir Putin e o magnata russo Kordokovsky, hoje na prisão, companhias pouco lisonjeiras.

Lula é um fenômeno improvável. Mesmo mentindo, fazendo de conta que não sabe de nada, tergiversando sobre assuntos mais delicados, habilmente mascarando suas verdadeiras posições pessoais e políticas, consegue ser apontado como o brasileiro mais confiável, segundo pesquisa do Datafolha divulgada no primeiro dia do ano. O público que o reconhece é predominentemente de baixa escolaridade e mais pobre, justamente o mais próximo dos benefícios do Bolsa Família e dos programas assistenciais que se multiplicaram no seu governo. É também verdade que a pesquisa aponta o jornalista William Bonner e o padre Marcelo Rossi na sequência das personalidades confiáveis no País.

O que se deve inferir de todos esses indicadores é que a popularidade também tem um quociente de celebridade e seu culto na sociedade moderna, onde as avaliações de valor verdadeiro nem sempre estão presentes. É inegável que Lula goza de um carisma e um alto poder de manter-se em evidência. Será necessário o decorrer da história para se medir confiavelmente até que ponto a celebridade contribui para a construção de um mundo melhor para todos.

(Correio Popular, 02/1/10)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Dust in the wind


I close my eyes
Only for a moment,
And the moment's gone.
All my dreams,
Pass before my eyes, a curiousity.
Dust in the wind,
All they are is dust in the wind.

Same old song,
Just a drop of water in an endless sea.
All we do
Crumbles to the ground,
Though we refuse to see.
Dust in the wind,
All we are is dust in the wind.

Now, don't hang on,
Nothing lasts forever
But the earth and sky.

It slips away,
And all your money
Won't another minute buy.
Dust in the wind,
All we are is dust in the wind.
Dust in the wind,
All we are is dust in the wind.


Dust in the Wind, composição: Steve Walsh, Kansas)

Poeira no Vento

Eu fecho meus olhos
apenas por um momento
e o momento se foi
todos os meus sonhos
curiosamente passam diante dos meus olhos
poeira no vento
tudo o que nós somos é poeira no vento

A mesma velha música
apenas uma gota d'água
em um mar infinito
tudo o que fazemos
cai em pedaços
embora nós nos recusemos a enxergar
poeira no vento
tudo o que somos é poeira no vento

Agora, não desperdice (um minuto)
nada dura para sempre
apenas a Terra e o Céu
ele (o minuto) foge
E todo o seu dinheiro
não comprará outro minuto

Poeira no vento
tudo o que somos é poeira no vento
poeira no vento
tudo isso é poeira no vento

Mudar para deixar como está

O Brasil vem experimentando uma rica passagem em sua história, ao construir um modelo de democracia decorrente dos longos períodos de exceção que marcaram sua trajetória como nação, com raros e fugazes momentos de exercício do poder realmente emanado do povo. Depois da ressaca do poder militar iniciado em 1964, uma sucessão de eventos mostra que os brasileiros ainda tateiam na busca de uma renovação, um novo padrão de política. O resultado, ainda que na legitimidade do processo, é o continuísmo de práticas absolutistas, corporativistas, com um nível suspeito de representação e a falta de ética incorporada de tal forma que prejudica o próprio trabalho de renovação.

A sucessão de escândalos, escancarando a corrupção no País de uma forma absolutamente clara, colocou os eleitores em estado de alerta, passando a exigir das instituições um modelo de ação prática e incisiva, que não deixe brechas sobre a capacidade de autofiscalização e regulamentação das instituições. O povo não suporta mais ver triunfar os corruptos, que seguem em sua empáfia e impune arrogância.

Ao se afinarem os discursos da campanha eleitoral do próximo ano, aos poucos vão se apresentando as respostas que os eleitores querem ouvir, montando o espetáculo das campanhas preparadas por diligentes marqueteiros, que criam os candidatos ideais no imaginário popular. Antecipando o que certamente será uma tendência básica, o presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) lançam a proposta de um ataque frontal às raízes da corrupção e de um sistema político distorcido.

Em uma das propostas, Lula enviou ao Congresso um projeto de lei tornando hediondos os crimes de corrupção ativa e passiva, peculato e concussão – três faces da mesma moeda. Uma atitude interessante, pois joga sobre os políticos um pesado ônus para os crimes de colarinho branco, ainda que o problema maior no Brasil não seja a criação de novas leis, mas a correta e ágil aplicação das existentes, sem compadrio e protecionismos.

Outra proposta gestada no seio do PT é a realização de um plebiscito nacional para a convocação de uma Constituinte exclusiva, incumbida de promover a reforma política. Aí se evidencia o caráter eleitoreiro dos petistas, que pretendem lançar a ideia na convenção que confirmará o nome de Dilma Rousseff como candidata oficial do partido. A intenção maior é resgatar o conceito de que o PT é um partido alinhado com a ética e a sobriedade, aproveitando-se da ingenuidade de um povo com lapsos de memória política.

Para quem espera uma resposta prática e objetiva, o discurso é decepcionante. Não se pode apostar as fichas em um projeto de lei que aumente o controle sobre a corrupção sendo votado no Congresso Nacional, o centro emanador de todo o debate. E a falta de objetividade na pauta de uma Constituinte pode transformar a proposta em apenas mais um balão de ensaio a ser aquecido por alguns meses e colocado de lado ao fim do segundo turno eleitoral.