quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Ano Novo

O rei chegou
E já mandou tocar os sinos
Na cidade inteira
É pra cantar os hinos
Hastear bandeiras
E eu que sou menino
Muito obediente
Estava indiferente
Logo me comovo
Pra ficar contente
Porque é Ano Novo

Há muito tempo
Que essa minha gente
Vai vivendo a muque
É o mesmo batente
É o mesmo batuque
Já ficou descrente
É sempre o mesmo truque
E que já viu de pé
O mesmo velho ovo
Hoje fica contente
Porque é Ano Novo

A minha nega me pediu um vestido
Novo e colorido
Pra comemorar
Eu disse:
Finja que não está descalça
Dance alguma valsa
Quero ser seu par
E ao meu amigo que não vê mais graça
Todo ano que passa
Só lhe faz chorar
Eu disse:
Homem, tenha seu orgulho
Não faça barulho
O rei não vai gostar

E quem for cego veja de repente
Todo o azul da vida
Quem estiver doente
Saia na corrida
Quem tiver presente
Traga o mais vistoso
Quem tiver juízo
Fique bem ditoso
Quem tiver sorriso
Fique lá na frente
Pois vendo valente
E tão leal seu povo
O rei fica contente
Porque é Ano Novo


(Ano Novo, Chico Buarque de Holanda)

Página virada para novas oportunidades


O ano de 2008 vai cerrando as cortinas sob um intenso noticiário que sacode as estruturas de todo o mundo, prenunciando um período de grandes transformações que farão das próximas décadas um marco histórico, um divisor de águas que representa uma radical mudança de rumos da humanidade. Os novos tempos não serão mais os que se podiam prever na virada do século, com interessantes perspectivas que abrirão uma época diferenciada, campo pródigo para oportunidades e empreendedores.

As expectativas do início do século estavam fortemente calcadas na versão neoliberal da economia, num mundo em convulsão com as transformações sociais do final do século 20. Os ataques de 11 de setembro de 2001 fizeram a sociedade parar para um momento de reflexão, de reavaliação de seus valores e da geografia mundial. Foi dada a munição para a era Bush, que derrubaria as intenções de quebra de fronteiras, de maior ajuda humanitária, da distribuição de riquezas e oportunidades. O mundo mergulharia num período de caça ao terror e de pânico histriônico que por alguns anos justificariam o clima de tensão instalado.

A caminho do fim da primeira década, o mundo é sacudido novamente com uma verdadeira bomba sobre o sistema financeiro. A crise econômica que deflagrou o maior período de tensão mundial das últimas décadas apenas mostrou sua face, estando ainda para serem avaliados os seus efeitos a longo prazo. A única certeza é que toda a preocupação sinaliza para uma reviravolta em conceitos da economia globalizada, onde se perderam ativos supervalorizados, obrigando a um retorno ao mundo real, de ganhos produtivos e redução do caráter especulativo dos grandes investidores. A lição foi clara e ditada em bom som, para que o castelo de cartas erguido em meio ao cassino de especulações não voltasse a se erguer, deixando ao largo da história nomes consagrados do capitalismo como Bernard Madoff, ex-presidente da Nasdaq e golpista de US$ 50 bilhões, e os grande conglomerados que viram seus cofres esvaziados na noite para o dia.

O ano de 2008 poderá ser analisado no futuro como a virada histórica no sentido de uma civilização reconstruída em seus valores maiores. Os ganhos irreais e astronômicos voltam ao patamar da realidade. Os ânimos acirrados no Oriente Médio, que explodiram no conflito de Israel e palestinos, e os grandes vácuos humanitários que existem no Terceiro Mundo, retratados no imenso continente africano, são os primeiros desafios para esta nova era. É urgente que as novas políticas tenham o ser humano como prioridade, a harmonia entre os povos como objetivo maior, a justiça social como meta. Não é mais possível imaginar um mundo de poderosos e espertos se locupletando acima da fome e da miséria, da opressão ideológica e política, do preconceito e descriminação, criando armadilhas para os próprios pés.
O próximo ano pode ser o começo de um novo tempo, de valorização do trabalho, do bom senso nas relações, do respeito ao próximo. É o mínimo que se pode esperar e desejar a todos. Feliz Ano Novo!


(Editorial Correio Popular, 31/12)

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A segurança que não se vê

O combate à violência é um processo contínuo de ações preventivas, de atendimento às necessidades da população, de investigação de crimes, da implantação de serviços de inteligência e grupos policiais altamente especializados, sem o que não será possível reduzir os nefastos indicadores a níveis que sejam minimamente compatíveis com a realidade. O crime tende a se estruturar, de forma que aos poucos vai estendendo seus tentáculos de influência onde o aparato de segurança pública é falho e omisso. Em verdade, a realidade mostra que o crime não é organizado, a polícia é que não consegue se impor.

A Secretaria de Estado de Segurança Pública de São Paulo divulgou balanço dos índices relacionados a crimes, mostrando que Campinas registrou pelo terceiro ano consecutivo uma redução no número de homicídios, furtos e roubos. Conforme reportagem mostrada na edição de domingo do Correio Popular, os números mostram redução de 28,3% nos casos de roubo de veículos e de 7% nos furtos a veículos nos primeiros nove meses do ano comparados ao ano anterior. Os homicídios tiveram importante redução de 15% no mesmo período.

Os dados aparentam uma grande melhoria nas condições de segurança, mas devem ser analisados com cuidado. Embora haja motivo para se mostrar otimistas com os resultados, há que se considerar que a visão sobre segurança deve ser menos focada na cidade e na região. Ao tempo em que se noticia a redução de roubo e furto de veículos em Campinas, pode-se noticiar o crescimento da modalidade de crime nas cidades vizinhas, para onde se deslocam as quadrilhas a cada reforço policial concentrado na sede da Região Metropolitana. Há ainda a preocupação com a exclusão de crimes como seqüestro, latrocínio e tráfico de drogas do levantamento apresentado, ainda mais quando se sabe que neste ano já houve mais casos de roubo seguido de morte que no ano passado.

A sociedade brasileira vive tempos de temor, sobressaltada com os casos de violência que parecem se multiplicar, mostrando a verdadeira face de um sistema que se encontra combalido, sem bases de promover a segurança das pessoas e do patrimônio. O esgarçamento do tecido social contrasta com o entusiasmo que se procura buscar, mas que acaba sufocado entre muros altos, carros blindados, cercas eletrificadas e serviços de segurança.

As estatísticas algumas vezes podem apresentar dados que com certeza apontam alguns acertos no sentido de fazer frente ao crescimento da violência. Mas certamente as próprias autoridades haverão de reconhecer que ainda há muito a fazer. A redução de alguns indicadores não combinam com a sensação de insegurança do cidadão comum, a quem não importam alguns números diante da realidade dura e cruel de viver assustado, temendo pelo próximo passo, sem garantia de integridade ou de vida. São elementos que as frias estatísticas não costumam detectar.

(Editorial Correio Popular, 30/12)

Canción por la unidad latinoamericana

El nacimiento de un mundo
Se aplazó por un momento
Fue un breve lapso del tiempo
Del universo un segundo

Sin embargo parecia
Que todo se iba a acabar
Con la distancia mortal
Que separó nuestras vidas

Realizavan la labor
De desunir nossas mãos
E fazer com que os irmãos
Se mirassem com temor

Cunado passaron los años
Se acumularam rancores
Se olvidaram os amores
Parecíamos estraños

Que distância tão sofrida
Que mundo tão separado
Jamás se hubiera encontrado
Sin aportar nuevas vidas

E quem garante que a História
É carroça abandonada
Numa beira de estrada
Ou numa estação inglória

A História é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue

É um trem riscando trilhos
Abrindo novos espaços
Acenando muitos braços
Balançando nossos filhos

Lo que brilla con luz propia
Nadie lo puede apagar
Su brillo puede alcanzar
La oscuridad de otras costas

Quem vai impedir que a chama
Saia iluminando o cenário
Saia incendiando o plenário
Saia inventando outra trama

Quem vai evitar que os ventos
Batam portas mal fechadas
Revirem terras mal socadas
E espalhem nossos lamentos

E enfim quem paga o pesar
Do tempo que se gastou
De las vidas que costó
De las que puede costar

Já foi lançada uma estrela
Pra quem souber enxergar
Pra quem quiser alcançar
E andar abraçado nela

(Canción por la unidad latinoamericana, Pablo Milanés)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A celebração da Paz



A humanidade se reveza em tempos de acirramento de ódios e diferenças e períodos em que a graça recai sobre os povos e os tempos de harmonia se instalam. A natureza egoísta e agressiva do ser humano nem sempre prevalece, havendo enormes exceções que se sobrepõem ao caráter belicista, traduzidas em situações onde o poder da palavra, da solidariedade, do respeito ao próximo indicam que é possível construir um mundo novo pelas trilhas do bem.


As diferenças ideológicas, quando pautadas pelo discurso religioso, podem criar pontos de indiferença e distância, ou mesmo de extremismos que não cabem em sociedades escalonadas em valores de igualdade, respeito e não violência. O caráter civilizado implica na pregação de valores maiores que os interesses rasteiros da ganância, do poder, da sobreposição de traços ideológicos, culturais ou institucionais. É aceitar o próximo integralmente e aprender a conviver em total harmonia.

Todos os anos, há uma data especial em que este espírito humanitário é celebrado mais intensamente, independentemente de religião, crença ou ideologia. O Natal é a celebração da paz, da comunhão entre as pessoas, do momento de fazer uma reflexão que inclui as pessoas ao redor de cada um, reavaliando conceitos, construindo novas metas, olhando para os mais necessitados, estendendo uma mão amiga e caridosa para aqueles que perderam a própria identidade e dignidade ao longo da vida.

O sentido religioso do Natal é grandioso. Data máxima da fé cristã, representa a salvação do Homem através do nascimento de seu Messias. É o princípio de um novo tempo, a criação de um novo homem. Um instante na vida que tem outros significados em outras religiões, outros nomes, mas a mesma essência divina.

O Natal é tempo de presentes, símbolos da dádiva, do reconhecimento, da gratidão, da alegria de fazer a alegria dos outros através de pequenos objetos, algumas palavras, grandes lembranças que marcarão, não apenas pelo valor estampado em etiquetas mas pelo alto significado do gesto de se fazer materialmente presente.

Natal é ainda o tempo da solidariedade. É quando se aguça a preocupação com o próximo, intensificam-se as ações de atendimento a instituições, grupos de necessitados, quando as pessoas buscam nos últimos dias do ano fazer valer a máxima de dar de si pelos demais, sem interesse, sem esperar nada em troca. É quando o grande exército de benfeitores que atuam durante o ano inteiro recebe esperado e indispensável reforço na tarefa de ajudar pessoas, ainda que para fazê-las lembrar que a esperança sempre vence.

O dia de hoje é especial porque leva as pessoas a fazerem sincera introspecção e avaliarem as próprias vidas, suas metas, seus valores, suas riquezas. É quando o eu dá lugar ao nós, igualando todos na direção de uma luz que se mantém acesa para nos lembrar, sempre e todo dia, que o caminho pode ser pleno de obstáculos, mas o ponto de chegada é um só.

(Editorial Correio Popular, 25/12)

Se o caso é chorar...


Se o caso é chorar

te faço chorar
se o caso é sofrer
eu posso morrer de amor.

Vestir toda minha dor
no seu traje mais azul
restando aos meus olhos
o dilema de rir ou chorar.

Amor deixei sangrar meu peito
tanta dor, ninguém dá jeito.

(Se o caso é chorar, Tom Zé - Perna)

Natal, de Fernando Pessoa


O sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

(Natal, Fernando Pessoa)

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A longa espera da Saúde

O atendimento de saúde é um problema que remete uma região de enorme potencial como a Região Metropolitana de Campinas (RMC) a padrões de terceiro mundo, com uma legião de pacientes dependentes de esforços e investimentos públicos para terem o atendimento essencial. As carências são enormes e os requisitos exigem uma ação forte e coordenada para suprir a defasagem que ainda obriga que os cidadãos façam verdadeiras peregrinações em busca de uma consulta, um diagnóstico, um medicamento ou atendimento especializado.
Há décadas que a Saúde foi priorizada nos planos de governo, mas os resultados ainda se mostram acanhados, mal conseguindo suprir a demanda do crescimento da população sem corrigir deficiências que se aprofundam na proporção da falta de recursos e de uma política séria para o setor. As longas filas de espera, a dificuldade de obter uma simples consulta que muitas vezes se dá por atacado, o agendamento para especialidades médicas e até mesmo cirurgias atestam que o sistema está doente e os pacientes agonizam à espera de melhorias que parecem não ter caráter de emergência.


As dificuldades enfrentadas nos municípios da RMC levam muitos pacientes a se submeterem a périplos humilhantes em busca de uma atenção que lhes falta. As más condições das unidades básicas de saúde, a falta de hospitais e médicos especialistas fazem com que milhares de pessoas circulem pela região em busca de tratamento. Uma destas mecas de Saúde é Campinas, onde o Hospital de Clínicas da Unicamp, Hospital Municipal Dr. Mário Gatti, ao Centro Infantil Boldrini e Hospital Celso Pierro, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) se tornam referências para outras cidades.

O problema é sério conforme mostra reportagem nesta edição, submetendo pacientes a longas horas de espera, agora pelo simples transporte coletivo que poderia levar-lhes de volta em poucas horas, mas que estende a demora para todo o dia. Os relatos são comoventes e mostram em grande parte o conformismo diante de uma situação em que não cabe o adiamento ou a rejeição. A saúde é um bem que não tem preço, na opinião de um dos entrevistados.

A vocação metropolitana da região é avaliada exatamente diante de problemas deste naipe. A busca de soluções para a Saúde não pode passar ao largo dos fóruns instalados para debates questões comuns e que afetam a todos, apontando caminhos racionais e logísticos que podem melhorar o quadro de atendimento e otimizar investimentos. Por isto, soa racional e produtivo o projeto de implantar um sistema regional de transporte em saúde para atender os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e acabar com o sistema de vans bancado pelas prefeituras. Além do transporte, estuda-se a reforma e ampliação de 42 unidades básicas na região, um sistema metropolitano de identificação de usuários, além da criação de um plano diretor de desenvolvimento de tecnologia, informação e comunicação.

As propostas estão na mesa e sua implantação está prevista para até o final do próximo ano. Espera-se que os novos prefeitos referendem e aperfeiçoem as metas, fazendo sua parte para efetivamente promover a integração da RMC.


(Editorial Correio Popular, 23/12)

We can work it out

Try to see it my way
Do I have to keep on talking till I can´t go on?
While you see it your way
Run the risk of knowing that our love may soon be gone

We can work it out, we can work it out.

Think of what I´m saying
You can get it wrong and still you think that it´s alright
Think of what I´m saying
We can work it out and get it straight, or say good night

We can work it out, we can work it out.

Life is very short, and there´s no time
For fussing and fighting, my friend
I have always thought that it´s a crime
So I will ask you once again.

Try to see it my way
Only time will tell if I am right or I am wrong
While you see it your way
There´s no chance that we may fall apart before to long

We can work it out, we can work it out.

(We can work it out, Lennon-McCartney)

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O embargo que sobreviveu à Guerra Fria


Os países latino-americanos passam por um momento histórico importante de busca de sua própria identidade e de inserção maior no mundo globalizado, alternando discursos ranzinzas e vazios com tentativa de formar blocos de acordo com suas características. As lideranças procuram se mostrar coesas na tentativa de valorização do potencial da região, alegando uma identidade comum para a construção de um novo estado político e econômico.


Neste momento, sobressaem-se algumas personalidades marcantes como Evo Morales, Rafael Corrêa e o protoditador Hugo Chávez, com seu discurso de um estado bolivariano segregado do restante do mundo, arrogantemente impostos pela bolsa dos petrodólares inseridos em sua economia. Ao seu lado, Luiz Inácio Lula da Silva se apresenta como a mais importante liderança na região, à frente de um País em evolução, com uma economia estável, um estado político institucionalmente firme e problemas totalmente distintos dos demais. Um contexto bastante diferenciado do que quer fazer crer a pregação de uma hegemonia regional.

Em insossa tentativa de demonstrar ao mundo uma integração latina, os chefes de Estado destes países se reuniram na Costa do Sauípe na Cúpula da América Latina e Caribe, em encontro na semana passada marcado pela inusitada presença de Raúl Castro, recebido com honras e reverência na qualidade de sucessor de seu irmão Fidel na presidência da ilha de Cuba. A reunião teve apenas caráter político, ao cabo do que poucas conclusões realmente importantes e efetivas foram formalizadas, sobrando eloqüentes discursos anti-imperialistas que, de resto, respingaram no próprio anfitrião Lula. O Brasil vive hoje situação de exceção entre os países latino-americanos: sua economia, a política externa, seu poder de comércio em todo o mundo – e em especial na América do Sul – leva à instalação de várias empresas além fronteiras, protagonizando já alguns embates diplomáticos, mais recentemente com Venezuela, Bolívia e Equador.

A incômoda posição de Lula, que se prestou a oferecer palanque para o histrionismo de Chávez, teria fadado ao fracasso a cúpula não fosse o discurso final pelo fim do embargo econômico a Cuba, uma excrescência remanescente do período da Guerra Fria que se mantém graças ao comportamento radicalizado dos norte-americanos ao lado dos expatriados em Miami e à insistência de Cuba manter à revelia a única ditadura das Américas. Ao tomarem partido do fim do embargo, os chefes de Estado reunidos revelaram disposições não muito afinadas. Se para alguns a libertação econômica de Cuba pode representar um novo tempo para o sofrido povo cubano, caminhando no sentido da autodeterminação política, para outros como Chávez a quebra do embargo é mais munição para a satanização dos Estados Unidos.

É mais do que tempo de mudar o quadro político no Caribe. Esta é, inclusive, uma das expectativas da posse de Barack Obama, até porque a ilha é importante estratégica, econômica e culturalmente. Resta saber até aonde Raúl Castro pretende chegar com as mudanças recém introduzidas após o afastamento de Fidel, este sim o ícone da ditadura e da política retrógrada que está levando a ilha do paraíso revolucionário ao inferno.

(Editorial Correio Popular, 22/12)

domingo, 21 de dezembro de 2008

A construção do caos

Os homens são anjos caídos que Deus mandou para Terra porque botaram defeito na criação do mundo.
Aqui, começaram a inventar coisas, a imitar Deus. E Deus ficou zangado, mandou muita chuva e muito fogo, eu vi de perto a sua raiva sacra, pois foram sete dias de trabalho intenso, eu vi de perto, quando chegava uma noite escura

Só meu candeeiro é quem velava o Seu sono santo
Santo que é Seu nome e Seu sorriso raro
Eu voava alto porque tinha um grande par de asas
Até que um dia caí
E aqui estou nesse terreiro de samba

Ouvindo o trabalho do Céu
E aqui estou nesse terreiro de guerra
Ouvindo o batalha do Céu
Nesse terreiro de anjos caídos
Cá na Terra trabalho é todo dia
Levantar quebrar parede
Matar fome matar a sede
Carregar na cabeça uma bacia
E esse fogo que a Sua boca envia
Pra nossa criação
Deus
Esse terreiro de anjos
Esse errar que é sem fim
Essa paixão tão gigante
Esse amor que é só Seu
Esperando Você chegar

Os Homens aprenderam com Deus a criar e foi com os Homens que Deus aprendeu a amar


(Os Anjos Caídos (ou A Construção do Caos), Cordel Do Fogo Encantado composição Lirinha)

sábado, 20 de dezembro de 2008

Solidariedade e malandragem



Os brasileiros têm dentro de si uma chama acesa pela solidariedade, o amor ao próximo e o desprendimento, não sendo incomuns os registros de atitudes que mostram a capacidade do povo de se mobilizar em benefício de outros, com uma amizade desinteressada, desapego material, como uma grande irmandade unida pelas cores nacionais. Estas atitudes de cidadania são patenteadas em todo o trabalho voluntário que é desenvolvido, a maior parte das vezes anonimamente, dando suporte a organizações não-governamentais, instituições e entidades filantrópicas que se desdobram para cobrir a ausência do Estado no suprimento das necessidades das comunidades mais carentes.


Quando uma tragédia como a de Santa Catarina se abate sobre o País, chega a se comovente a mobilização nacional para levantar fundos, alimentos, roupas e materiais para atender aos milhares de desabrigados, muitos dos quais perderam todos os bens na fúria da natureza que castigou a região Sul. Aos primeiros apelos de socorro, comunidades inteiras se mobilizaram para enviar por todos os meios as doações que brotavam do sentimento de compaixão. O auxílio se materializou em pouco tempo, da mesma forma que se formou um exército de voluntários junto aos desabrigados e mesmo em municípios distantes, coordenando as ações de arrecadação. O exemplo foi digno e mostrou a capacidade do povo brasileiro de atender necessidades imediatas, antes mesmo das autoridades mostrarem preocupação oficial com o problema.

Todos os brasileiros que se engajaram neste mutirão de cidadania receberam nesta semana um tapa cara. A notícia de que um grupo de voluntários e soldados do Exército foi flagrado furtando donativos de um posto de arrecadações da Defesa Civil de Santa Catarina, em Blumenau, causou asco e profunda indignação. É incompreensível que pessoas chamadas ao trabalho solidário dêem demonstração de tamanha vileza e falta de consideração, agindo como bandidos, com o agravante de prejudicar pessoas altamente necessitadas e em situação de desabrigo.

O caso teve a repercussão merecida, toda a sociedade se sentiu atingida e espera que os envolvidos sejam exemplarmente identificados e presos. O furto de doações humanitárias é de uma atitude vil e deve ser punida com rigor, daí a oportunidade do projeto de lei defendido pelo deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC) que eleva para oito anos de detenção a pena.

Se a indignação é a tônica deste episódio, existe ainda uma resposta à altura que restabelece a ordem natural e reflete o pensamento positivo da maioria. A família de um agricultor da região de Alto do Baú recebeu um casaco em doação, onde foram encontrados por uma criança R$ 20 mil costurados na manga. Mesmo em evidente situação de dificuldade, a família de Manoel da Silva não titubeou e providenciou a devolução do dinheiro ao doador da roupa. Estes são os exemplos que devem ficar de toda a tragédia. Para cada ladrão inescrupuloso e sensível existe uma multidão de pessoas realmente solidárias que hoje se dão o direito de expressar profunda indignação e pedir justiça. Mas certamente estarão a postos a cada novo chamado humanitário.


(Editorial Correio Popular, 20/12)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Câmaras e reforma política


As formas de representação política de uma sociedade variam, com cada nação optando por um modelo que melhor se adéqüe aos seus costumes, às variáveis políticas, à preservação de valores que são caros à comunidade. O aperfeiçoamento das regras se dá com a experimentação, com a vivência, corrigindo distorções que normalmente resultam em conseqüências graves para o processo político, como a ascensão de nomes que tendem mais para a celebridade ou extravagância que pelo valor de representação popular legítima.


Os 25 anos da ditadura militar no Brasil praticamente engessaram a militância e a participação dos cidadãos na constituição dos poderes da República. Muitos avanços foram registrados desde então, mas permanece a sensação de que alguns passos importantes poderiam ser dados no sentido de aperfeiçoamento democrático do modelo. Mas os interesses partidários e pessoais têm ditado um ritmo mais lento do que se pretende, suscitando o desejo de uma ampla reforma política que debatesse aspectos vitais como o voto distrital, a obrigatoriedade eleitoral, o número de representantes, a extensão de mandatos e a própria reeleição, introduzida na época de Fernando Henrique Cardoso sob intensa polêmica, atendendo a interesse imediato.

A reforma política toma nova forma a partir de duas iniciativas isoladas que voltam à pauta do Congresso Nacional ao largo do debate popular e da verdadeira participação dos eleitores. No Senado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de reduzir o número de cadeiras nas Câmaras municipais. Se definitivamente aprovada e aplicada pela Justiça Eleitoral, a Região Metropolitana de Campinas (RAC) deveria ter mais 95 vereadores, com acréscimo de custos avaliados em R$ 4 milhões anuais.

Outra medida que entra na pauta política é a proposta aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal que deu parecer favorável ao fim da reeleição para titulares dos Executivos federal, estadual e municipal, estendendo os atuais mandatos para cinco anos. Esta proposta embute intenção de rever as regras tendo em vista as eleições de 2010 e tem evidente caráter oportunista, criando uma nova dimensão para o quadro sucessório depois de Lula.
Qualquer sugestão de alteração do painel político atual sempre será bem-vinda, desde que tenha foco objetivo no aperfeiçoamento das regras eleitorais. Atender interesses imediatistas e eleitoreiros é uma excrescência que tende a criar mecanismos externos ao processo democrático como um todo. Se o número de vereadores merece consideração, é preciso antes atentar para a qualidade e benefício desta representação, que nos últimos anos tem sinalizado para muitas falhas e excesso de corporativismo antes de atender aos verdadeiros anseios populares. E buscar um novo prazo para os mandatos abortando a possibilidade de reeleição tem o ranço do oportunismo barato de facilitar um terceiro mandato para Lula, ainda que intercalado com uma possível derrota em 2010. Sejam quais forem as intenções, a verdadeira reforma política deve passar pelo crivo popular antes de ser resolvida nos bastidores de um grupo de representantes que tem se mostrado blindado quanto à vontade popular.


(Editorial Correio Popular, 17/12)

domingo, 14 de dezembro de 2008

A imundície da cidade


O controle sobre as atitudes de cada cidadão, colocadas sobre o regime legal e as normas de coexistência, exige da sociedade uma estrutura rigorosa de fiscalização e aplicação das leis, sem o que impera o senso de impunidade e falsa liberdade para se fazer o que se quer. Na falta do poder de polícia, as pessoas tendem a agir por conta própria, estabelecendo seus limites em desrespeito aos conceitos de liberdade aceitos pela maioria.


Não bastassem os grandes agravantes da falta de um aparato adequado de segurança e fiscalização, com os óbvios problemas decorrentes da rendição ao estado de violência, a questão tende a se enraizar e florescer de várias maneiras e em diferentes graus de ameaça, tirando a tranqüilidade dos cidadãos. Um dos exemplos onde a aplicação da lei não consegue chegar, a despeito de toda manifestação, é o caso dos pichadores de prédios e espaços públicos, onde jovens agem de forma desabrida para se auto-afirmarem através de suas marcas deixadas a tinta em paredes e muros.

É inadmissível que as cidades tenham que se curvar diante de uma centena de baderneiros que insistem em desafiar o bom senso e a autoridade, fazendo da imundice o seu passatempo enquanto riem das tentativas de se punir os abusados. O problema é recorrente e várias iniciativas foram anunciadas para tentar barrar a ação dos vândalos. Campinas tem hoje uma legislação que, se não é perfeita, ao menos dá os parâmetros para se enfrentar o problema. Existe a clara proibição de venda de sprays de tinta a menores de idade, com severas punições a lojistas que não obedeçam. Mas a falta absoluta de fiscalização faz a lei tornar-se inócua para a alegria dos jovens destruidores.

A Câmara Municipal aprovou uma lei que impõe pesada multa aos jovens flagrados pichando, com efeitos sobre pais e responsáveis, além do ressarcimento dos danos causados nas propriedades. Foram necessários três anos para sua regulamentação e, até hoje, não se tem notícia de um único caso de aplicação. Também foi anunciado o efeito positivo da instalação de câmeras de vídeo no sistema de segurança da cidade, tendo sido flagrados e detidos jovens em plena pichação. Nada disso logrou inibir a ação destes desajustados.

O que falta é a aplicação pura e simples da lei e o tratamento destes infratores com rigor dispensado a quaisquer outros delitos que envolvam destruição de patrimônio público ou privado. Neste ponto, instala-se o círculo vicioso que condena o sistema. Para a aplicação de multas e penas, há a necessidade da queixa formal das vítimas, que se sentem constrangidas em levar à frente sua denúncia por não acreditar que os pichadores não promoverão retaliações. A vítima não denuncia por não acreditar na lei e a lei não é aplicada porque as vítimas se omitem.
Cabe aos poderes de fiscalização, polícia e Judiciário sinalizarem com clareza a intenção de dar um basta à situação. O cidadão precisa ter confiança de que poucos moleques de rua não poderão imperar impunemente sobre a vontade da maioria. A cidade não merece ficar emporcalhada, com todos gastando dinheiro para reparar os estragos, enquanto escolas, postos de saúde e creches necessitam de reformas mais urgentes.


Editorial Correio Popular, 13/12)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O ciúme

Dorme o sol à flor do Chico, meio-dia
Tudo esbarra embriagado de seu lume
Dorme ponte, Pernambuco, Rio, Bahia
Só vigia um ponto negro: o meu ciúme

O ciúme lançou sua flecha preta
E acertou no meio exato da garganta
Quem nem alegre nem triste nem poeta
Entre Petrolina e Juazeiro canta

Velho Chico vens de Minas
De onde o oculto do mistério se escondeu
Sei que o levas todo em ti, não me ensinas
E eu sou só, eu só, eu só, eu

Juazeiro, nem te lembras dessa tarde
Petrolina, nem chegaste a perceber
Mas, na voz que canta tudo ainda arde
Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê

Tanta gente canta, tanta gente cala
Tantas almas esticadas no curtume
Sobre toda estrada, sobre toda sala
Paira, monstruosa, a sombra do ciúme

(O ciúme, de Caetano Veloso)

Tecnologia na aplicação da lei



A aplicação da justiça no Brasil esbarra em tamanhos contratempos que a agenda do Poder Judiciário mostra-se normalmente sobrecarregada, seja pelo excesso de demandas judiciais ou pela falta de pessoal e estrutura para que sejam levados a efeito os procedimentos que deveriam ser pautados pela celeridade. Não raro os processos decorrem em tempo inaceitável, atrasando sentenças, deixando impunes criminosos confessos, retardando o apenamento de detentos, quando não deixando na poeira durante anos interesses pessoais e corporativos.


Não bastassem as atribulações naturais impostas pelo rito processual ou dificuldades estruturais, marca ainda o Judiciário a lentidão em assimilar possibilidades tecnológicas que surgem diariamente. É o caso da oitiva de presos, que tradicionalmente é feita de forma presencial diante de um juiz, o que exige uma logística perfeita para a locomoção dos interessados, com entraves dispendiosos e de alto risco. Sempre que algum detento deve comparecer a audiências, mobilizam-se as polícias em escoltas, viaturas especiais para transporte, segurança nas ruas, um gasto enorme e aparentemente inconveniente para uma situação que deveria ser de rotina.
Todas as cidades da região já passaram pelo desconforto de perceber quando criminosos são levados a audiências nos fóruns. Quanto mais notáveis são os casos, maiores as precauções necessárias.


Para atenuar o problema, a Câmara Federal acaba de aprovar projeto que autoriza juízes a interrogar presos através dos recursos da videoconferência, uma medida que coloca em termos racionais uma demanda urgente do Poder. Não se justificam resistências interpostas por alguns advogados, que vêem no uso da tecnologia uma ameaça ao direito de legítima defesa dos interrogados. Basta que a legislação garanta que todas as etapas processuais sejam cumpridas, com absoluta e livre fiscalização da defesa, do Ministério Público e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), como previsto no projeto.

A tecnologia serve para servir às pessoas e reduzir distâncias de formas que seriam impensáveis há alguns anos. Resistir a isto é limitar as possibilidades e a própria aplicação da lei, sujeita a percalços que nem sempre podem ser superados sem despesas que hoje podem se consideradas impróprias. É preciso que os recursos da videoconferência aproximem os gabinetes dos juízes das prisões, tornando ágeis os procedimentos, garantindo o amplo direito de defesa e, acima de tudo, deixando o aparato de segurança agir em ações mais necessárias e urgentes.

(Trecho de editorial publicado no Correio Popular, 12/12)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O direito dos homens

A sociedade busca sempre as formas de regular o convívio entre as pessoas, assegurando sua segurança, paz, integridade, de forma a harmonizar as relações e torná-las produtivas para o bem comum. O caráter competitivo e violento do ser humano muitas vezes coloca obstáculos que somente são superados pela força de leis e normas aceitas que estabelecem os limites da liberdade individual e o interesse coletivo.

O espírito belicoso da humanidade exigiu que ao longo dos séculos a cultura estabelecesse claramente o consenso através de códigos que foram fundeando as bases do direito moderno. Desde a lei de talião identificada no Código de Hamurabi há quase 40 séculos, as tábuas da lei dos hebreus, o direito romano, o homem tentou aperfeiçoar e organizar a sociedade, estabelecendo como ideais os conceitos de igualdade, liberdade e fraternidade, consagrados na declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, conquista maior da Revolução Francesa em 1.789.

Ainda sob a comoção da Segunda Grande Guerra, as nações se preparavam para a construção de um novo tempo em que as agressões e barbáries pudessem ser esquecidas em favor do cidadão, onde as diferenças pudessem ser respeitadas e os direitos assegurados acima de qualquer interesse. Há exatos 60 anos, a Organização das Nações Unidas arrolou estes conceitos em 30 artigos históricos, iniciados com a emblemática frase “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Estava lançada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, âncora que balizaria o reconhecimento da integridade e individualidade das pessoas.
A letra tem o dom de moldar os comportamentos ao longo do tempo, mas o egoísmo e a extravagância dos homens fizeram com que os direitos humanos ainda não fossem respeitados integralmente seis décadas depois de seu reconhecimento e aprovação. Houve inegáveis avanços e a consciência do direito amadureceu nas relações pessoais, familiares, profissionais, comunitárias, havendo hoje uma grande preocupação em se estabelecerem as condições ideais.

No Brasil, há ainda um grande caminho a ser percorrido. Em reportagem especial neste domingo, o Correio Popular mostrou o abismo entre o discurso de justiça e igualdade e a dura realidade de uma população marginalizada que tem que lutar todo dia para fazer valer seus direitos à alimentação, à educação gratuita, à moradia, atendimento médico, segurança. São facilmente enumeráveis os atentados à dignidade da pessoa, a violência, o preconceito, à perseguição em violação à liberdade de pensamento.

Mal compreendida por muitas pessoas que ainda a associam simploriamente à mera defesa de direitos de encarcerados, a Declaração é ainda um texto atual, moderno, passível de atualizações e revisões em seu contexto, mas é certamente uma das mais seguras âncoras lançadas ao mar de iniqüidades que o ser humano é capaz de criar e, se aplicada, será capaz de reduzir as injustiças e preservar o valor mais caro que existe, a liberdade.


(Editorial do Correio Popular, 10/12)

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A invasão dos violentos


A questão da reforma agrária é uma das bandeiras recorrentes dos chamados movimentos de esquerda, que advogam a necessidade de uma mobilização sistemática da população na busca de uma área para a instalação de cooperativas de produção rural ou para a construção de moradias no espaço urbano. Despertados para a urgência de uma solução em nível nacional, os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva vêm desenvolvendo nos últimos anos uma política intensa neste sentido, no ritmo ditado pelas dificuldades inerentes que o assunto impõe.


Os resultados nem sempre aparecem na cota de urgência dos grupos politicamente organizados, como o Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), envolvido em recente invasão de área em Sumaré, e mesmo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o núcleo que primeiro levantou a bandeira das ocupações de terras ociosas e agora se dedica a uma militância extrema de interesses diversos.

O grupo do MTST que invadiu há 24 dias uma área particular no Jardim Denadai, em Sumaré, protagonizou no período uma situação de instabilidade no município, com uma ação irresponsável que foi decidida na óbvia ordem judicial de reintegração de posse, submetendo inúmeras famílias a uma situação de desconforto, fome, dificuldades enormes de viver em acampamento com crianças e idosos, alimentados pela esperança vã de conseguir um terreno para construção de suas casas. Não bastasse a ação violenta de ocupação de uma área particular, os dirigentes do MTST incitaram parte do grupo a uma passeata pelas ruas centrais de Sumaré na quinta-feira, que exigiu a intervenção da Guarda Municipal e Polícia Militar, e criou um estado de pânico que levou ao fechamento de estabelecimentos comerciais, o cerco ao Paço Municipal e até o lançamento de bombas de efeito moral para dispersar os manifestantes hostis.

Desacostumados ao diálogo e cedendo ao espírito antagônico ditado pelas suas cartilhas, alguns membros do movimento ousaram a agredir e ameaçar a equipe de reportagem da Rede Anhanguera de Comunicação (RAC) no domingo, em ação que revela o quanto de intolerância e falta de respeito norteiam as ações de invasão, onde os discursos sobre direitos estão na ponta da língua, mas as obrigações legais e de convivência social são deixadas para trás.

É lamentável que um assunto da maior importância como o atendimento às famílias seja tratada da maneira irresponsável como acontece nestes núcleos. Aos participantes ingênuos é vendida a tese de que somente com a violência das ocupações os direitos serão conquistados, como que se esquecendo de que o poder federal está hoje nas mãos do maior partido de esquerda do País, que se deu conta das dificuldades na questão da terra. A organização reivindicatória é correta e bem-vinda, desde que não contaminada pela virulência da má política, do discurso reacionário, da incitação à desordem e pelo desrespeito a todos os demais direitos da sociedade.

(Editorial Correio Popular, 9/12)

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Pais e filhos

Estátuas e cofres
E paredes pintadas
Ninguém sabe
O que aconteceu...
Ela se jogou da janela
Do quinto andar
Nada é fácil de entender...

Dorme agora!
É só o vento
Lá fora...

Quero colo!
Vou fugir de casa
Posso dormir aqui
Com vocês
Estou com medo
Tive um pesadelo
Só vou voltarDepois das três...

Meu filho vai ter
Nome de santo
Quero o nome
Mais bonito...

É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Por que se você parar
Prá pensar
Na verdade não há...

Me diz, por que que o céu é azul
Explica a grande fúria do mundo
São meus filhos
Que tomam conta de mim...
Eu moro com a minha mãe
Mas meu pai vem me visitar
Eu moro na rua
Não tenho ninguém
Eu moro em qualquer lugar...
Já morei em tanta casa
Que nem me lembro mais
Eu moro com os meus pais

Sou uma gota d'água
Sou um grão de areia
Você me diz que seus pais
Não entendem
Mas você não entende seus pais...
Você culpa seus pais por tudo
Isso é absurdo
São crianças como você
O que você vai ser
Quando você crescer?


(Pais e Filhos, Legião Urbana, Dado Villa-Lobos, Renato Russo e Marcelo Bonfá)

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A arte como elemento de transformação


As atividades culturais sempre foram um patrimônio do povo relegado a pequenos grupos que se comprazem em observar manifestações artísticas com o mesmo deleite com que acompanham o desenvolvimento pessoal, as transformações sociais, os símbolos da sociedade. Acreditar no poder de transformação das artes é consenso, mas dar suporte aos artistas geralmente passa ao largo das preocupações dos burocratas. A cultura como um todo é ainda considerada objeto de consumo de privilegiados, de baixa prioridade, de urgência menor.


Como a arte não se resume a investimentos e empreendimentos, ela sobrevive na criação de grupos ou indivíduos, nasce nas esquinas, nas academias, nos espaços mínimos, ela resiste e existe como se bastasse a si mesma e a seus autores, que lutam para levar o seu legado a um número cada vez maior de pessoas. E contra os desmandos e desinteresse institucionalizados, sempre surgem os abnegados pequenos heróis que não se contentam em transformar a vida das pessoas através de sua arte e se tornam empreendedores em nome de seu ideal.

É o caso da bailarina campineira Juliana Omatti que banca do próprio bolso a reforma do teatro do Colégio Culto à Ciência, e da diretora de escola Eliane Corral, de Americana, que dedicou um espaço ao teatro homenageando seu ídolo Paulo Autran, ambas objeto de reportagens do Correio Popular na quarta e quinta-feiras da semana passada, em demonstração de que quando o interesse é maior, não basta apenas reclamar a parte que lhes cabe da iniciativa oficial. Colocando investimento e interesse próprio em seus projetos, ambas deram demonstração inequívoca do quanto se interessam pela cultura e como o empreendedorismo pode servir de respaldo para atingir um número maior de pessoas, ao tempo em que dão um claro e direto recado aos governantes inadimplentes com o grande público que se alimenta se cultura.

Em países modernos e com educação para a cultura em alta, a participação da cultura nos orçamentos é significativa, dando base e sustento para inúmeras manifestações, incrustando na rotina popular etapas de avanço intelectual inestimável. Em sociedades mais carentes de investimentos em setores básicos e essenciais, não é incomum que os orçamentos de cultura estejam no sopé das prioridades. É o caso do Brasil, onde o próprio presidente gaba-se da própria falta de cultura e onde não faltam críticos que advogam investimentos em infra-estrutura de saúde, educação, habitação e transportes, como se atividades artísticas não tivessem qualquer valor. Este é um quadro que precisa mudar urgentemente.

(Editorial Correio Popular, 2/12)

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Funeral de um lavrador

Esta cova em que estás com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho nem largo nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio

Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida
É uma cova grande pra teu pouco defunto
Mas estás mais ancho que estavas no mundo

É uma cova grande pra teu defunto parco
Porém mais que no mundo te sentirás largo
É uma cova grande pra tua carne pouca
Mas a terra dada, não se abre a boca

É a conta menor que tiraste em vida
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a terra que querias ver dividida
Estarás mais ancho que estavas no mundo
Mas a terra dada, não se abre a boca.

(Funeral de um Lavrador, Chico Buarque de Hollanda e João Cabral de Mello Neto)

Questão fundiária


A questão fundiária brasileira é assunto de anos de discussão sobre o uso e distribuição das terras, do direito de propriedade, das formas de acesso e promoção social através da reforma agrária, que adquiriu formas as mais diversas ao longo da história. País de dimensões continentais, o Brasil tem um passado e demandas diferentes em cada região, exigindo políticas específicas que determinem o grau de prioridade e as formas de abordagem do problema.

A radicalização dos movimentos em busca de terra e habitação tem dificultado as ações políticas públicas, mais pela intransigência e violência desencadeada pelos membros dos grupos organizados do que pela falta de atendimento a questões essenciais. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é o exemplo mais eloqüente de como a partidarização do grupo e as sub-intenções políticas podem contaminar o anseio primário do desejo de uma área para plantio e moradia. Seus líderes são hoje porta-vozes de uma ideologia retrógrada que se sobrepõe ao interesse maior de seus filiados.

Braço decorrente do MST, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) segue a mesma linha de promover invasões ilegais para forçar a negociação, arrastando atrás do grupo milhares de famílias seduzidas pela possibilidade de ter um terreno para se instalar sem ter que passar pelos corredores legais e institucionais. Feitos de boa-vontade de grande parte dos filiados e pela explícita malandragem dos articuladores das invasões, os movimentos insistem em se fazerem presentes com promessas irrealizáveis, como se o objetivo maior estivesse no que eles denominam de “luta”, e não na inserção social dos participantes.

O caso da invasão do MTST no Jardim Denadai, em Sumaré, arrastou para um período de provação e incerteza cerca de 500 famílias – número superestimado pelos organizadores como 2 mil – por um período que não poderia ultrapassar o óbvio pedido de reintegração de posse acatado e determinado pela Justiça. Não é a primeira vez que os fatos transcorrem desta maneira legal e ordenada, sem que se note qualquer constrangimento por parte dos articuladores da invasão.

Também ficou evidente a partidarização do movimento. A logística da operação e parte dos gastos foram bancados por representações regionais de partidos políticos e até mesmo sindicatos, estes desviados totalmente de sua função intrínseca de representar categorias profissionais. É de se perguntar aos sindicalizados se a prestação de contas de despesas de seus dirigentes passa pelo crivo da legalidade e atende justamente os seus contribuintes diretos.
Por tudo isto, movimentos que erguem bandeiras pela justiça social, que se atribuem o messianismo de resolver todos os problemas das classes menos favorecidas e que usem de meios ilegais para se promover em atos que beiram o vandalismo deveriam ser banidos, e os seus dirigentes levados à Justiça para responderem por seus atos criminosos. É inaceitável que um grupo menor queira se impor pela força e subverter a ordem, em favor de uma política mesquinha e atrasada que desrespeita os verdadeiros trabalhadores organizados.

(Editorial Correio Popular, 27/11)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Transparência política

A transparência administrativa é um objetivo caro a ser perseguido constantemente, especialmente no serviço público, quando os ocupantes de cargos devem satisfação de seus atos aos cidadãos, em todas as instâncias, devendo ser fiéis condutores do interesse comum e atentar aos limites impostos pelas leis e normas reguladoras. Ao desenvolver seus atos de gestão, os governantes não podem tergiversar sobre a legalidade e a opinião pública deve ser implacável até a aplicação da justiça.

A manifestação do Judiciário de Paulínia que determinou a penhora de bens do prefeito Edson Moura e dos quatro últimos presidentes da Câmara Municipal traz à luz uma providência que se fez necessária no decorrer do processo. Todos os políticos enunciados são acusados de contratações irregulares, sem licitação e sob alegação de estrita especialização de advogados. O entendimento do Judiciário tem sido diferente, a ponto de os recursos referentes às ações de Moura tramitarem nas instâncias do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF).

A política paulinense passa por turbulento período apenso às barras da Justiça, pesando contra o atual prefeito acusações de mau uso do dinheiro público, aplicação indevida do orçamento, priorização de aspectos midiáticos em detrimento de demandas sociais urgentes. Não por acaso pesa contra Edson Moura a pecha de deixar uma marca polêmica sobre seus atos, antes de uma referência de administração moderna, equilibrada e que pudesse resgatar Paulínia de seus problemas e alçá-la a uma instância de primeiro mundo.

Os políticos atuais têm uma obrigação intrínseca de se mostrarem transparentes em suas ações, absolutamente corretos em suas funções, éticos na medida extrema e honestos como não se pode deixar de ser. A imagem altamente deteriorada sobre a classe política impõe uma severa condição para o exercício de funções públicas em todos os níveis, havendo uma sociedade cada vez mais ampla a cobrar a lisura nos feitos administrativos. Chega a ser irônico que candidatos façam questão de frisar em suas campanhas a qualidade de ser honesto, como se isso não fosse obrigação elementar de cada cidadão. Há um respeito que precisa ser resgatado das entranhas da corrupção, da auto-concessão de vencimentos e regalias.

Quando falha a consciência e o auto-respeito, cabe aos demais poderes da República a fiscalização dos atos administrativos e de governo. No caso de Paulínia, a intervenção do Judiciário busca interromper um longo processo de prevaricação a que o Legislativo parece não ter empenho em investigar. No todo, os processos contra Edson Moura deveriam tramitar no caráter de urgência necessária, para que se tenha uma decisão com a agilidade que permita ou a rápida condenação dos culpados ou sua absolvição para que a vida política local possa ter seu decurso tranqüilo. O que não parece razoável é que o rito processual seja lento a ponto de pesar sobre alguém uma sentença de cassação de cargos públicos, com a iminência de ocorrer depois de cumpridos os mandatos.

(Editorial Correio Popular, 26/11)

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Chuvas de novembro

When I look into your eyes
I can see a love restrained
But darlin' when I hold you
Don't you know I feel the same

'Cause nothin' lasts forever
And we both know hearts can change
And it's hard to hold a candle
In the cold November rain

We've been through this auch a long long time
Just tryin' to kill the pain

But lovers always come and lovers always go
An no one's really sure who's lettin' go today
Walking away

If we could take the timeto lay it on the line
I could rest my head
Just knowin' that you were mine
All mine
So if you want to love methen darlin' don't refrain
Or I'll just end up walkin'
In the cold November rain

Do you need some time...
on your own
Do you need some time...
all alone

Everybody needs some time...on their own
Don't you know you need some time...all alone

I know it's hard to keep an open heart
When even friends seem out to harm you
But if you could heal a broken heart
Wouldn't time be out to charm you

When your fears subside
And shadows still remain
I know that you can love me
When there's no one left to blame
So never mind the darkness

We still can find a way'
Cause nothin' lasts forever
Even cold November rain

November Rain, Guns N' Roses, Use Your Illusion I, 1991)

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Questões de fé partida

De há muito os meus pensamentos não se alinham com a Igreja Católica. Tenho para mim que temos diferenças irreconciliáveis, que freqüentemente nos levam para campos opostos, a ponto de atribuir ao regrado do Vaticano grande parte da responsabilidade sobre o sentimento de culpa, a mortificação, o achatamento intelectual, a anulação individual e a ritualização alienante que acomete a civilização ocidental.

Antes que atirem a primeira pedra, obviamente defendo o direito de cada cidadão cuidar da própria vida como lhe convier, eleger a sua religião, denominar-se de qualquer sectarismo. Mas ainda vejo com ressalvas aqueles que estão imbuídos profundamente de uma fé que não resiste à medida mínima que a razão exige para questionar. Os fundamentalistas e os alienados, para deixar mais claro. Aqueles que professam uma fé sem responsabilidade intelectual.

A presença marcante do dogmatismo católico no nosso meio autoriza qualquer um questionar ações emanadas pelo Vaticano, já que reproduzem um manual de conduta que acaba atingindo a sociedade civil, que se diz religiosa, mesmo sem freqüentar uma igreja há anos, exceção a festas sociais, como casamentos. E a Igreja Católica, hoje personificada pelo papa Bento XVI, tem pautado estas regras pelo retorno incondicional ao tradicionalismo.

Acho correta a posição do pontífice alemão. A Igreja não deve ceder aos costumes, as pessoas é que devem seguir a Igreja. É isto: o modo como as pessoas devem proceder é emanado da interpretação bíblica e documentos conciliares. Quem aceita, segue. Caso contrário, se afasta. Não é o que vemos, com tantos católicos declarados antagonizando suas crenças em sendas do espiritismo, por exemplo.

Agora, o Vaticano endurece as regras, e dirige um de seus canhões doutrinários contra o homossexualismo. Uma tardia resposta aos escândalos de assédio sexual nas sacristias, chaga secular sempre escondida (Ratzinger bem sabe disto), e que agora vem à tona em borbotões. Fazem crer que, limitando o acesso de homossexuais à ordenação, o problema será contido. Ao agir corretamente – tomando posição firme contra o comportamento que considera anti-natural – o papa assume um regime de tal grau de intolerância e preconceito que em nada ajuda ao debate da questão.

Se o homossexualismo é errado – e quero crer que sim – não é fechando as portas das igrejas que as pessoas poderão ser orientadas, tratadas como irmãos, compartilhando a mesma fé. Se a igreja deve seguir o seu rumo firme e sem vacilos como quer o novo papa, mesmo que navegando em águas tormentosas, não pode deixar de ir ao encontro dos seus fiéis, compreendendo o mundo como ele é na vida real, não como está pintado dentro dos altos muros da tradição.

Em tempo: a cantora Daniela Mercury foi impedida de se apresentar em concerto de Natal no Vaticano, diante do papa. Ela é embaixadora da ONU e participa ativamente das campanhas da organização no combate à Aids e defende o uso de camisinha na prevenção de DST. A igreja condena o uso do preservativo entendendo que o método pode incentivar a promiscuidade.
Este rigor não impediu, no entanto, que o cantor Roberto Carlos, que casou-se várias vezes, fizesse show para o papa no Rio de Janeiro. O evento? Segundo Encontro Mundial das Famílias. Belo exemplo.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Cores da bandeira

Diante da bandeira do Brasil, devo confessar a emoção que sinto cada vez que sou levado a contemplar as cores verde, amarelo, azul e branco. Dizia um professor meu, Gerhard Wilda, um artista plástico, que a bandeira brasileira era feia. Que não há harmonia estética possível entre o verde e o azul; a sobreposição de formas retas e arredondadas raramente surte efeito plástico agradável. Lógico, tudo isto sob um olhar distanciado do senso patriótico e cívico. E, não podemos negar, o frase Ordem e Progresso diz tão pouco deste povo natural e elegantemente desordenado, que o progresso nem sempre encontra aspiração no modo simples de viver dos brasileiros. Comte e seu positivismo pareciam não saber muito da alma do brasileiro.

Eu dizia da emoção que sinto ao ver a nossa bandeira. Sentimento que se confunde em minha cabeça, já que aprendi a importância dos símbolos da Pátria sob pressão das botas da ditadura militar nos anos 70. Na época, o conceito de Pátria se confundia com o respeito à autoridade militar, à obediência cega, à negação do caráter humanista e libertário que impregnou a minha juventude. O Hino Nacional era decorado às expensas de ameaças e rigor exagerados. A bandeira hasteada era antes o símbolo de um poder usurpado do que o símbolo legítimo de uma pátria ultrajada.

Lembro-me bem de ter chorado, de frustração e revolta, quando o Brasil ganhou a Copa do Mundo de 1970. Jovem, eu saí às ruas com uma improvisada bandeira verde-amarela feita dos restos de uma cortina velha, tentando absorver daquele povo delirante um pouco de seu entusiasmo. Poucos minutos depois eu voltava para casa, sem conseguir me contagiar. E sem a bandeira, arrancada das minhas mãos e que se perdera na multidão. Nunca mais consegui identificar na exaltação das massas o caráter cívico e patriótico que a bandeira deve suscitar. Para mim, o respeito se manifestava em silêncio, respeito e temor, infelizmente.

A bandeira, como um símbolo, voltaria à minha vida somente muitos anos depois, na educação de meus filhos. Ali ressurgiria para mim o verdadeiro sentido cívico de amor pela Pátria, entendida como o amálgama de todas as raças, religiões, suores e amores. Aos poucos ia notando que aquele pedaço de tecido entrelinhava mais do que apenas cores e texturas: ele retratava a fisionomia carregada de sol do sertanejo, o desprendimento decorrente da fusão de culturas, a alegria contagiante das praias, a energia do trabalho, a sensibilidade do amor ao próximo, o vigor da organização popular, a catalisação de todos os anseios, a evasão da culpa na convicção de que todos somos irmãos, e filhos do mesmo atavismo histórico que nos impulsiona como Nação.
Somos uma Nação rica, porque feita de contrastes; humana, porque feita das raças; cordial, porque feita de amizades; soberana, porque feita de lutas e desejos de liberdade que não esmorecem diante da opressão. Convivemos com o belo e o ridículo; somos inteiros quando nos doamos e somos metade quando reivindicamos nosso quinhão.


Somos um tanto néscios ao discutirmos nossos direitos. Muitas vezes deixamos de lado nossos interesses genuínos e agimos como inocentes cordeiros da especulação internacional, espectadores de um crescimento que nada tem a ver com a nossa tradição e nossas raízes.
Chega de deliverys, drive thru, shopping centers. Chega de jeans, t-shirts, fast food, ice cream. Somos pegue-pague, somos cururu, somos saci, chá de erva-cidreira. Somos bossa-nova, somos chapéu de couro, cheque pré, pó de guaraná. Somos a tanga ao sol, somos alegria, somos futebol, ora bolas.


Esta bandeira é para ser o símbolo de tudo o que somos. Bons ou ruins, sérios ou destrambelhados, chiques ou desdentados. Somos o país do futuro que aprende no presente com os erros do passado. Tudo o que queremos é o nosso presente agora, tingido com as quatro cores de nossa bandeira, se preciso com o vermelho de nosso sangue, para que possamos dizer a todo o mundo, de cabeça erguida e com verdadeiro orgulho cívico: nós somos brasileiros.

(Discurso no Dia da Bandeira, Rotary Club de Mogi Mirim, 2003)

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Preconceito superior


Nos meus tempos de moleque, que vivi em Santos, tive a oportunidade de conviver com pessoas de toda escala social. A praia sempre foi o espaço mais democrático que existe. Nas peladas de futebol, juntavam-se negros, brancos, mulatos, asiáticos, ricos e pobres, moradores de apartamentos em frente à praia ou de favelas. Muitos estudavam em colégios particulares, mas a maioria só dispunha mesmo do ensino público para sua formação. Outros, sequer isto; circulavam pela areia em busca de diversão e alguns trocados de turistas.


Mas na hora do jogo, a única coisa que realmente importava era a habilidade com a bola. Na hora de escolher os times, não me lembro de ser levada em consideração qualquer coisa que não fosse a capacidade de jogar bem. Tudo deixava de ter importância se o Pelézinho, o Japa, o Alemão ou o Turquinho soubessem driblar com categoria e marcar os gols.

Não sei o destino de qualquer destes companheiros que ficaram perdidos na areia do tempo, mas posso apostar que nem todos tiveram as oportunidades que tive. Muitos ficaram pelo caminho e não gozaram quaisquer privilégios compensatórios pelo abismo social em que foram jogados. Não tiveram melhores empregos, melhores escolas e tampouco sistemas de cotas em universidades. E não falo apenas do Pelézinho, mas dos marginais de todas as cores e credos.

Quando se fala em reservar vagas para negros nas universidades públicas, não posso deixar de pensar em meus colegas de infância. E me sinto ofendido em saber que eles podem não ter qualquer atenção especial do poder público, lançados que foram em fossos de desigualdades e agora são novamente vítimas de um brutal preconceito. A eles é dito que são piores que os negros, que agora buscam a sua “alforria educacional” e deixam para trás todos os demais injustiçados.

O problema do ensino no Brasil não se resolve com medidas arbitrárias e artificiais. Justiça social não se faz por decreto, por mais boa-vontade que se tenha. São necessárias medidas de base, de distribuição de renda, de investimentos em educação, estruturação das universidades públicas. De resto, tudo não passa de demagogia barata e eleitoreira.

Quanto aos negros, lamento que se submetam a este tipo de discriminação. Exigir ser tratado de forma diferenciada é exigir um espaço imerecido, é exaltar-se perante todos os demais excluídos e esta é a forma mais superior de preconceito.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Os ventos não trazem mais respostas

O mundo vive em eterna convulsão, como um organismo vivo e em constante mutação. A estrutura física do planeta passa por profundas e radicais modificações, como se o processo de criação fosse uma constante e a sedimentação ainda faltassem milhares de séculos para se estabilizar. Terremotos, movimentação de geleiras, assentamento de placas tectônicas e outros fenômenos mostram que a Terra é uma variável e o comportamento humano é exigido para que as pessoas possam se adaptar ao seu habitat com recursos de inteligência, adaptação e interação com o ambiente, garantindo a sobrevivência da espécie. Nesse contexto, a vida em sociedade é pautada por atitudes de sustentabilidade e constante revisão de seus atos predatórios.

Da mesma forma, as pessoas fazem o seu tempo com atitudes políticas, moldando a história de acordo com as circunstâncias e as necessidades prementes, adotando comportamentos que forjam o futuro como conseqüência das disposições do momento. As páginas da história ressaltam momentos que definiram o papel de cada sociedade, em episódios de conflitos, de enfrentamento pela busca do poder, de lutas pela liberdade. Nos tempos modernos, o ano de 1968 foi emblemático na luta pelas liberdades individuais, pela busca de identidade entre as pessoas, pela apresentação de propostas de rompimento que, da singeleza do discurso adolescente, fizeram brotar avanços consideráveis na sociedade mundial.

Na agitada Paris de 40 anos atrás, o discurso inflamado de Daniel Cohn-Bendit sintetizava a busca de um novo tempo, com frases cunhadas com criatividade e rebeldia: “Sejam realistas, exijam o impossível!" e “É proibido proibir” sintetizavam um desejo que tomou o coração dos jovens em todo o mundo, espalhando-se como mensagem positiva, direto recado ao status quo que insistia em fórmulas que tinham gerado duas guerras mundiais e um modelo desgastado de injustiças e discriminação.

No Brasil, o movimento teve características especiais, retratadas com fiel respeito pelo escritor Zuenir Ventura, que revisitou o tema recentemente. O retrato da opressão do regime militar deu novo contorno às manifestações, mas ecoou por aqui a necessidade de colocar para fora a indignação principalmente dos jovens.

Passados 40 anos, a nova geração mostra-se desagregada, sem bandeiras, sem motivação política. Desde o movimento pelas Diretas Já e o fenômeno dos caras-pintadas não se vêem jovens com justa motivação. Não há propostas de mudança, não há indignação nas ruas. O fórum de convivência é a internet e nem mesmo os escândalos recentes parecem capazes de acender qualquer chama de reivindicações, de rebeldia.

A política é a história dinâmica da sociedade. Através da participação ativa em todos os momentos é possível a transformação, a mudança do quadro atual. Fazendo mover as placas tectônicas da política, é possível prever terremotos ideológicos que possam fazer eclodir padrões de moral compatíveis. Espera-se que não seja preciso mais quatro décadas para essas transformações.

(Editorial do Correio Popular, maio 2008)

Blowin' In The Wind

How many roads must a man walk down
Before you call him a man?
Yes, 'n' how many seas must a white dove sail
Before she sleeps in the sand?
Yes, 'n' how many times must the cannon balls fly
Before they're forever banned?

The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind.

How many times must a man look up
Before he can see the sky?
Yes, 'n' how many ears must one man have
Before he can hear people cry?

Yes, 'n' how many deaths will it take till he knows
That too many people have died?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind.

How many years can a mountain exist
Before it's washed to the sea?
Yes, 'n' how many years can some people exist
Before they're allowed to be free?

Yes, 'n' how many times can a man turn his head,
Pretending he just doesn't see?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind.

(Blowin' In The Window, Bob Dylan, 1962)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Purple Haze

Purple haze all in my brain
Lately things just dont seem the same
Actin funny, but I dont know why
scuse me while I kiss the sky

Purple haze all around
Dont know if Im comin up or down
Am I happy or in misery?
What ever it is, that girl put a spell on me

Purple haze all in my eyes, uhh
Dont know if its day or night
You got me blowin, blowin my mind
Is it tomorrow, or just the end of time?

Oh, help mePurple haze, tell me, baby,
tell meI cant go on like this
Purple haze
You're makin me blow my mind...mama
Purple haze, n-no, nooo
Purple haze, no, its painful, baby

(Purple Haze, Are You Experienced?, Jimi Hendrix)

Surpresa mortal


Um soldado caminha por uma estreita alameda. Na esquina, um rosto de criança aparece, sorridente. Um aceno e desaparece. O soldado sorri, mal consegue ver o inimigo que tomou o lugar da criança, e tomba, mortalmente ferido.

Como reformar a Previdência

Não há qualquer dúvida. Todo mundo é a favor da melhor distribuição de renda e da justiça social. Desde que não tenha que abrir mão de dinheiro, vantagens e benefícios, é claro. Sempre que se fala em tirar dos ricos e dar aos pobres, todos pensam somente nos “mais ricos”, afinal, ganhamos tão pouco, não é mesmo?

Digo isto para chegar à discussão sobre a reforma da Previdência. Ou melhor, sobre os privilégios da Previdência. Todos são concordes da necessidade de se mudar o regime. Desde que não se mexa nos benefícios da casta privilegiada que é responsável pelos absurdos que fazem da seguridade social no Brasil uma piada de mau gosto. Juízes, militares, servidores públicos, atletas, todos querem que outros ganhem mais, desde que não se mudem as regras do jogo.

É tudo hipocrisia. O ser humano se organiza de forma a sempre obter vantagens na sociedade. O que se vê, em suma, é a luta primária pela sobrevivência assumindo formas um tanto quanto civilizadas, mas não menos cruéis que as utilizadas por nossos selvagens ancestrais. Damos restos de alimentos, sobras de roupas, tempo ocioso, trocados de dinheiro que não fazem diferença. Abrir mão do essencial pelo conforto dos semelhantes é o não-natural, atitudes que se confundem com o sacerdócio, por serem sobre-humanas.

Sobre este fundamento se apoiam as religiões, teorizações místicas sobre o sobrenatural. Os maiores exemplos de homens santos são aqueles que se dedicam ao próximo, com abnegação e altruísmo tão exacerbados que diferem do resto dos mortais. Somos, em essência, violentos pelo instinto da vida e egoístas pela ansiedade do futuro.

Isto não varia, das denominações cristãs aos raelianos clonadores de Ets. O bíblico Jacó explorou a fome de seu irmão, Esaú, e conseguiu a sua primogenitura em troca de um simples prato de lentilhas. O esporte é a sublimação desta necessidade de se demonstrar a superioridade individual. Não varia no dia-a-dia das pessoas, nas religiões, nos relacionamentos íntimos, nas ações comunitárias.

Por quê deveria ser diferente no direito público? Como fazer prevalecer a igualdade jurídica entre personas diferentes?

É necessário se atingir um parâmetro onde os direitos de cada cidadão possam ser respeitados e o senso comum prevaleça sobre pontos de vista individuais. Este é o desafio dos legisladores: fazer a correta leitura do status quo e dar-lhe a forma de mandamento, sem atribuir privilégios a quem quer que seja. Com respeito às diferenças para que todos possam ter direito à igualdade.

A verdade é uma só. Qualquer sistema previdenciário que tenha garantida a cobrança compulsória de todos os trabalhadores dá certo. Só o oficial é deficitário por conta de desmandos e roubo puro e simples. Não é possível que o governo faça vista grossa a tantos devedores privilegiados, e puna os assalariados com um “benefício” que sequer é opcional.

No meu entender, esta reforma profunda é necessária. Mas não vai acontecer, por tudo que argumentei acima. A política parece alimentar o estigma de que não se pode desagradar ninguém e esta omeleta não se faz sem se quebrarem muitos ovos.