quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Cores da bandeira

Diante da bandeira do Brasil, devo confessar a emoção que sinto cada vez que sou levado a contemplar as cores verde, amarelo, azul e branco. Dizia um professor meu, Gerhard Wilda, um artista plástico, que a bandeira brasileira era feia. Que não há harmonia estética possível entre o verde e o azul; a sobreposição de formas retas e arredondadas raramente surte efeito plástico agradável. Lógico, tudo isto sob um olhar distanciado do senso patriótico e cívico. E, não podemos negar, o frase Ordem e Progresso diz tão pouco deste povo natural e elegantemente desordenado, que o progresso nem sempre encontra aspiração no modo simples de viver dos brasileiros. Comte e seu positivismo pareciam não saber muito da alma do brasileiro.

Eu dizia da emoção que sinto ao ver a nossa bandeira. Sentimento que se confunde em minha cabeça, já que aprendi a importância dos símbolos da Pátria sob pressão das botas da ditadura militar nos anos 70. Na época, o conceito de Pátria se confundia com o respeito à autoridade militar, à obediência cega, à negação do caráter humanista e libertário que impregnou a minha juventude. O Hino Nacional era decorado às expensas de ameaças e rigor exagerados. A bandeira hasteada era antes o símbolo de um poder usurpado do que o símbolo legítimo de uma pátria ultrajada.

Lembro-me bem de ter chorado, de frustração e revolta, quando o Brasil ganhou a Copa do Mundo de 1970. Jovem, eu saí às ruas com uma improvisada bandeira verde-amarela feita dos restos de uma cortina velha, tentando absorver daquele povo delirante um pouco de seu entusiasmo. Poucos minutos depois eu voltava para casa, sem conseguir me contagiar. E sem a bandeira, arrancada das minhas mãos e que se perdera na multidão. Nunca mais consegui identificar na exaltação das massas o caráter cívico e patriótico que a bandeira deve suscitar. Para mim, o respeito se manifestava em silêncio, respeito e temor, infelizmente.

A bandeira, como um símbolo, voltaria à minha vida somente muitos anos depois, na educação de meus filhos. Ali ressurgiria para mim o verdadeiro sentido cívico de amor pela Pátria, entendida como o amálgama de todas as raças, religiões, suores e amores. Aos poucos ia notando que aquele pedaço de tecido entrelinhava mais do que apenas cores e texturas: ele retratava a fisionomia carregada de sol do sertanejo, o desprendimento decorrente da fusão de culturas, a alegria contagiante das praias, a energia do trabalho, a sensibilidade do amor ao próximo, o vigor da organização popular, a catalisação de todos os anseios, a evasão da culpa na convicção de que todos somos irmãos, e filhos do mesmo atavismo histórico que nos impulsiona como Nação.
Somos uma Nação rica, porque feita de contrastes; humana, porque feita das raças; cordial, porque feita de amizades; soberana, porque feita de lutas e desejos de liberdade que não esmorecem diante da opressão. Convivemos com o belo e o ridículo; somos inteiros quando nos doamos e somos metade quando reivindicamos nosso quinhão.


Somos um tanto néscios ao discutirmos nossos direitos. Muitas vezes deixamos de lado nossos interesses genuínos e agimos como inocentes cordeiros da especulação internacional, espectadores de um crescimento que nada tem a ver com a nossa tradição e nossas raízes.
Chega de deliverys, drive thru, shopping centers. Chega de jeans, t-shirts, fast food, ice cream. Somos pegue-pague, somos cururu, somos saci, chá de erva-cidreira. Somos bossa-nova, somos chapéu de couro, cheque pré, pó de guaraná. Somos a tanga ao sol, somos alegria, somos futebol, ora bolas.


Esta bandeira é para ser o símbolo de tudo o que somos. Bons ou ruins, sérios ou destrambelhados, chiques ou desdentados. Somos o país do futuro que aprende no presente com os erros do passado. Tudo o que queremos é o nosso presente agora, tingido com as quatro cores de nossa bandeira, se preciso com o vermelho de nosso sangue, para que possamos dizer a todo o mundo, de cabeça erguida e com verdadeiro orgulho cívico: nós somos brasileiros.

(Discurso no Dia da Bandeira, Rotary Club de Mogi Mirim, 2003)

2 comentários:

Anônimo disse...

Que mal pergunte, quando é que vão aportuguesar o nome do Rotary Club, tal qual fizemos com o futebol citado neste discurso como exemplo de brasilidade?

Rui Motta disse...

Talvez quando aportuguesarem o drive-thru, o delivery, shopping, socialite... Rotary não é um exemplo de brasilidade, é um exemplo do que poderia ser o Brasil que um dia sonhamos e não temos competência para realizar.