segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Trote violento e cidadania


Há tantas dificuldades a serem superadas para ingressar em cursos de nível superior que o rito de passagem merece e deve ser marcado de forma definitiva na vida das pessoas, assim como a graduação final é uma etapa importantíssima que sempre é celebrada como o cumprimento de uma tarefa e início de uma temporada de maior responsabilidade pessoal, profissional e acadêmica.


O trote sempre teve o espírito de informalidade e quebra de padrões, transformando o acesso às faculdades em uma grande festa, uma comemoração que tinha por princípio entrosar os calouros com os veteranos, como preparando a introdução a uma vida acadêmica de muito trabalho e dedicação. As tradições de cortar cabelos, pintar o rosto dos novatos e descaracterizar as roupas remontam à Idade Média, quando os jovens camponeses eram admitidos em escolas dos nobres, não sem antes terem as roupas rasgadas no vestíbulo das instituições, cabelos cortados e serem cobertos de remédio para piolhos e parasitas, para que não contagiassem os filhos da nobreza.

As distorções não tardaram e o que deveria ser sempre uma atividade de congraçamento e boas-vindas se tornou brincadeiras de humilhação, de mau gosto, violência, agressões e, em casos mais dramáticos, morte. Os trotes passaram a ser mal vistos por parcela da sociedade e muitas instituições trataram de interferir na forma de comemorar, assumindo a responsabilidade sobre o que acontece neste período, mesmo fora dos campi. Os abusos aos poucos foram sendo substituídos por atividades inteligentes, de cunho social e comunitário, mesmo sem perder o caráter festivo e de confraternização.

Alguns nichos ainda resistem aos novos costumes. Ainda é possível ver jovens estudantes humilhando-se em semáforos, esmolando para a aquisição de bebidas alcoólicas para veteranos, em atitude que não tem o menor resquício de comemoração ou entrosamento. E persistem abusos, como o registrado na quarta-feira, quando um mendigo foi agredido por estudantes de Direito ao se aproximar do local onde era aplicado trote em calouros. Abusando da condição frágil da vítima, os alunos rasparam seu cabelo, sobrancelhas, ele teve braços e pernas pichados, dentadura quebrada e ainda suas roupas encharcadas de bebida.

Não há explicação ou justificativa para estes gestos, por mais inconveniente que a vítima possa ter-se mostrado pela dependência alcoolista. A condição de pretensa lucidez dos estudantes apenas agrava a intenção de agressão, mostrando um total desrespeito pelo ser humano, em ato demonstrativo de selvageria e péssimos costumes. A Polícia deve lidar com o assunto com a seriedade que a agressão requer e a instituição educacional rever seus critérios de disciplina, estabelecendo condições para que seus alunos usem o pretexto da volta às aulas para mostrar seu lado menos educado. É preciso despertar em todos a consciência de que festa não suprime os limites de civilidade e respeito.

(Correio Popular, 7/2)

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