terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Má política traduz 'vícios de amizade'


Praticamente não há mais surpresas na vida política brasileira. A sucessão de escândalos começa a se tornar previsível, como se fosse possível apostar em quem será o próximo protagonista de alguma denúncia de corrupção ou malversação do dinheiro público. Candidatos não faltam para serem apontados como os novos malfeitores, tantos políticos envolvidos em enriquecimento ilícito, violência, crimes eleitorais, além dos desmandos e abusos correntes da vida pública.

Torna-se emblemática a renúncia do recém nomeado corregedor da Câmara Federal, o deputado mineiro Edmar Moreira (DEM), envolvido em tantas irregularidades, há tanto tempo, que o desafio maior é entender como pode prosperar uma carreira política antecedida por golpes, empréstimos suspeitos, desvio de dinheiro. Não apenas um histórico político que o credencia somente diante de seus eleitores, mas junto a bancos e órgãos do governo que lhe dão cobertura e estendem privilégios.

Chama a atenção o imbróglio que resultou na renúncia do indicado a Corregedor e segundo vice-presidente da Câmara. Não bastasse a extensa lista de irregularidades nas contas particulares e de empresas administradas pelo deputado e sua família, ressaltou o castelo medieval de 36 suítes construído em São João Nepomuceno, em Minas Gerais, avaliado em R$ 25 milhões, que se configurou um escândalo para quem esteve à beira da falência em 2006 e foi socorrido pelo Banco do Brasil em operação que não levou em consideração todo o histórico de inadimplência. Somente em cartórios de São Paulo há 123 protestos correspondentes a dívidas de R$ 551 mil. Não faltam fraudes no INSS, cheques sem fundo, protestos em nomes das empresas da famílias, um quadro que desqualificaria a maioria dos cidadãos às linhas de crédito.

Quando a classe política carece de um esforço concentrado para limpar a sua tão degradada imagem, os eleitores são confrontados com informações que denunciam um quadro de verdadeiro compadrio que faz com que as picaretagens e absoluta falta de ética sejam acobertadas entre eles, a ponto dos líderes partidários e o próprio presidente da Câmara Michel Temer terem articulado uma saída "honrosa" para o deputado, quando deveriam colocá-lo na Corregedoria da Câmara, mas na qualidade de investigado. O próprio deputado cunhou a expressão "vício de amizade" para definir a relação entre parlamentares que impede a correta apuração de corrupção e gastos irregulares.

Longe de ser um exemplo único, o caso do deputado Moreira traz ainda um componente que inquieta a opinião pública. Mesmo diante de tantas evidências, documentos e passado comprometedor, tudo o que se discute hoje na esfera política é apenas o afastamento dos cargos relativos à mesa da Câmara, sequer se cogita um afastamento ou condenação por falta de decoro parlamentar. Com vícios de amizade como este, vai-se perpetuando a imagem de desfaçatez que hoje cobre de vergonha a política brasileira.


(Correio Popular, 10/2)

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