quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Quem tem medo da verdade?


Reproduzo abaixo parte do texto de Rodrigo Viana, publicado no blog Conversa de Botequim, do meu amigo Bruno Ribeiro. Ao final do texto, um link para o texto integral. Uma discussão que merece todos os pontos de vista. Concordo com 90% dos argumentos abaixo.

Numa atitude cafajeste, alguns setores da sociedade brasileira apresentam a “proposta” de – ao se instituir uma Comissão de Verdade sobre a ditadura – investigar-se “os dois lados”.
Não faz o menor sentido.
É como se, ao fim do nazismo, alguém propusesse: “Ok, vamos investigar os carrascos, mas é preciso levar ao banco dos réus também os judeus que resistiram ao legítimo regime nazista”.
Estou a exagerar? Não creio.
Os militantes de esquerda já foram punidos: alguns julgados, muitos presos e torturados, vários executados, encarcerados.
Falar em “investigar os dois lados” é torturar de novo os que sobreviveram, é torturar a memória dos que se foram.
Isso é cafajestagem. Não há outro nome.
É preciso investigar os que seguem impunes. Assassinos e torturadores.
A Justiça poderá puni-los? Talvez. Mas o principal é estabelecer a verdade. O resto é consequência.
Respeito aqueles que – como o professor Paulo Brossard, por exemplo – manifestam sua opinião contra a revisão da “Lei de Anistia”. Ex-ministro, humanista, Brossard não apela para a cafajestagem. Ele acha que a lei é fato consumado e que impede punição aos que atuaram na ditadura.
Humildemente, eu que não sou jurista, mas já entrevistei muita gente sobre esse assunto, gostaria de lembrar: a “Lei de Anistia” não precisa ser abolida para que a Comissão de Verdade se estabeleça.
A Comissão não vai punir ninguém. Vai, simplesmente, fazer um relatório oficial – conduzido por representantes da sociedade, mas com aval do Estado brasileiro – sobre as atrocidades cometidas por agentes do Estado durante a ditadura. A Comissão vai dizer: “fulano foi preso em tal circunstância, foi preso em tal instalação militar, torturado sob as ordens do comandante tal e qual, desapareceu no dia tal, sabe-se que o corpo foi levado para tal vala comum etc.”
É uma satisfação às famílias. É um acerto de contas com a memória do país. Na Argentina, no Chile (e também na África do Sul, ao fim do Apartheid) comissões desse tipo se estabeleceram.
No Brasil, o Estado omitiu-se. Coube a Dom Paulo Evaristo Arns (então arcebispo de São Paulo, até hoje detestado por parte da elite brasileira, por ter-se posicionado contras as violações e abusos) comandar a investigação que resultou no relatório “Brasil, Nunca Mais”.
Não foi o Estado que fez a investigação. Mas um grupo da sociedade civil. Sem acesso a arquivos, com todas as limitações que se possa imaginar. O Estado brasileiro precisa prestar contas do que se passou.
As Forças Armadas, inclusive, não merecem carregar esse fardo do passado. Sem dar nomes, sem um acerto de contas, o passado vai voltar a assombrar o Brasil e os militares (e a imensa maioria deles não tem responsabilidade pelos atos cometidos durante a ditadura).
A Comissão é necessária, é justa, está baseada em boas experiências internacionais. Não há nada de “revanchismo” nisso. Revanchismo seria pegar os torturadores e pendurá-los no pau-de-arara, ou arrancar-lhes as unhas e dentes. Não é isso que se propõe. Mas um acerto de contas civilizado.
Pode-se entender, ao fim de tudo, que não se poderá punir ninguém. Essa é outra discussão, que se dá no STF.
A OAB entrou com uma ação, pedindo que o Supremo decida: torturador pode ou não ser punido? A Lei de Anistia protege os torturadores?
Há quem entenda que não. O argumento é o seguinte: tortura é crime contra a Humanidade, imprescritível, e o Brasil assinou tratados internacionais nesse sentido; portanto, Lei nenhuma pode valer mais do que tratados internacionais. O STF vai decidir.
Enquanto o STF não decide, algumas famílias usam uma estratégia inteligente. A família Teles, por exemplo, entrou com uma ação declaratória, na Justiça, pedindo que o coronel Brilhante Ustra fosse declarado responsável por torturas quando comandou DOI-CODI em São Paulo. O juiz, em primeira instância, deu ganho à família.
Vejam: é uma ação cível. Não se trata (por hora) de punir Ustra (até porque ele poderia trancar a ação usando justamente a “Lei de Anistia”).
Imaginemos que o STF entenda que torturador não pode ser punido penalmente. Seria lamentável. Mas teríamos que respeitar.
Ainda assim, a Comissão de Verdade poderia concluir seu trabalho. E, ao final, dezenas de “ações declaratórias” (como a ajuizada pela família Teles) poderiam ser abertas, com base no relatório da comissão.
As famílias têm sido ignoradas pela grande imprensa no Brasil. Os jornais estão ocupados em fustigar o presidente Lula – acusando o governo de “revanchismo” nesse episódio.

(Rodrigo Vianna)

Leia mais em http://cosmo.uol.com.br/blog/blog.php?blog_id=12

Um comentário:

Fernando Parizi disse...

Apenas para refletir um pouco. Será que o autor sustentaria os mesmos argumentos se a situação fosse inversa, com as Forças Armadas tentando implantar - e não impedir - o comunismo no Brasil, recorrendo, para tanto, ao uso das baionetas e a técnicas de tortura? Hoje sabemos que a esquerda, tanto quanto a direita, gosta muito de dinheiro, principalmente dinheiro público, e tal qual faz tudo para que verdades - que são muitas e relativas - não venham à tona. Um dito popular ensina que bosta seca fede igual a bosta fresca se for cutucada.