quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Receita para um churrasco abençoado


Um brinde para Santo Arnaldo, São Medardo e São Venceslau! Afinal, sem eles, a sexta-feira de muita gente não seria a mesma. Os três são os santos padroeiros dos cervejeiros. E num país onde não faltam reuniões regadas a um bom churrasco com uma cervejinha, nada como procurar a bênção dos padroeiros para garantir o sucesso da festa. A Igreja Católica reconhece como santos padroeiros e protetores vários personagens que podem ser úteis na hora de organizar uma boa festa.

Por exemplo: para preparar um bom churrasco, com a devida proteção dos céus, a receita é bastante simples. Em primeiro lugar, como já vimos, é importante erguer um brinde aos três santos padroeiros dos cervejeiros. Tudo para garantir que as loiras geladas não faltem já a partir do finzinho de tarde da sexta-feira, o já consagrado dia nacional da cerveja. Dependendo de seus convidados, um vinho pode ser um bom acompanhamento e, para isto, é aconselhável dar uma palhinha com São Vicente, o Diácono, padroeiro dos vinicultores, para garantir o abastecimento.
Previna-se contra a chuva. Mande o seu recado para São Pedro para evitar a garoa e outro para São Medardo, que cuida das tempestades.


Para as picanhas, costelas e maminhas é necessário um certo planejamento. Experimente acender uma vela de sete dias no começo da semana para São Bartolomeu, padroeiro dos açougueiros, para já ir separando as melhores peças para o grande dia. E conte com uma ajuda de São Vicente Ferrer, padroeiro dos churrasqueiros, para contratar os pilotos de churrasqueira e não ter nenhum trabalho no grande dia.

É imprescindível a ajuda de São Lourenço, que cuida dos cozinheiros, para a maionese, arroz e farofas. Sem esquecer do molho vinagrete, temperado com as bênçãos de São Vicente de Zaragoza, o santo dos produtores de vinagre. Os pãezinhos chegam à mesa graças à intervenção de Santa Isabel de Hungria e São Nicolau de Mira. Os docinhos para arrematar saem sob a celestial providência de Santo Honoreto de Amiens, padroeiro dos doceiros.

Por fim, com tudo preparado, faça uma rápida oração para Santa Marta, que vai proteger os garçons contra a pressa dos famintos e o mau-humor dos impacientes convivas.

Se for o caso, uma atenção especial de Santa Cecília garante a música para animar o churrasco. Se os seus amigos costumam abusar um pouco no fim da festa, ainda pode ser acionado São Fiacre, que garantirá os motoristas de táxi para levar para casa os que passarem do limite.
Se nem tudo correr bem, não se desespere. Lembre-se de Santo Expedito, o protetor dos desesperados.


Um altar dedicado a Santa Viviana pode ser montado até com antecedência. Ela é a protetora mística contra a ressaca alcoólica. Se o problema for de má digestão – bastante provável – há pelos menos três santos de plantão para os males do estômago: Santa Juliana Falconiere, São Brice e São Wolfgang.

No dia seguinte, a dor de cabeça pode ser superada acendendo uma vela para São Denis. Se for daquelas fortes mesmo, peça o reforço para São Gereão e Santo Estevão.

Se o problema for explicar para a mulher porque chegou tarde em casa, implore as bênçãos de Santa Rita de Cássia, que administra Crises no Casamento. Mas não se esqueça que ela também se ocupa das causas impossíveis.

E, por fim, se diante de tantas tentações você estiver de dieta e não puder beber, só lhe resta um último recurso poderoso: São Judas Tadeu, das causas perdidas.

Woodstock, um sonho inventado


A ressaca do dia 18 de agosto de 1969 ainda iria demorar alguns anos para ser percebida. Quando Jimi Hendrix deu os acordes finais de sua apresentação na manhã daquela segunda-feira, e apenas retardatários ainda estavam em meio ao lixo de Woodstock, não acabava um festival. Começava a maior fábula da música pop, alimentando sonhos de várias gerações.

O festival deve ser entendido com a ótica daquele tempo. O filme demorou um ano para chegar ao mercado americano. No Brasil, pouco se ouvia falar do que acontecera, somente os mais ligados no undergound liam poucas notas na imprensa alternativa. Até que o filme explodiu nas telas dos cinemas daqui, com um atraso de ano.

Vocês imaginam o que significa para um jovem de 17 anos que nunca tinha visto clipes de rock entrar num cinema para ver aquele som alto e em cores, sem a mãe berrar para abaixar o volume? Pois eu lembro de ter assistido 23 sessões consecutivas do filme, muitas vezes trancando-me no banheiro do cine Ouro Verde, na rua Conceição, para assistir à sessão seguinte sem pagar ingresso. E ouvia à exaustão os cinco discos em vinil que foram lançados no Brasil - e que guardo com fervor devotado de roqueiro maníaco – recompondo cada passo do que deveria ter sido aquela festa. Até hoje tenho a versão do filme em casa, numa fita quase transparente de tanto tocar, preferencialmente durante um gin tônica ou cuba libre.

Parece exagero? Pois a única coisa próxima do delírio de Woodstock eram os filmes água com açúcar dos Beatles (Hard Day’s Night e Help, hoje geniais para mim), longe da pregação de rebeldia que bem cabia à época. Ou raríssimos vídeoclipes em preto e branco que passavam na TV Cultura nas tardes de domingo.

Explico porque Woodstock é uma fábula. As informações eram raras (lembrem-se, ainda não havia internet) e o material disponível sobre o acontecimento eram recortes das revistas Manchete e Cruzeiro, o filme de Michael Wadleigh e os discos. Ninguém sabia nem mesmo quem tinha tocado e somente depois ficou-se sabendo que o filme, legal, foi bastante mal intencionado.

De resto, sobrava reabastecer os copos, sacudir o corpo e viajar, inventar toda a história. O que aconteceu, na verdade, não tinha a menor importância.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Um homem também chora

Um homem também chora
Menina morena
Também deseja colo
Palavras amenas...

Precisa de carinho
Precisa de ternura
Precisa de um abraço
Da própria candura...

Guerreiros são pessoas
Tão fortes, tão frágeis
Guerreiros são meninos
No fundo do peito...

Precisam de um descanso
Precisam de um remanso
Precisam de um sono
Que os tornem refeitos...

É triste ver meu homem
Guerreiro menino
Com a barra do seu tempo
Por sobre seus ombros...

Eu vejo que ele berra
Eu vejo que ele sangra
A dor que tem no peito
Pois ama e ama...

Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho...

E sem o seu trabalho
O homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata...

Não dá prá ser feliz
Não dá prá ser feliz...

(Um Homem Também Chora, Gonzaguinha)

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Chuvas de verão

Podemos ser amigos simplesmente
Coisas do amor nunca mais
Amores do passado no presente
Repetem velhos temas tão banais

Ressentimentos passam como o vento
São coisas de momento
São chuvas de verão
Trazer uma aflição dentro do peito
É dar vida a um defeito
Que se extingue com a razão

Estranha no meu peito
Estranha na minha alma
Agora eu tenho calma
Não te desejo mais

Podemos ser
Amigos simplesmente
Amigos, simplesmente
E nada mais

(Chuvas de Verão, Fernando Lobo)

As viúvas da desgraça

Escrevi, certa vez, que “surge um novo Lula. Maquiado, manipulado, travestido, dissimulado. Um Lula que não convence ninguém, evasivo em suas colocações, medroso quanto às próprias convicções, um traidor de sua própria história. Tornou-se portador de um discurso que caberia na boca de qualquer líder do PFL, que não o torna diferente de FHC. É hoje um personagem grotesco que chocou até seus próprios companheiros”. Este texto tiro de um artigo escrito e publicado neste espaço em julho de 2002, em que, pretensiosamente, exercitava um pouco de premonição.

Em março de 2003, ocupava novamente este espaço com o artigo “Sem medo e sem esperança”, onde escrevi: “Nas primeiras medidas práticas anunciadas pelo governo petista, já começam a aparecer os pequenos desníveis entre o que se fala e o que será feito. Exemplos há de monte”.

Pois bem, em ambos os casos sofri desatinadas críticas. Não ligo, exerço apenas o meu pesado ofício de expressar o que penso. Mas não posso esconder uma íntima satisfação de, agora, ter sido o portador do que à época parecia recalcada impressão. Ninguém de sã consciência pode ficar feliz com o desacerto institucional, o que seria uma absoluta irresponsabilidade. Falo, apenas, daqueles pobres inocentes que acreditaram.


Que o rei está nu, todos sabem. Caíram a máscara, a arrogância da certeza, o pressuposto da virtude, as vestais do partido. O rei está nu e é muito feio.

(...) Às viúvas da desgraça tenho usado um argumento contundente: foram vocês que convenceram milhões de brasileiros de que Lula era um homem preparado, que para exercer a Presidência bastava ter boas intenções. Não venham agora negar a biografia do presidente, não finjam ignorar tudo o que foi dito antes da eleição. As regras do jogo foram cantadas com muita antecedência e todos ficaram à espera do butim a ser partilhado.

Para isto, não precisa ser um gênio da premonição, astuto analista político ou mesmo gozar de informações privilegiadas. Bastava ter ouvidos e querer ouvir.

(Trecho de artigo publicado em O Impacto, em junho de 2005)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Os muitos erros de uma tragédia

Mais uma vez todo o Brasil se mostra chocado com o desfecho de outra tragédia humana, a morte da jovem Eloá depois de mais de 100 horas de suplício nas mãos de um ex-namorado desequilibrado, violento e, agora, matador. Todo o incidente mobilizou as atenções ao longo dos dias do cativeiro e a sociedade pôde acompanhar em detalhes todo o processo de negociação e as tentativas de dar fim ao que se tornou o mais duradouro seqüestro da história do Estado de São Paulo.

Passada a tensão maior provocada pela ansiedade de todos, cabe uma reflexão sobre todos os fatos, não apenas para se buscarem culpados pelo desfecho dramático, mas para apontar falhas e soluções possíveis para se evitarem erros como os que se sucederam no incidente. A própria ação policial deve ser vista com reservas, com sinais de evidentes falhas apontadas por especialistas, sendo a mais chocante o consenso de que a permissão da volta da jovem Nayara para o local do cativeiro foi absolutamente equivocada e contrária a qualquer recomendação técnica.

Também merece explicações as trapalhadas na hora da invasão, onde pareceria ser natural que houvesse um correto mapeamento do local, a presunção de que a porta estaria travada por dentro com móveis e até a escada capenga que tornou quase nula a invasão do policial pela janela do aposento ao lado. Os tropeços que resvalam no amadorismo colocam em xeque a competência e preparo da polícia especializada de São Paulo, que na precipitação da ação e na preocupação de atender demasiado à pressão da imprensa no local, cometeu deslizes que transformaram o drama em tragédia.

Não foram poucos os especialistas que condenaram vários detalhes da ação policial, de um primarismo comprometedor. Sabe-se de tantos recursos disponíveis que poderiam ter auxiliado em toda a operação, mas o que se viu foi a precariedade dos equipamentos utilizados, a falta de planejamento e mesmo o elementar isolamento da área, onde se podiam ver repórteres, vizinhos e curiosos interferindo a todo momento na movimentação. Faltou mesmo o estabelecimento de uma linha segura de contato com o seqüestrador, que dispunha de um celular por onde emissoras de televisão conseguiram conversar com o Lindemberg em rede nacional, influenciando no estado de ânimo do jovem que se mostrava alternadamente disposto a se render e levar o caso às últimas conseqüências. Ao ver-se entrevistado em rede nacional, podem ter-se atribuído status de falsa celebridade que lhe deu confiança para prolongar a agonia de suas vítimas.

De todos os erros, o mais sério é o desnudamento da precariedade da polícia paulista. Não seria necessária uma história terrível para se testar a falta de estrutura para atuar no combate a situações de risco. Ao exigir da polícia uma ação efetiva, segura e altamente profissional, a sociedade deve considerar o estado de penúria em que se encontra o aparato de segurança do País, onde faltam treinamento adequado, especialização, armamentos, equipamentos, prédios e instrumentos de operação. Sem isso, corre-se o risco de registrar novas tragédias a cada nova solicitação.

(Editorial Correio Popular, 22/10)

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.


(Poema de Natal, Vinicius de Moraes. 1960)

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Pescador de Ilusões

Se meus joelhos não doessem mais
Diante de um bom motivo
Que me traga fé, que me traga fé

Se por alguns segundos eu observar
E só observar
A isca e o anzol, a isca e o anzol

Ainda assim estarei pronto pra comemorar
Se eu me tornar menos faminto
E curioso, e curioso
O mar escuro, é, trará o medo lado a lado
Com os corais mais coloridos

Valeu a pena, ê ê
Valeu a pena, ê ê
Sou pescador de ilusões

Se eu ousar catar
Na superfície de qualquer manhã
As palavras de um livro sem final
Sem final, sem final, sem final, final
Valeu a pena, ê ê
Valeu a pena, ê ê
Sou pescador de ilusões

(Pescador de Ilusões, O Rappa)

domingo, 19 de outubro de 2008

O deslize do preconceito


O clima das campanhas políticas tende a se aquecer quando a disputa vai se afunilando e os contendores contam com reais chances de emplacar suas candidaturas entre o eleitorado. O desespero da reta final é responsável por atos que beiram o irresponsável e o desatinado, provocando episódios que, ao final, mostram a verdadeira face dos candidatos envolvidos. Não raro, políticos que se apresentam simplórios, falando de planos de governo, evitando ataques pessoais, insistindo em campanha limpa no começo, não resistem a ceder à baixaria e terminam por partir para o ataque ao primeiro sinal de fraqueza ou baixa em pesquisa.


O episódio recente da campanha pela Prefeitura de São Paulo trouxe à discussão a propriedade ou não de se lançarem ataques pessoais contra adversários, mostrando um lado constrangedor que produz efeitos devastadores na opinião dos eleitores. Ao lançar um repto em seu programa de televisão sobre a vida particular de Gilberto Kassab, a candidata Marta Suplicy experimentou o sabor amargo do repúdio da sociedade, revoltada com o nível que se tentou imprimir ao debate. Ao levar aos eleitores o questionamento sobre se o prefeito é casado ou tem filhos, a petista demonstrou intenção de comprometer a imagem pública de seu adversário, como se este "DNA político do candidato" - nas palavras dela própria - pudessem acrescentar informações importantes para esclarecer o eleitor.

Ao querer jogar no imaginário popular a questão da vida particular de Kassab, a candidata petista derrapou na incoerência, ela que sempre se projetou com a imagem de liberal, tolerante, apoiada por todos os estratos de sexualidade que os grupos organizados conseguem distinguir. Marta Suplicy rasgou sua biografia e escancarou o preconceito, ao tentar atribuir ao adversário uma homossexualidade como fator de desprestígio. Ainda que a pergunta pretendesse apenas colocar em evidência a vida familiar de Kassab, nada disso justifica a grosseria e impropriedade do que a pergunta sugeriu.

Como em tantos outros episódios anteriores, o tiro atingiu o próprio pé. As manifestações contrárias já sufocaram as infantis tentativas de desdizer o grave engano. As pesquisas explicam em parte o desespero da candidata petista em tentar reverter os resultados no segundo turno. Tomados pela premência de conquistar votos, os candidatos lançam-se no desespero da desqualificação política, a exemplo do que acontece também no Rio de Janeiro, com a distribuição de panfletos apócrifos com publicidade negativa contra o candidato Fernando Gabeira.

Com a construção do tabuleiro das eleições de 2010, os resultados das principais capitais passam a ser estratégicos. O próprio presidente Lula cuidou de se afastar prudentemente da campanha paulistana para não se sujar nos respingos da derrota eventual do partido que era o favorito e vem perdendo espaços a cada semana. No mais, o prejuízo já está contabilizado, como se já não bastasse o emblemático e desprezível "relaxa e goza" da crise aérea.

(Editorial do Correio Popular, 17/10)

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Rimbaud e os poetas

Um poeta se torna um visionário por meio de uma longa, ilimitada e sistemática desorganização de todos os sentidos.Todas as formas de amor, sofrimento, loucura: ele busca a si mesmo, exaure dentro de si todos os venenos, e preserva sua quintessência...

Obtém o desconhecido e se, demente, enfim perde a capacidade de compreender suas visões, pelo menos ele as teve!

Então, o que importa se for destruído em seu vôo extasiante por entre coisas nunca ouvidas, inomináveis? Outros horríveis trabalhadores virão; eles começarão no horizonte onde o primeiro caiu!

(Arthur Rimbaud, carta a Paul Demeny, 15 de maio de 1871)

A dengue, de novo


O clima brasileiro não tem as rígidas marcações de cada estação, havendo intervalos tão irregulares quanto imprevisíveis são as variações climáticas. O que é certo é que, com a chegada do tempo das chuvas e do calor, uma ameaça se restaura sobre a saúde das pessoas: a dengue. Adormecida pelo período de não proliferação do mosquito transmissor, a doença ainda é um risco a que todo brasileiro está sujeito, enfrentando sérias dificuldades do que poderia ser um combate da maneira mais simples, com a limpeza e saneamento.


O Ministério da Saúde desencadeou uma campanha em nível nacional para promover ações para conter a epidemia neste segundo semestre. Com a edição do Mapa da Dengue no Brasil, listou as cidades onde as infestações foram mais notadas e onde os esforços de contenção serão mais intensos.

É surpreendente que, em pleno século 21, com a multiplicação de recursos de informação e estrutura de saúde, ainda se tenha que conviver com uma doença que requer apenas atenção, higiene, cuidados básicos e saneamento. Segundo estudo da Secretaria de Estado da Saúde, a localização de focos do mosquito está em pratos e vasos de plantas com água em 28,9% dos casos. Materiais inservíveis como pneus usados, vasilhas, entulho, plásticos descartados, são responsáveis por outros 13,1% dos locais que deram positivo para o vetor da dengue no Estado. Esses dados reforçam a tese de que muitos dos casos de dengue poderiam ser evitados com simples atitudes de cidadania e colaboração com as autoridades.

Não bastasse a insensibilidade de grande parte da população em atentar ao risco de contaminação que não tem limite geográfico ou classe social, há ainda a irracional relutância em permitir o trabalho dos agentes de saúde na fiscalização e orientação nas casas. São bem-vindas as leis como as que autorizam a entrada de funcionários da Vigilância Sanitária em residências diante da resistência de proprietários ou impõem responsabilidade às imobiliárias diante de imóveis vazios. O que não é compreensível é uma região que ostenta um alto padrão de vida, de responsabilidade social e influência ter que se sujeitar ao risco de uma doença que poderia ter sido erradicada com ações simples e baratas de civilidade.

(Editorial Correio Popular, 16/10)

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Paulo Menino

Esta é a história de Paulo Menino.
Paulo Menino é um garoto tímido.
Quieto, calado, sem voz.
Dono apenas dos sonhos de criança
Sonhos de um dia ser gente - gente grande
Para viver o que não sabia e amava.

Numa tarde de inverno, fria, chuva
Numa pequena sala gelada, escura
A família reunida com um falso sorriso nos lábios
Queixava-se da vida - e riam
Esperança de dias melhores, mais ricos.

Paulo Menino levanta-se - sorrindo
E sorrindo sempre vai aonde está a irmã - Menina
De suas mãos arranca uma boneca - sorrindo
E com os dentes violentos - violentando
Arranca a cabeça da boneca - menina
E a lança para explodir no colo - criança
Como uma granada cheia de sangue e restos de cabelo.

Lições da crise

Quando as comunidades começam a se compreender como nações, como grupos organizados em seus estamentos econômicos, há a necessidade de se instituir um sistema de pagamento e recebimento de valores que dê dimensão adequada à troca de mercadorias, sistema impensável no sistema maior em que produtos, bens e serviços entram na cesta de consumo das pessoas. A criação do dinheiro não é nova na história da Humanidade, mas ganhou dimensão globalizada a partir da Idade Média, com a circulação maior de pessoas ao redor do mundo em ações que excediam o mero interesse de conquista ou expansão de poder.

Após um longo período de bonança e bons frutos especulativos, a crise mundial finalmente se apresentou. Deu sinais exteriores desde o ano passado, mas foi somente agora que a tampa da panela de pressão foi projetada ao teto, para escândalo e surpresa de muitos. O sinal de alerta máximo foi acionado e estima-se que o estrago na economia mundial seja comparável ao baque de 1929, de terríveis conseqüências. Aos primeiros sinais do problema, o governo brasileiro foi ágil para subestimar os efeitos sobre a economia local; agora, admite ter injetado US$ 3 bilhões em leilões e algumas "marolas" no sistema.

Passado o afogadilho do primeiro impacto, a hora é de esperar o efeito do remédio amargo experimentado por todas as nações que apostaram numa economia de mercado especulativa, de capitalismo puro, indiferente à economia de caráter social e produtiva. Os estragos ainda estão para ser contabilizados, mesmo com o presidente Lula comportando-se como um comandante de Titanic, negando sempre a gravidade da situação.

O episódio suscita algumas lições e análises. Agora se tem a dimensão do quanto a economia brasileira refletia um clima de calmaria externa, permitindo um alto grau de crescimento e desenvolvimento, com seara tranqüila para investimentos. Mérito de uma política séria e objetiva, traçada desde antes do atual governo, que fez com que o Brasil navegasse em águas calmas por tantos anos. Errou o governo em avaliar que os gastos em programas assistencialistas e não sustentáveis poderiam ser mantidos indefinidamente, sacando recursos de um superávit que corre o risco de diluir-se na tormenta. Resta agora acompanhar atentamente como o governo vai se comportar frente à crise, onde a primeira arma é a contenção de gastos e seriedade administrativa.

(Editorial do Correio Popular, 14/10)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

A gíria é a cultura do povo

Toda hora tem gíria no asfalto e no morro
porque ela é a cultura do povo
Pisou na bola conversa fiada malandragem
Mala sem alça é o rodo, tá de sacanagem
Tá trincado é aquilo, se toca vacilão
Tá de bom tamanho, otário fanfarrão

Tremeu na base, coisa ruim não é mole não
Tá boiando de marola, é o terror alemão
Responsa catuca é o bonde, é cerol
Tô na bola corujão vão fechar seu paletó

Se liga no papo, maluco, é o terror
Bota fé compadre, tá limpo, demorou
Sai voado, sente firmeza, tá tranquilo
Parei contigo, contexto, baranga, é aquilo

Tá ligado na fita, tá sarado
Deu bode, deu mole qualé, vacilou
Tô na área, tá de bob, tá bolado
Babou a parada, mulher de tromba, sujou

Sangue bom tem conceito, malandro e o cara aí
Vê me erra boiola, boca de sirí
Pagou mico, fala sério, tô te filmando
É ruim hem! O bicho tá pegando

Não tem caô, papo reto, tá pegado
Tá no rango mané, tá aloprado
Caloteiro, carne de pescoço, “vagabau”
Tô legal de você sete-um, gbo, cara de pau

(A Giria É a Cultura do Povo, Bezerra da Silva)

Caminhante noturno



No chão de asfalto
Eco, um sapato
Pisa o silêncio
Caminhante noturno
Fúria de ter nas suas mãos
Dedos finos de alguém
A apertar
A beijar

Vai caminhante, antes do dia nascer
Vai caminhante, antes da noite morrer
Vai caminhante

Luzes, câmera
Canção, que horas são?
Sombra na esquina
Alguém, Maria
Sente a pulsar
Um amor musculoso
Vai encontrar esta noite
O amor sem pagar
Sem falar
A sonhar

Nochão vê folhas
Secas de jornal
Sombra na esquina
Alguém, Maria
Pisa o silêncio
Caminhante noturno
Foge do amor
Que a noite lhe deu sem cobrar
Sem falar
Sem sonhar

(Caminhante noturno, Os Mutantes)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Lei seca

Quando foi promulgada a nova lei que penaliza os motoristas que dirigem alcoolizados, instalou-se uma das maiores polêmicas no País. O extremo rigor da regulamentação contrastou com a incredulidade da maioria das pessoas, que anteviam a dificuldade operacional de fazer valer o conceito de sobriedade que se exige no trânsito. Vista no rigor da letra, a proibição é exemplar como medida racional, de civilidade, responsabilidade e respeito. Esbarra, porém, nos costumes e hábitos arraigados na sociedade.

As estatísticas mórbidas demonstram a verdadeira guerra que se trava no trânsito diariamente. No Brasil, registram-se mais mortes de vítimas de envolvimento em acidentes de trânsito que por armas de fogo, trazendo um enorme peso referente às perdas de vidas e desperdiçando esforço de atendimento em saúde desviado para o socorro aos tramatismos. Ao inevitável, soma-se a falta de consciência generalizada que faz o comportamento ao volante seja grosseiro, violento, muitas vezes incompetente e irresponsável.

Não foram suficientes os esforços de qualificação dos motoristas e as campanhas por um trânsito mais humanizado. Os abusos continuam a se repetir exaustivamente, levando riscos graves ao tráfego, prevalecendo o baixo grau de cidadania dos brasileiros, desacostumados a levar a sério os limites impostos pela legislação, além de fazer do volante o pretexto para auto-afirmação, para a conquista e exibição. Quando os exageros se somam ao consumo de bebidas alcoólicas, o resultado é previsivelmente trágico: os registros de ocorrências confirmam que o abuso na ingestão de bebidas é responsável pela larga maioria dos acidentes em estadas e nas cidades.

A lei seca veio em momento de educar pela força os motoristas infratores. Implantada com rigor raramente aplicado em outros países, suscitou dúvidas quanto à necessidade de considerar índices tão baixos de concentração alcoólica no sangue. O argumento se fundamentou em que o bebedor eventual seria penalizado junto com o irresponsável, na mesma medida. Certo ou errado, o fato novo trouxe para as mesas a discussão sobre a responsabilidade exigível ao volante.

Sem fiscalização, equipamentos e mesmo autuações que justifiquem o temor, depreende-se que os brasileiros assumiram grande parte da responsabilidade após o debate provocado pelo advento da lei. É preciso que esta consciência se sedimente e renda a segurança que se espera de cidadãos, até o nível em que o rigor de leis desta natureza seja absolutamente dispensável.

(Editorial do Correio Popular, 10/out)

In My Life

There are places i'll remember
All my life though some have changed
Some forever not for better
Some have gone and some remain

All these places have their moments
With lovers and friends i still can recall
Some are dead and some are living
In my life i've loved them all

But of all these friends and lovers
There is no one compares with you
And these memories lose their meaning
When i think of love as something new

Though i know i'll never lose affection
For people and things that went before
I know i'll often stop and think about them
In my life i love you more


(In My Life, Lennon-McCartney)

Amar à distância

Eu sigo essa estrada
À minha frente tenho nada
Só o negro do asfalto
Violando o verde mato.
Então eu salto

Eu tenho o mundo em minhas mãos
Não tenho nada
Eu quero o futuro no presente
E sou passado.

Eu procuro me esquecer
E me lembro de você
A me lembrar.

Que eu sou, eu tenho, eu quero.

Então eu sigo o caminho
Largando pela vida
As coisas que não posso.

Ter saudade é amar à distância.

(Original de 72, sem revisão)

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O bolo da vitória


Atravessar o período eleitoral exige de cada candidato um forte condicionamento cívico, uma ampla percepção da realidade que o cerca e um preparo físico admirável, que resista aos muitos quilômetros caminhados e a dietas que oscilam entre o inconveniente e o constrangedor. Há também a rotina dos abraços fortes e apertos de mão, aproximando ideologias, familiaridade, relações nem sempre cordiais, fazendo amigos por toda a parte. Ser candidato é atravessar um deserto de percalços e pressões, disputando na técnica, na conversa e no comportamento cada voto que será disputado nas urnas.

No longo percurso, os políticos ainda têm que carregar o peso dos partidos, para muitos apenas uma sigla onde se podem acomodar os interesses locais, formar uma indispensável militância, armar uma mesa de negociações, viabilizar constitucionalmente as candidaturas. Mais importante, mas não tão decisivo, os partidos ainda foram concebidos para dar abrigo a ideologias e correntes políticas, procurando dar aos eleitores um sinal ainda que vago das propostas que serão defendidas pelos seus representantes.

As coligações permitidas em lei para a disputa das eleições são uma forma legítima de arregimentar apoios e harmonizar interesses em momentos específicos, dando suporte às agremiações mais fortes e melhor estruturadas, dando oportunidade a que os partidos menores manifestem intenção de colaborar com os futuros governos. Daí surgem as alianças que, no plano teórico da democracia, dão aos eleitos uma base sobre a qual fundear seu governo e a composição política que pode sustentá-los.

Ao partir para a campanha pela reeleição, o prefeito de Campinas Hélio de Oliveira Santos acionou seus contatos para a configuração de uma ampla coligação jamais vista no cenário local, atraindo partidos de todos os matizes e tendências que se abrigaram sob o teto magnânimo de uma administração solidamente instalada e com grandes chances eleitorais. Não foi difícil costurar as alianças de tal forma que até o Partido dos Trabalhadores de Campinas cedeu à conveniência de abdicar de uma candidatura própria para seguir os desígnios emanados diretamente do Planalto.

Passada a festa, escancarado o resultado das urnas, vem o gosto amargo da vitória, a hora de partilhar o butim político de lotear a administração municipal entre todos os interesses e colaboradores. Para o prefeito Hélio de Oliveira Santos, começa a inglória tarefa de repartir o bolo entre tantos convidados, sob o risco de uma severa descaracterização da equipe do primeiro mandato. O vice-prefeito eleito Demétrio Vilagra, em sua primeira entrevista oficial, antecipou que a partilha já está sendo pensada.

Resta saber o quanto a conta a ser paga pelo prefeito e seus aliados será salgada e o quanto pesará para a sociedade que apostou em peso na continuidade do atual grupo no poder.


(Editorial Correio Popular, 8/10)

domingo, 5 de outubro de 2008

Dia D, de democracia

Foi um longo período em que os candidatos se lançaram à corrida para a composição das novas Câmaras de vereadores para os próximos quatro anos, e colocaram-se para dirigir os municípios à frente do Executivo. Em muitos casos, a experiência não é nova, tanto para o acerto quanto para a derrota da maioria, travando-se verdadeiras batalhas para se tornar conhecido, colocar suas propostas na mesa, agradar a sensibilidade do eleitor, mostrar-se apto para o ato supremo de representar parcela da sociedade. Vencido o prazo, a decisão cai inteiramente nas mãos dos cidadãos, conclamados a comparecer às urnas para opinar sobre o destino de suas comunidades.
Os candidatos aguardam agora os resultados das urnas eletrônicas. O veredito será promulgado e deverá espelhar integralmente a vontade popular. Por mais que se possa apresentar críticas à composição final das casas legislativas e à posse dos novos prefeitos, há que se respeitar os resultados, mesmo que reflitam o lado menos politizado do povo que forma esta Nação. A depuração deste conceito somente acontecerá com a conscientização popular e o efetivo engajamento da maioria no sentido de melhorar o depauperado quadro político brasileiro.
O exercício do voto é um direito, mais que uma obrigação, uma conquista árdua, aperfeiçoada através de erros e acertos, superação de períodos de exceção, doutrinamento ideológico da população, desenvolvimento do espírito crítico que desemboca no respeito incondicional à vontade popular. O voto livre, secreto e universal é uma conquista que as novas gerações talvez não avaliem a que custo foi obtida. Irreversível no contexto democrático pleno, a consulta da vontade popular deve ser exercida com serenidade, organização e acesso irrestrito facilitado a todos. O cumprimento da legislação eleitoral dá o tom de seriedade que se espera no desenrolar do processo.
Aos eleitores, cabe a responsabilidade de manifestar sua vontade com consciência e convicção. As campanhas se prestaram a apresentar os candidatos, seus projetos, propósitos e qualidades. A cada um cabe o papel de juiz das intenções e o exercício da confiança. É preciso ter em mente que a outorga de um mandato por quatro anos é decisiva para que os municípios caminhem no sentido de suas vocações. Eleger pessoas despreparadas para os cargos em disputa é ajudar a perpetuar o estado de coisas que hoje escandaliza os cidadãos que realmente se importam com o destino da sociedade.
Cabe lembrar ainda que o voto tem força e conseqüência. Na eleição, pavimenta-se o caminho do futuro e se fortalecem as alianças que se consolidarão daqui para a frente. É a oportunidade de dizer não a todos os identificados com a incompetência, a leniência, a corrupção, aqueles que na vida pública se mostram enganadores, dissimulados, arrogantes. É dizer não aos esquemas, aos favorecimentos, a indissimulada vocação para o proveito próprio. É, enfim, começar a reescrever uma história que poderia ser melhor do que já se viu.


(Editorial Correio Popular, 5 de outubro)

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Vida

Quando alguém perde um pai, é órfão.
Quando perde um amor, é viúvo.
Quando perde um filho, não encontra palavra.
Não é justo.

Segurança a qualquer preço

A sociedade tem a sua proteção garantida pelo Estado, responsável pela implementação dos instrumentos de combate ao crime, cerceamento da violência e manutenção da ordem e da paz. Agindo em todas as vertentes como um corpo operacional, exerce o poder de polícia e justiça, ordenando o comportamento das pessoas e estabelecendo regras de convívio.
Quando o sistema se mostra ineficiente, cresce a indignação e a cobrança por segurança. A população ameaçada mostra-se impaciente e exigente, vítima nas mãos de grupos marginais que a cada dia aprimoram seu modo de agir, organizam-se em projetos ilícitos, colocam em risco a integridade física e patrimonial dos cidadãos. Nesse contexto, crescem os indicadores de violência, potencializados pela ação de uma polícia com limitações de estrutura, que procura resolver pendências com o justiçamento sumário de bandidos e inocentes.
Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) conclui que no Brasil a situação da violência está fora de controle, com a falta de políticas consistentes de segurança e com execuções extrajudiciais promovidas pela polícia. O documento ressalta que os assassinatos de esquadrões da morte, policiais e milícias informais teriam o apoio de boa parcela da população brasileira, que também não acredita em operações grandiosas para garantir a segurança.
A análise esbarra no equívoco de interpretar a tolerância aparente da sociedade como aval para a violência como estratégia para combater o crime. Na prática, é como propor a sumária extinção da lei e assumir o caráter de uma guerra civil para gerir um regime de exceção. Em verdade, as pessoas rendem-se ao inevitável que é a necessidade da sua própria proteção a qualquer preço. Só que não parece disposta a pagar indefinidamente por um sistema que, em essência, é apenas a outra face do crime.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Calem-se as vozes

Não há de ser morto
o que deve matar a realidade oculta de cada um de nós

É preciso atenção.
Ele está no mesmo caminho,
em vez de luzes e ouro,
traz atrás de si um manto púrpura,
negro de horror, roxo de lembranças,
Lembranças de mortes e destruição.

Cada vez mais vermelho.
Cada vez mais sangue.
Cada vez mais morto.

Podre como a vida mais vertente de pavor,
sedento de reação e liderança.
Postemo-nos como guardiões das últimas palavras.
A redenção está no silêncio.
Calem-se as vozes. A revolução está nas mentes.

Volver a los 17

Volver a los diecisiete después de vivir un siglo
Es como descifrar signos sin ser sabio competente,
Volver a ser de repente tan frágil como un segundo
Volver a sentir profundo como un niño frente a Dios
Eso es lo que siento yo en este instante fecundo.

Se va enredando, enredando
Como en el muro la hiedra
Y va brotando, brotando
Como el musguito en la piedra
Como el musguito en la piedra, ay si, si, si.

Mi paso retrocedido cuando el de ustedes avanza
El arco de las alianzas ha penetrado en mi nido
Con todo su colorido se ha paseado por mis venas
Y hasta la dura cadena con que nos ata el destino
Es como un diamante fino que alumbra mi alma serena.

Lo que puede el sentimiento no lo ha podido el saber
Ni el más claro proceder, ni el más ancho pensamiento
Todo lo cambia al momento cual mago condescendiente
Nos aleja dulcemente de rencores y violencias
Solo el amor con su ciencia nos vuelve tan inocentes.

El amor es torbellino de pureza original
Hasta el feroz animal susurra su dulce trino
Detiene a los peregrinos, libera a los prisioneros,
El amor con sus esmeros al viejo lo vuelve niño
Y al malo sólo el cariño lo vuelve puro y sincero.

De par en par la ventana se abrió como por encanto
Entró el amor con su manto como una tibia mañana
Al son de su bella diana hizo brotar el jazmín
Volando cual serafín al cielo le puso aretes
Mis años en diecisiete los convirtió el querubín.

(Violeta Parra)

Coração tranquilo

Tudo é uma questão de manter
A mente quieta
A espinha ereta
E o coração tranquilo

(Walter Franco, já sem trema)