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Circunstâncias trágicas costumam colocar obstáculos ao direito de elaborar o luto e acompanhar os mortos a seu destino final. O crescimento das cidades, as circunstâncias sociais, as carências e a falta de estrutura provocam situações constrangedoras, inaceitáveis diante da fragilidade emocional de todos os envolvidos. O alto custo de um enterro coloca famílias em dificuldades, instadas a contar com a colaboração de pessoas próximas para dar um pouco dignidade ao ato de despedida de alguém querido. Nessas horas, tampouco os mecanismos oficiais são capazes de suprir o atendimento social, que deveria ser desembaraçado e dotado de eficiente suporte, não mascarado em custosos serviços negociados nas horas mais difíceis.
Na edição de domingo passado, o Correio Popular mostrou em detalhes um lado perverso do sistema, com o drama de pessoas falecidas não identificadas, jogadas em necrotérios sem a menor condição, vítimas do abandono e da distância de conhecidos, emaranhadas em questões burocráticas que não se prestam sequer para lhes dar um enterro digno. Literalmente, se deterioram em geladeiras defeituosas, à espera de soluções que se arrastam por meses ou anos.
A reportagem focou a situação trágica de Sumaré, onde a câmara frigorífica do Cemitério da Saudade apresenta defeito há seis meses e três corpos esperam por autorização judicial para serem enterrados. A manutenção e manuseio no local chega ao ponto de colocar em risco de saúde os funcionários, obrigados a entrar nas salas com roupas de proteção para enfrentar o odor demasiado forte. Em setembro, o corpo de um jovem chegou a ficar por 19 horas dentro de um carro funerário numa rua movimentada da cidade, à espera de uma solução ou um destino. Identificado dias depois, foi sepultado sem que a família pudesse velar o corpo.
Uma situação tão embaraçosa quanto inadmissível, fruto da insensibilidade dos responsáveis em emitir autorização para sepultamento e da incapacidade administrativa de prover um novo equipamento adequado. O caso de Sumaré é emblemático pelo enredo trágico, mas a carência não tem fronteiras. A estrutura disponível em muitos municípios beira a indigência e os mortos são tratados como descarte urgente.
Enquanto isto, a sociedade vira as costas para esses seres humanos a ponto de não conseguir identificá-los e ter que sepultá-los sem despedidas, sem acompanhamento, sem nomes, como se ali não estivesse a história de uma vida que se perdeu no anonimato.
(Foto: Augusto de Paiva/AAN)
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