A essência da democracia é a garantia de que o povo estará representado em suas câmaras políticas, fazendo valer seus desejos, harmonizando os interesses da sociedade. Aos políticos, cabe respeitar a vontade popular ao cumprir seus mandatos de acordo com os princípios emanados dos eleitores, como fiéis instrumentos de aplicação da ordem. Uma equação simples que revela que a classe política é realmente o espelho da sociedade, representada em todos os seus matizes, do melhor ao pior.
Ao receberem seus mandatos, os parlamentares têm obrigações e compromissos a serem seguidos fielmente, como clareza de atitudes e total transparência, uma vez que representam a vontade dos que os elegeram. Trair estes princípios comunitários ou julgar-se acima da prestação de contas de seu voto é rasgar a Constituição e outorgar-se mandato singular, cedido aos interesses pessoais, partidários ou de compadres.
O caso da farra das passagens aéreas no Congresso é farta ilustração de como os políticos se distanciam da realidade nacional, advogando benefícios inconcebíveis que se sustentam apenas quando aproveitados na surdina, na disfarçada usurpação do direito público. Aos argumentos de que o usufruto das viagens por parentes, amigos e protegidos é legal, contrapõe-se o arrazoado da imoralidade, da afronta ao bom senso, da desfaçatez com que o benefício é incorporado por uma súcia que não cansa de arrostar o cidadão comum com gastos e ganhos absolutamente incompatíveis com a realidade brasileira.
A resposta que a sociedade deu é que a pretensa legalidade do uso das passagens aéreas deve cair por terra, limitada apenas ao uso regular de deslocamento dos parlamentares a serviço de seus mandatos, tudo sob atenta observação de cada passo. Não é mais possível que os políticos venham a público com disfarçada indignação, prepostos de si mesmos, alegando que haja perseguição da mídia ou uma campanha deflagrada para desmoralizar o Poder Legislativo. Não é necessário articular motivos para alimentar o descréditos da classe política., os fatos e os escândalos são mais que eloquentes.
O clamor da sociedade repercutiu no planalto e o Congresso deu um passo atrás na farra das passagens aéreas. Senado e Câmara Federal estabeleceram normas para impedir os abusos que se cometiam, assim como as verbas indenizatórias. Passado o redemoinho, agora abre-se a discussão sobre aumento de vencimentos de R$ 16 mil para R$ 24,5 mil. Nada mais inoportuno que uma resposta neste nível, justamente no momento em que se esperava o oposto, anúncio de severa contenção de gastos, moralidade explícita e austeridade administrativa. Cedendo às pressões do baixo clero, o Congresso gira em falso no discurso da legalidade de seus atos e continua a faina de amealhar vantagens e benefícios que excedem o razoável.
Precisa quem articule campanha contra um Congresso deste naipe?
(Correio Popular, 2/5)
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