A sociedade se transforma a cada geração, incorporando novos hábitos às tradições que se modificam ao sabor das novidades e da forma como as pessoas se relacionam. Cabe a cada grupo determinar as vantagens de estabelecer comunicação em todos os níveis, respeitando-se os limites do bom senso e da convivência saudável.
Uma tradição que insiste em permanecer é o trote universitário, rito de passagem que marca a entrada de jovens em cursos superiores, que através dos anos assumiu várias características e formatos, que descambaram para a insignificância de comemorações absurdas a partir de cortes de cabelo e pintura de calouros, ou para a violência da agressão física, da humilhação, de barbaridades como exposição a produtos tóxicos, bebedeiras que, em alguns casos, provocaram até a morte. O caso do jovem Edison Tsung Chi Hsueh, calouro de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que morreu afogado durante churrasco em festa de calouros, há dez anos, tornou-se emblemático e símbolo de um movimento pelo fim dos abusos.
Ao início de mais um ano letivo, os trotes voltam ao noticiário, mostrando no geral estudantes sob o domínio de veteranos, obrigados a esmolar em semáforos para custear bebidas, quando não obrigados a ingerir álcool ou expor-se de forma vergonhosa com as roupas ao avesso ou rasgadas. Mas choca ainda mais quando o noticiário traz notícias de violência desmedida para o que deveria ser uma confraternização, ainda que caricata. Os casos de agressões a jovens de universidades de Leme, Santa Fé do Sul e Goiânia apenas exemplificam o que acontece em escala muito maior, talvez sem consequências mais graves, mas igualmente inaceitáveis em se tratando de pessoas presumivelmente cultas e educadas, tornadas elite por terem acesso a um nível de escolaridade que atinge apenas 2% da população brasileira.
O objetivo de integração e aproximação entre calouros e veteranos dificilmente é promovido com ações desta natureza. Pelo contrário, apenas acirra disposições de ânimo para que o círculo de violência se renove a cada ano, assumindo contornos que fogem do controle. Mesmo quando as faculdades gradativamente vão assumindo a responsabilidade e iniciativa de promover ações solidárias e verdadeiramente educativas, alguns poucos grupos resistem e insistem na insanidade de achacarem os novos colegas.
Não se iludam os especialistas que pregam o fim de toda e qualquer manifestação pelo acesso à faculdade. O caráter festivo dos adolescentes e a sensação de mais uma importante etapa cumprida na vida são motivos mais do que justificáveis para a comemoração. O necessário é que a faculdades estejam sempre atentas para conter os abusos na esfera de sua influência, os pais exerçam seu papel protetor e orientador, e os jovens assumam seu direito de celebrar uma vitória particular de modo alegre, festivo, seguro e respeitoso.
(Correio Popular, 15/2)
(Correio Popular, 15/2)
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