Se a política é a arte de argumentar em defesa de ideias, propostas, projetos e intenções, decidindo no jogo de interesses as prioridades da sociedade, o que acontece em Brasília deixa de ser próximo de qualquer forma de arte, menos ainda de política. A capital da República está mais para vergonha nacional que para o centro das grandes discussões, com tantos assuntos urgentes e imperiosos jogados na vala das negociações espúrias e na disputa do butim dos interesses.
A crise que envolve o Senado federal também não é a de maior gravidade que se registrou na história recente. Não foram poucos os escândalos que seriam suficientes para aplicação de sanções sérias contra os envolvidos, numa torrente de denúncias de corrupção, tráfico de influência e desvio de verbas. Mas os fatos se sucedem e as punições ficam para as calendas gregas, dando lugar a novos episódios que têm o dom de mascarar todos os anteriores.
Embora o Senado seja o palco da mais recente onda crítica, o efeito negativo se aplica a toda a classe política, em todos os níveis, não desfazendo de qualquer cargo ou atribuição pública, onde o oportunismo se instala e a impunidade é a palavra de ordem. Os personagens se alternam sob o foco das denúncias, cada qual com maior desfaçatez que o anterior, respaldado pela certeza de que nada lhes poderá ser imposto. Basta ver no cenário político tantos personagens que, ainda ontem, foram protagonistas de processos escandalosos.
A indignação das pessoas toma forma em frequentes manifestações de protesto, em comentários raivosos, em justa ironia que se perde na ineficácia das medidas moralizadoras, desmontadas habilmente pelas articulações eleitorais que se sustentam em si próprias. As crises não acontecem por acaso, sempre se pode identificar o eixo que conecta os fatos, em nefasta interdependência que aumenta a percepção de que o mal está espraiado.
Não bastassem a vergonha e constrangimento que deveriam causar as denúncias de uso de atos secretos para nomeações, os senadores transmitem a todos os brasileiros que a crise ainda pode ser pior. A forma como os coronéis e cangaceiros se trataram em plenário na quinta-feira, trocando ofensas e palavrões, desfez o pouco da aura de respeito que poderia haver no solo sagrado do parlamento brasileiro. Ali, os interesses mesquinhos e as diferenças pessoais se sobrepuseram às questões nacionais, mostrando que o fundo do poço sempre pode surpreender até mesmo os mais otimistas.
O episódio que se abate sobre o Senado assume contornos de circo, com os personagens alternando a gaiatice do palhaço, a habilidade do contorcionista para desviar atenções, a singeleza das bailarinas, a arrogância dos trapezistas que desfiam o perigo contando com a rede que lhes ampara, a fineza do apresentador em traje de gala que mal disfarça o caráter mambembe da trupe. Pelo andar da carruagem, a única coisa ainda respeitável é o público que assiste incrédulo a tudo.
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Um comentário:
Bom texto!!! bjos
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