domingo, 16 de agosto de 2009

O efeito nocivo do denuncismo


Os hábitos da sociedade começam a ser definidos pelos costumes, que se alteram com o passar do tempo e passam a ser controlados pelo bom senso, prevalecendo sempre a liberdade e o interesse do grupo que a compõe. Em casos mais sérios, o proibido é enunciado em leis que são aplicadas com poder de polícia, restabelecendo a ordem e preservando o direito individual.

A chamada lei antifumo em vigor no Estado de São Paulo veio com a melhor das intenções, limitar o consumo de cigarros em ambientes públicos, dando aos não fumantes o direito legal de exigir respeito em ambientes fechados. Com o apoio da lei, estão agora os antitabagistas com o ferramental de fazer prevalecer a preservação de sua própria saúde, segundo o próprio entendimento.

A polêmica estabelecida com a nova lei não se prende a essas intenções, mas no que o governador José Serra imprimiu em tons de inaceitável absolutismo, de rasgos de autoritarismo, ao invadir o espaço privado para impor condições do uso de cigarros. Ao pretender legislar sobre o consumo dentro de empresas, tirando dos proprietários o legítimo direito de decidir a conveniência ou não, o governador escancara uma atitude condenável de se impor pela força.

Quando se trata de lidar com um hábito fortemente arraigado na sociedade como é o consumo de cigarros, é preciso impor as condições com prudência e tato, sem ultrapassar a barreira do que seja sensato. Há tempos que os fumantes veem limitados seus espaços para fumar, numa clara acomodação de interesses e preservação do direito dos não fumantes. Os danos à saúde são argumento irrefutável para a adoção de medidas cerceadoras e, aos poucos, mais e mais ambientes livres do tabaco são convencionados, como restaurantes, aeroportos, veículos de transporte coletivo, prédios públicos e ambientes de trabalho, onde cada um procura conciliar o direito de fumar e o de não se submeter ao inconveniente do tabaco. Seria uma questão de tempo que o fumo ficasse restrito a locais previamente autorizados e nos fumódromos, já institucionalizados como espaço adequado e convenientemente isolado.

Não bastasse a arrogância legal, Serra instituiu a figura do denuncismo, repassando para a sociedade o ônus de fiscalizar e punir infratores, criando antagonismos onde não existiam, incitando atitudes agressivas de pessoas recalcadas que se apoiam numa lei excessiva para destilar o seu ódio antissocial contra os fumantes. O resultado é constrangedor. E, não bastasse o caráter fascista da lei, há ainda os que a apoiam na totalidade, como o vereador de Campinas que propõe a criação de uma linha especial de comunicação para que as denúncias sejam feitas.

Se há um lado perfeitamente lógico e aceitável na tentativa de isolar fumantes, em locais privados e sinalizados, a lei estadual se perde pelos efeitos colaterais e pelo exagero.

6 comentários:

Unknown disse...

Outros nazistas (de 1933 a 1945, o Terceiro Reich) já incentivaram as denúncias e a Europa vive até hoje o complexo de alcagoete que invariavelmente emerge de suas repugnâncias a cada campanha eleitoral.

Quando no ginásio, seríamos severamente repreendidos por denunciar companheiros de classe e quase execrados pelos colegas.

Ex-fumante sou até a favor de limitar o cigarro por suas características prejudiciais, mas ditaduras de fachada para eleição, deveriam ter sido enterradas com as Diretas Já.....!!!!! Isso é apenas "jogo pra torcida"

Xyko Motta disse...

Uma dúvida que eu tenho: a denúncia não colabora para acabar com a impunidade?
Abraço, Xyko.

Rui Motta disse...

Acredito que a denúncia deve acontecer quando um crime está sendo cometido. A venda e o consumo de cigarros são livres, portanto, o cerceamento é arbitrário, imoral e ilegal. Não fumo, mas também não faço campanha política para pessoas com ranço fascista. É como eu digo: a sociedade estabelece os limites naturalmente. A lei é ótima, só que excessiva.

Xyko Motta disse...

Por lei, o consumo de cigarros não é livre, é limitado. Há lugares em que é crime fumar.

Rui Motta disse...

Vamos deixar claro o seguinte. A lei é ótima, o fumo já é proibido em vários lugares - públicos - e agora o Serra quer legislar sobre o comportamento do cidadão dentro da sua empresa. É invasão de espaço e responsabilidade. Sou contra. Quem nãol quiser a fumaça na empresa ou no bar, busque outro. Proibição somente em locais onde a presença não é facultativa. Aí sou a favor inteiramente, aliás, como já acontece. Quando alguém tenta legislar dentro da minha casa, meu modo de vida, onde não forço ninguém a nada, ouço barulho de botas na minha calçada...

Xyko Motta disse...

Meu querido, meu grande amigo Dr. Venâncio Dantas, professor de bioética da FCM-UNICAMP, leu e guardou seu editorial aqui debatido. Ele concordou ipsis litteris com você. Parabéns.
Um abraço, Xyko.