segunda-feira, 23 de março de 2009

Lembranças da infância, de Anita Motta


Quando pequena, gostava muito de brincar na casa da minha avó materna. Tudo lá era mágico e fazia com que eu e meus primos viajássemos em nossa imaginação: um salão cheio de livros e roupas antigas virava barco em um piscar de olhos. E ai de quem abrisse a porta e não passasse pela ponte de vassouras! Imaginação infantil, sonhos reais que sinto falta...

Subir no telhado era a diversão maior: testar equilíbrio e desafiar as ordens de meus avós era o máximo! Numa dessas subidas até o telhado da casa, minha avó viu e, tentando me dar bronca, perguntou-me o que eu fazia lá em cima. Com meu pensamento rápido e numa desculpa mal contada, disse a ela que havia ido buscar uma estrela no céu. Ela deu risada e, com ironia, disse-me para, da próxima vez, trazer uma para ela também.

A partir daí, todas as vezes que eu queria ficar sozinha lendo, escrevendo, ouvindo música ou simplesmente pensando na vida, dizia a ela que estava buscando minha estrela; só estava tentando descobrir onde estava e como tê-la comigo.

Isso foi dito várias vezes. Cada dia que ela entrava em meu quarto, à noite, para dormir, lá estava eu sozinha. E a pergunta e a resposta eram sempre as mesmas. Hoje, com muita dor no coração, sinto falta de quem me cobre, dia após dia, trazer uma estrela.

Trabalhando, amando, estudando e curtindo a vida com os amigos, decidi-me pensar que a minha estrela não é aquela do céu, pela qual sempre lutei. Tenho isso, hoje, como uma forma figurativa para seguir meus planos e realizar meus sonhos. Não tenho mais quem me fale da estrela. Até então, raras pessoas sabiam desta história.

Guardo com amor a imagem de felicidade de minha avó quando disse a ela que entraria numa faculdade. Disse-me ela, novamente, para eu seguir sempre em frente e buscar minha estrela. Isso já foi no hospital. Não pude mais falar com ela porque acredito que Deus a quis mais pertinho dele. Talvez seja para ela ajudar, lá no céu, meu avô jogar a minha estrela aqui para mim. Irônico, bobo ou figurativo, carrego comigo uma vontade enorme de abraçar essa estrela. O que é ela? Não sei. Talvez um sonho ainda não realizado ou uma coisa boa que ainda está por vir.

Acredito que, quando as pessoas conseguirem voltar a ser crianças, nem que por alguns instantes, também saberão a importância de buscar sua estrela.

Minha avó é uma estrela. Uma pessoa fantástica que se foi, mas ilumina meus pensamentos até hoje. A dor sufoca, mas o brilho de Cáritas ainda está aqui. E é este brilho de estrela que ilumina meu quarto nas noites escuras em que não a encontro ao meu lado para conversar e rezar até altas horas da noite. Não pude agradecer tantos bons momentos. Não tive tempo. Mas ela, minha querida avó, sabe bem minha gratidão por tudo.

Eu vou buscar minha estrela. Alguém me acompanha?

(Texto de Anita Motta, que hoje também é uma estrela)

4 comentários:

Unknown disse...

E quem dirá que ela não a achou.............. Beijos com amor.......

Jéssica Balbino disse...

Lembro, com uma memória muito viva, a primeira vez que a Anita me mostrou este texto, publicado num jornal antes mesmo dela entrar na faculdade de jornalismo.
Lembro ainda, quando ela pegou uma pasta de uma colega de classe e havia o orginal do texto, entre fotos e lembranças daqueles quatro anos e ela chorou gritado relendo o que havia escrito e com saudade.
Hoje, relendo esse texto, foi a minha vez de chorar muito, lembrando que ela buscou a estrela e encontrou !
Saudade, pra sempre !
Beijos, Jéssica Balbino

Unknown disse...

Que texto lindo,me emocionei.
As lembranças que tenho da Anita era o sorriso, marca que guardo até hoje.
Enquanto lia o texto imaginava uma estrela com tamanho e
brilho maiores do que as que vejo no céu, tenho certeza que essa era a Anita, que hoje é praça e tambem
curte muitas plantas e flores.
Um abraço

Unknown disse...

que saudades!