quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Preconceito superior


Nos meus tempos de moleque, que vivi em Santos, tive a oportunidade de conviver com pessoas de toda escala social. A praia sempre foi o espaço mais democrático que existe. Nas peladas de futebol, juntavam-se negros, brancos, mulatos, asiáticos, ricos e pobres, moradores de apartamentos em frente à praia ou de favelas. Muitos estudavam em colégios particulares, mas a maioria só dispunha mesmo do ensino público para sua formação. Outros, sequer isto; circulavam pela areia em busca de diversão e alguns trocados de turistas.


Mas na hora do jogo, a única coisa que realmente importava era a habilidade com a bola. Na hora de escolher os times, não me lembro de ser levada em consideração qualquer coisa que não fosse a capacidade de jogar bem. Tudo deixava de ter importância se o Pelézinho, o Japa, o Alemão ou o Turquinho soubessem driblar com categoria e marcar os gols.

Não sei o destino de qualquer destes companheiros que ficaram perdidos na areia do tempo, mas posso apostar que nem todos tiveram as oportunidades que tive. Muitos ficaram pelo caminho e não gozaram quaisquer privilégios compensatórios pelo abismo social em que foram jogados. Não tiveram melhores empregos, melhores escolas e tampouco sistemas de cotas em universidades. E não falo apenas do Pelézinho, mas dos marginais de todas as cores e credos.

Quando se fala em reservar vagas para negros nas universidades públicas, não posso deixar de pensar em meus colegas de infância. E me sinto ofendido em saber que eles podem não ter qualquer atenção especial do poder público, lançados que foram em fossos de desigualdades e agora são novamente vítimas de um brutal preconceito. A eles é dito que são piores que os negros, que agora buscam a sua “alforria educacional” e deixam para trás todos os demais injustiçados.

O problema do ensino no Brasil não se resolve com medidas arbitrárias e artificiais. Justiça social não se faz por decreto, por mais boa-vontade que se tenha. São necessárias medidas de base, de distribuição de renda, de investimentos em educação, estruturação das universidades públicas. De resto, tudo não passa de demagogia barata e eleitoreira.

Quanto aos negros, lamento que se submetam a este tipo de discriminação. Exigir ser tratado de forma diferenciada é exigir um espaço imerecido, é exaltar-se perante todos os demais excluídos e esta é a forma mais superior de preconceito.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro amigo Rui
Recebi um comentário em meu blog que falava de um comentário seu sobre a questão do "dar ou não comida a pedintes" (meu texto tina nome de "Reflexão").
Tomo a liberdade de lhe encaminhar o texto, assinado por Renata.
Fora isso, espero que esteja aproveitando os dias de ócio.
Abraço.


O texto
"Acho que nessas horas a gente percebe que lida dia-a-dia com uma pontinha do iceberg e que nossas decisões - dar ou não dar - tem consequências e fazem parte de um problema muito maior que nossa própria consciência. Essa sua história me faz pensar que nossas boas ações nascem de nosso ponto de vista, mas afetam (ou não) outras realidades, com lógicas, desejos e necessidades diferentes dos nossos. Trabalho há um tempo no terceiro setor e percebo, depois de acertos e frustações, três coisas importantes:
- toda ação tem consequência e não temos previsão ou controle sobre isso.
- diminuir a desigualdade social, econômica, cultural não é só uma questão de dar oportunidades a quem julgamos precisar. Do outro lado tem que ter alguém disposto a agarrá-la e, diferente do que eu achava, isso não é o mais comum.
- não adianta ensinar a pescar antes de dar o peixe, mas corre-se o risco de criar uma nação sem pró-atividade, acomodada à situação de assistencialismo, caso “dar o peixe” não seja encarada como uma situação emergencial e, portanto, finita."
Renata