domingo, 19 de outubro de 2008

O deslize do preconceito


O clima das campanhas políticas tende a se aquecer quando a disputa vai se afunilando e os contendores contam com reais chances de emplacar suas candidaturas entre o eleitorado. O desespero da reta final é responsável por atos que beiram o irresponsável e o desatinado, provocando episódios que, ao final, mostram a verdadeira face dos candidatos envolvidos. Não raro, políticos que se apresentam simplórios, falando de planos de governo, evitando ataques pessoais, insistindo em campanha limpa no começo, não resistem a ceder à baixaria e terminam por partir para o ataque ao primeiro sinal de fraqueza ou baixa em pesquisa.


O episódio recente da campanha pela Prefeitura de São Paulo trouxe à discussão a propriedade ou não de se lançarem ataques pessoais contra adversários, mostrando um lado constrangedor que produz efeitos devastadores na opinião dos eleitores. Ao lançar um repto em seu programa de televisão sobre a vida particular de Gilberto Kassab, a candidata Marta Suplicy experimentou o sabor amargo do repúdio da sociedade, revoltada com o nível que se tentou imprimir ao debate. Ao levar aos eleitores o questionamento sobre se o prefeito é casado ou tem filhos, a petista demonstrou intenção de comprometer a imagem pública de seu adversário, como se este "DNA político do candidato" - nas palavras dela própria - pudessem acrescentar informações importantes para esclarecer o eleitor.

Ao querer jogar no imaginário popular a questão da vida particular de Kassab, a candidata petista derrapou na incoerência, ela que sempre se projetou com a imagem de liberal, tolerante, apoiada por todos os estratos de sexualidade que os grupos organizados conseguem distinguir. Marta Suplicy rasgou sua biografia e escancarou o preconceito, ao tentar atribuir ao adversário uma homossexualidade como fator de desprestígio. Ainda que a pergunta pretendesse apenas colocar em evidência a vida familiar de Kassab, nada disso justifica a grosseria e impropriedade do que a pergunta sugeriu.

Como em tantos outros episódios anteriores, o tiro atingiu o próprio pé. As manifestações contrárias já sufocaram as infantis tentativas de desdizer o grave engano. As pesquisas explicam em parte o desespero da candidata petista em tentar reverter os resultados no segundo turno. Tomados pela premência de conquistar votos, os candidatos lançam-se no desespero da desqualificação política, a exemplo do que acontece também no Rio de Janeiro, com a distribuição de panfletos apócrifos com publicidade negativa contra o candidato Fernando Gabeira.

Com a construção do tabuleiro das eleições de 2010, os resultados das principais capitais passam a ser estratégicos. O próprio presidente Lula cuidou de se afastar prudentemente da campanha paulistana para não se sujar nos respingos da derrota eventual do partido que era o favorito e vem perdendo espaços a cada semana. No mais, o prejuízo já está contabilizado, como se já não bastasse o emblemático e desprezível "relaxa e goza" da crise aérea.

(Editorial do Correio Popular, 17/10)

Nenhum comentário: