sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O mal é o que sai da boca do homem



Diz a sabedoria popular que ouvir é melhor do que falar. “Nascemos com dois ouvidos e uma boca para ouvirmos mais e falarmos menos; o silêncio é ouro; as palavras, como as abelhas, têm mel e ferrão; quando falar, cuide para que suas palavras sejam melhores que o silêncio; os sábios não dizem o que sabem, os tolos não sabem o que dizem; o homem comum fala, o sábio escuta, o tolo discute; quem fala o que quer, ouve o que não quer”.


São lições que todos aprendem quando crianças e procuram balizar o comportamento pela vida inteira. Para alguns, o exagero é a marca de seus pronunciamentos, onde se misturam verdades e mentiras, realidade e ficção. Nenhum outro personagem da história recente do Brasil protagonizou mais este papel que o presidente Luís Inácio Lula da Silva. Com uma loquacidade desenvolvida em portas de fábricas, o então líder metalúrgico aprendeu que o efeito de um discurso muitas vezes vale mais que o conteúdo. E, desde então, tem se aprimorado nisto, em sua carreira de palanques.

Não só de deslizes populistas vive o presidente. Seus notórios discursos de improviso e metáforas criaram um estilo que, se atinge a rápida comunicação popular, resvala num simplismo incabível para a maior autoridade do País. Não foram poucas as vezes em que o falatório presidencial se rendeu ao viés da irresponsabilidade. Depois de tanta experiência, está mais do que na hora do metalúrgico vestir a carapuça de presidente e medir as besteiras populistas que não cabem na seriedade de um discurso oficial.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Poema à luz da praça 4

O calor da noite se dissipa
Nas notas da estranha sinfonia
Que tece uma rede de sentimentos
Aflorada na pela sensível do coração

Arrepios da alma que traduzem
A subjetiva solidão da saudade
Que aperta o peito e falta o ar
No orgasmo lúdico do imenso pesar

O barulho dos carros pela rua
Rompendo o silêncio da introspecção
Dão o ritmo dodecafônico da voz
Embargada pelos soluços da autopiedade

Gato no Bolsa Família


A criação de programas assistenciais oficiais tem por objetivo criar mecanismos de integração social, atendendo a uma clientela marcada pelo desequilíbrio econômico, pela falta de oportunidades ou por viverem em situações e áreas de alto risco. Nestes casos, os governos devem estar atentos na formatação dos programas, dando caráter técnico e educativo a todas as iniciativas de distribuição de bens e dinheiro, não apenas assistencialista na medida de tentar resolver o problema com a mera distribuição paternalista de verbas.


Há várias formas já testadas de programas voltados ao atendimento de carências sociais profundas, de modo a promover o equilíbrio, a equivalência e difundir a noção de cidadania como um direito de oportunidades e responsabilidades. Para tanto, é necessária a clara definição dos beneficiários, com cadastros técnicos que sustentem políticas assistenciais, atuando em áreas realmente necessárias e no sentido da promoção da cidadania.

Um olhar despreparado sobre a miséria do País pode detectar a urgência de ações imediatas para socorrer a fome de hoje, mas é preciso mais do que isto para construir um futuro melhor. De nada adiantam arroubos como o lançamento inoportuno do Programa Fome Zero, feito em meio a lágrimas de um presidente emocionado, sem qualquer retaguarda séria que pudesse tornar realidade um objetivo nobre, que se mostrou impossível de se alcançar com uma canetada.

O famigerado Bolsa Família acabou por se tornar um instrumento eleitoreiro calcado na melhor das intenções, levar uma renda mínima a famílias extremamente carentes. Mal estruturado, com critérios esquerdos de distribuição de benefícios, o programa atende de imediato o mal maior de um sem número de famílias, mas mostra-se inconveniente pela falta de propósitos mais duradouros.

O caso noticiado de um gato que recebeu auxílio do Bolsa Família por 7 meses mediante uma fraude do coordenador do programa em município do interior de Mato Grosso do Sul, mostra mais do que um relato irônico sobre como os brasileiros são rápidos em forjar situações de favorecimento ilícito. O problema maior é que o dinheiro é distribuído sem a necessidade de qualquer contrapartida dos beneficiários, perdendo-se excelente oportunidade de implantar conceitos de cidadania e participação, contribuição voluntária, além da obrigatoriedade de frequência escolar.

Bastaria que a distribuição do dinheiro obedecesse a critérios sérios de inclusão, com controle da aplicação dos recursos, atualização constante do cadastro de beneficiários, plantando sementes que possam fazer a verdadeira promoção social, que consiste em tirar famílias da faixa de miséria, inserindo-as no convívio de cidadania. Oferecer menos que isto é esmola.

(Correio Popular, 29/1)

Folha






A folha vai voando
Levada por mais um vento
Do outono que chegou




(Haikai, Teresa Costa http://mteresabr.wordpress.com/)

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Kind of Blue


Pensei em escrever a respeito, mas tudo já foi dito no blog do Bruno Ribeiro, que reproduzo para os amigos...


Algumas coisas deveriam ser obrigatórias na vida. Uma delas é ouvir Kind of Blue, o melhor disco da carreira de Miles Davis. Prestes a completar 50 anos, o álbum continua moderno e atemporal. Além de Miles Davis (trompete), participaram da antológica gravação John Coltrane (saxofone), Paul Chambers (baixo), Jimmy Cobb (bateria) e Bill Evans (piano).

Kind of Blue foi um definidor de estilo e mudou a forma de se tocar jazz. Basta lembrar que antes dele o improviso era feito apenas sobre a sequência harmônica. Miles provou ser possível improvisar sobre escalas - a técnica ficou conhecida como jazz modal e foi adotada por quase todos os instrumentistas.

O disco chegou a ser tão popular quanto uma xícara de açúcar. Quem conta é o guitarrista John Scofield, em depoimento ao jornalista Ashley Kahn: "Lembro de, no começo dos anos 70, estar com amigos no apartamento de um baixista e ninguém ter o Kind of Blue. Então, às duas da manhã, ele resolveu ir até o vizinho pedir o disco emprestado, sem conhecê-lo, na certeza absoluta de que teria um. E tinha!". Cercado de uma atmosfera intimista e sensual, Kind of Blue não é apenas um belo disco, mas um manual que nos ensina a viver melhor.

(Do Botequim do Bruno Ribeiro http://www.cosmo.com.br/blog/blog.php?blog_id=12)

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Falsas escolhas


É falsa a escolha entre combater o crime com eficiência e respeitar os direitos humanos, uma discussão cotidiana entre nós. É falsa a escolha entre educação de massa sem qualidade e educação de qualidade para poucos, outra questão que nos divide há anos. É falsa a escolha, implícita em muitas biografias políticas, entre ser corrupto e fazer muito e ser ético e não fazer nada. E, já que estamos no meio desta crise não só econômica como de velhos conceitos, é falsa a escolha entre estado regulador e ideais democráticos.

(Luiz Fernando Verissimo, Correio Popular, 28/1)

A massa



A dor da gente é dor de menino acanhado
Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar
Que salta aos olhos igual a um gemido calado
A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar

Moinho de homens que nem girimuns amassados
Mansos meninos domados, massa de medos iguais

Amassando a massa a mão que amassa a comida
Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais
Quando eu lembro da massa da mandioca mãe, da massa
When I remember of "massa" of manioc
Nunca mais me fizeram aquela presença, mãe
Da massa que planta a mandioca, mãe
A massa que eu falo é a que passa fome, mãe
A massa que planta a mandioca, mãe
Quand je rappele de la masse du manioc, mére
Quando eu lembro da massa da mandioca

Lelé meu amor lelé
no cabo da minha enxada não conheço "coroné"
Eu quero mas não quero (camarão).
Minha mulher na função (camarão)
Que está livre de um abraço, mas não está de um beliscão
Torna a repetir meu amor: ai, ai, ai!
É que o guarda civil não quer a roupa no quarador

Meu Deus onde vai parar, parar essa massa
Meu Deus onde vai rolar, rolar essa massa


(A Massa, Raimundo Sodré/Jorge Portugal)

Diretas-Já, um momento de transformação


A história política de um país se escreve com linhas de bravura, ideologia, destemor, capacidade de transformar a sociedade, luta pelo direito e o enfrentamento das forças mais poderosas que insistem em se apoderar do bem comum em proveito próprio. A démarche da cidadania se fez presente ao longo da construção do Brasil, soberanamente governado pelos representantes da aristocracia colonial até evoluir para um sistema representativo mais pleno, livre de arbitrariedades e períodos de exceção.


O brasileiro, normalmente afeito à mansidão política, poucas vezes teve arroubos de protesto ou tentativa de transformar o quadro político através de manifestações abertas e de força. A luta armada sempre teve pouco peso e apoio na população, que prefere a natural indolência a assumir compromissos e responsabilidades. O golpe de 1964, quando os militares atingiram o poder, contou com o apoio da sociedade no primeiro momento, e com a apatia geral quando o período de exceção se estendeu até 1985, quando foi oficialmente restabelecida a eleição direta para presidente da República.

Em raro momento de lucidez e engajamento, a sociedade brasileira deu importante e marcante demonstração de civismo há exatos 25 anos, com a realização dos comícios pelas Diretas-Já, movimento iniciado em 1983 e que teve o ponto alto no ano seguinte, quando reuniu 300 mil pessoas na Praça da Sé, em São Paulo, reverberando um grito de protesto que se espalharia por todo o País, mudando a história.

As lições deste episódio é que muitas das transformações podem e devem acontecer com a mobilização consciente de cada cidadão, criando uma corrente de força capaz de influenciar decisões, alterar o status quo, impor condições sociais e alavancar processos de mudança no caminho da normalidade democrática. Aperfeiçoar o sistema é uma luta constante onde não se pode transigir. Na história brasileira, a campanha das Diretas-Já colocou no mesmo palanque todas as vozes de oposição, alinhando Lula e FHC, entre tantas lideranças, que depois tomaram rumos diferentes em suas histórias particulares.

O tempo político de hoje é diferente, mas está a exigir um mote de aglutinação, que extrapole as amarras partidárias e una as forças no caminho de uma administração que priorize a sociedade. Não há porque se submeter à lógica partidária de interesses e negociatas, onde não existem mais ideologias, para dar lugar a um plano de intervenção séria, acima de politicagens ou interesses mesquinhos que têm sacrificado a boa política.

Das lideranças que cumprem mandatos, espera-se que mantenham as portas abertas ao diálogo e aproximação, como verdadeiros administradores que veem parceiros, não adversários. E que, juntos, possam levantar a bandeira da Moralidade-Já como tema principal onde a voz da população possa ser ouvida mais uma vez, com entusiasmo e participação como sinal de um novo tempo.

(Correio Popular, 27/1)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Universo do teu corpo


Eu desisto
Não existe essa manhã que eu perseguia
Um lugar que me dê trégua ou me sorria
Uma gente que não viva só pra si

Só encontro
Gente amarga mergulhada no passado
Procurando repartir seu mundo errado
Nesta vida sem amor que eu aprendi
Por uns velhos vãos motivos
Somos cegos e cativos
No deserto no universo sem amor

E é por isso que eu preciso
De você como eu preciso
Não me deixe um só minuto sem amor

Vem comigo
Meu pedaço de universo é no teu porto
Eu te abraço corpo imerso no teu corpo
E em teus braços se unem em versos a canção
Ah, vem que eu digo
Que estou morto pra esse triste mundo antigo
Que meu porto, meu destino, meu abrigo
São teu corpo amante amigo em minhas mãos
São teu corpo amante amigo em minhas mãos

(Universo do teu corpo, Taiguara)

Cogito, de Torquato Neto


eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.


(Cogito, Torquato Neto)

O desespero e a dor de não punir culpados


De tempos em tempos, e com frequência cada vez maior, a sociedade é sacudida com casos extremos de violência que comovem a opinião pública e deixam profundas marcas da barbárie humana sobre seus semelhantes. As ocorrências se sucedem em escala preocupante, trazendo a realidade de que o aparato de segurança não está minimamente preparado para dar solução aos casos. O sistema mostra-se falho na maioria das vezes, deixando os cidadãos sem alternativas de obter apoio.


O índice de elucidação de casos de crimes é extremamente baixo. No caso de solução decorrente de um trabalho sério de investigação, é praticamente nulo. A Polícia Civil não tem estrutura para dar conta do atendimento à rotina básica de segurança e dizer de trabalho de inteligência e polícia técnica soa fantasioso. O acúmulo de processos em delegacias é imenso e as ações contra o crime organizado e quadrilhas se resumem à verificação de denúncias e, muito eventualmente, alguma evidência decorrente de outra ocorrência.

Na posição de vítimas, cabe aos cidadãos comuns buscarem a própria segurança e se conformarem com a indiferença nos distritos policiais, onde a burocracia se instala para o registro de ocorrências que parecem servir apenas para alimentar estatísticas e servir à esfera da polícia judiciária. Querer saber do andamento dos inquéritos e ter esperança de que algum crime esteja sendo acompanhado beira a ingenuidade de quem não se dá conta da fragilidade da Segurança.

A reação emocional da família do jovem Renato Dobelin, assassinado há um ano em Sumaré, vale como registro de um fundamentado protesto. Depois de infrutífera peregrinação pelos distritos atrás de informações sobre os assaltantes que mataram friamente seu filho, o pai não conseguiu se conter e tornou pública sua indignação com cartazes espalhados nas rua pedindo justiça.


A revolta se justifica. Dia após dia, a família viu que nada estava sendo feito, nenhum esforço de identificação dos criminosos. Em verdade, o caso está provavelmente esquecido em alguma gaveta, junto com tantos outros que terão o mesmo destino até que sejam efetivamente arquivados ou reabertos a partir de uma confissão improvável ou associação com alguma outra tragédia que não tardará a se repetir, como o caso de latrocínio em Holambra, acontecido há pouco mais de uma semana em circunstâncias semelhantes e não menos chocantes.


O gesto desesperado da família Dobelin é uma tentativa de obter o consolo de que aqueles responsáveis pela morte do jovem não estão por aí, provavelmente delinquindo, ameaçando as pessoas, fazendo da violência o seu dia a dia. Não se trata de vingança pura e simplesmente, mas da profunda indignação diante da impunidade que toma conta da sociedade e é inoculada de volta no sistema, alimentando o círculo vicioso da violência por não conseguir impor as razões de justiça e responsabilidade.

(Correio Popular, 24/1)

sábado, 24 de janeiro de 2009

Easy to be hard

How can people be so heartless
How can people be so cruel
Easy to be hard
Easy to be cold

How can people have no feelings
How can they ignore their friends
Easy to be proud
Easy to say no

And especially people
Who care about strangers
Who care about evil
And social injustice
Do you only
Care about the bleeding crowd?
How about a needing friend?
I need a friend

How can people be so heartless
You know I'm hung up on you
Easy to give in
Easy to help out

How can people have no feelings
How can they ignore their friends
Easy to be hard
Easy to be cold
Easy to be proud
Easy to say no

(Easy to Be Hard, Musical Hair)

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Poema à luz da praça 3


Os vasos que contém a história
Ressuscitam os mortos de ontem
Trazendo à luz do dia as lembranças
Da morte em vida que não foi vivida

Drástica
Serena
Tranquila

Do perceber que o pouco transgride
Quando se pensa apenas no amanhã
A vida sobrevive no momento
Que louco, efêmero, acaba no prazer

A sociedade e o capricho de criminosos


Quando a força fala mais forte que a razão e os argumentos se perdem no emaranhado da ignorância que descarta a moral, o resultado são ações violentas que buscam impor uma verdade que fere os princípios da decência e da cidadania. É assim que agem os fracos e desprovidos de consciência coletiva, os que entendem ser o mundo o palco para seu próprio desiderato e vontade.


Na noite de quarta-feira, a Rede Anhanguera de Comunicação (RAC) sofreu um violento atentado, uma criminosa e planejada ação que, por sorte e imperícia, não trouxe consequências mais graves. A tentativa de fazer explodir uma granada contra o prédio da empresa, em local onde trabalham funcionários da empresa, foi um gesto da mais absoluta intolerância, do total desrespeito à vida humana, da irresponsabilidade de colocar em risco pessoas inocentes e alheias a quaisquer problemas que possam ter motivado a ação covarde. A tentativa, registrada pelas câmeras de segurança da empresa, foi da mais alta crueldade. Foi um atentado intencional, deliberado e com uso desmedido da força. O poder de destruição do artefato é real e apenas o acaso impediu os danos ao prédio e morte de pessoas.

A gravidade do atentado expõe também o estado de desamparo a que a sociedade se submete. A criminalidade anda solta, a impunidade é quase a regra e destaca-se a alta periculosidade de grupos que demonstram ser capazes de agir com desfaçatez e arrogância para tentar impor o seu padrão de moral e comportamento. Como nos atentados perpetrados pelo PCC contra os distritos policiais em 2006, quando o crime quis de mostrar organizado, coordenando ataques que surpreenderam pela audácia e violência, há ainda remanescentes das quadrilhas que julgam estar acima da lei e da ordem.

A intenção é clara. Sejam quem forem os autores do ataque ou seus ordenantes, o que está por trás de tudo é a tentativa de intimidação da imprensa, de cercear o direito de manifestação, a liberdade de pensamento. É preciso que o mentor do ataque tenha consciência de que é possível intimidar um jornalista. Até é possível acuar um jornal. Mas a imprensa é maior do que isto. Atos de violência desta natureza apenas fazem com que as empresas de comunicação se preparem ainda melhor para manter o seu compromisso de informar e alertar a população, mesmo contra todas as disposições contrárias daqueles pouco afeitos à normalidade legal.
Atentados como este e outras manifestações de violência mostram o quanto a sociedade está doente, o quanto a segurança é frágil. Num átimo, pode-se perder a vida, um ente querido, um bem, tomados à força pela intolerância, pela arrogância de uns poucos que acham que podem agir à revelia da ordem e impor seu padrão de comportamento violento, seguros de que o mundo deve se render a seus caprichos.

(Editorial Correio Popular, 23/1)

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Granada é atirada contra prédio da RAC

O prédio da Rede Anhanguera de Comunicação (RAC), em Campinas, na Vila Industrial, foi alvo de um atentado por volta das 21h de quarta-feira (21). As imagens do sistema de monitoramento eletrônico da empresa flagraram três rapazes. Na ação, eles quebraram uma janela com um martelo, atiraram uma granada e saíram correndo pela Rua Dr. Roberto Thut, fugindo em um carro, modelo Gol, da cor cinza, que os esperava próximo à esquina com a Avenida General Carneiro. O artefato bateu na janela, caiu na rua de paralelepípedos junto à calçada e não explodiu.

A Polícia Militar (PM) foi acionada, assim como o esquadrão antibombas do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), da Capital, que interditaram o local.

Segundo avaliações preliminares de policiais que atenderam à ocorrência, a granada é de uso militar, com alto poder de destruição. O dano provocado pela explosão desse artefato poderia atingir pessoas e objetos num raio de 20 metros. De acordo com o soldado PM Idalino Gomes da Silva, que por três anos trabalhou como especialista em explosivos no extinto grupamento Ações Táticas Especiais de Campinas (Atac), quem cometeu o atentado não sabia manusear uma granada. A conclusão se reforça pela maneira como o explosivo foi encontrado: com a alça de segurança quebrada, mas com o pino travado. Uma granada explode oito segundos depois do destravamento do pino. “Quem manuseou esse artefato, provavelmente, quebrou a alça de segurança, e saiu correndo pensando que fosse explodir quando caiu no chão”, avaliou.
A granada, no entanto, ainda será periciada pela equipe do Gate. Segundo os policiais, somente após essa análise será possível identificar o modelo e o grau de destruição da granada.
O caso será registrado no plantão do 1º Distrito Policial (DP) de Campinas. Segundo o delegado Rodrigo Galazzo, a apuração da ocorrência será comandada pela Delegacia de Investigações Gerais (DIG). “O boletim de ocorrência será registrado no 1º DP como tentativa de dano qualificado com o uso de explosivo”, disse Galazzo.


Imagens do circuito de segurança da RAC mostram três rapazes, todos com boné, caminhando tranquilamente pela Rua Dr. Roberto Thut. Quando se aproximaram do prédio, eles se dividiram. Dois seguiram para o início da rua e um deles se aproximou da janela. A ação foi rápida. Em questão de segundos o vidro foi quebrado e a granada arremessada. Em seguida, os três correram em direção ao carro estacionado na esquina da Avenida General Carneiro.

Segundo testemunhas, os três, no caminho em direção ao prédio, diziam “vamos acabar com eles”. Cerca de três horas após o atentado, quando a polícia ainda aguardava nas proximidades da RAC a chegada do esquadrão antibombas, a telefonista da empresa recebeu uma ligação com uma ameaça. “Esse é apenas o começo”, disse uma voz feminina.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A palavra / Pablo Neruda

... Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam ... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as ... Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem ... Vocábulos amados ... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ... Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema ... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas ... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as ... Deixo-as como estalactites em meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda ... Tudo está na palavra ... Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu ... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que ,se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes ... São antiqüíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada ...

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A expectativa de uma nova era nos EUA


O mundo vive um momento especial de grande expectativa. A aproximação do fim da primeira década do século 21 oferece a oportunidade de um balanço de todos os acontecimentos que marcaram a história da humanidade em ritmo vertiginoso de transformações, que muitas vezes são difíceis de compreender em seu contexto temporal. Desde o simbolismo esotérico da chegada do ano 2000, o mundo convulsionou-se de tal forma que mesmo os mais atentos analistas se surpreendem. Os ataques terroristas a Nova York em 2001 criaram uma clara linha no tempo, como se a história precisasse ser contada com um antes e um depois do choque.


Os conflitos comprovam que a humanidade está longe de gozar de momentos de paz. As diferenças sociais, culturais, econômicas, ideológicas e de credo se aprofundaram, exigindo uma busca constante de personalidades que possam liderar no caminho da harmonia. Para arrematar, a crise mundial eclodida no segundo semestre do ano passado pautou todos os investimentos e ações ao redor do planeta, destruindo riquezas e trazendo a preocupação de reorganizar o sistema econômico na perspectiva da inversão de valores de rendimentos e produção.

Este painel de problemas está colocado à frente de outro fato relevante que se concretiza nesta terça-feira. Os Estados Unidos da América se preparam para a abertura de um novo mandato presidencial, com o negro Barack Obama carregando todo o peso da expectativa mundial de transformação. Nascida no seio da convulsão, a candidatura do democrata apoiou-se na necessidade evidente de pôr um fim na era Bush, símbolo de um dos períodos mais tristes da história americana moderna. A simpatia despertada em todo o mundo carregou de tintas fortes o discurso de mudanças, a ponto de as pessoas divisarem um neomessianismo caracterizado pela forte emoção demonstrada por líderes de todo o mundo com a ascensão de Obama.

Fazer frente às expectativas de grande parte das pessoas não é o maior desafio do novo presidente norte-americano. O primeiro dia à frente da Casa Branca já tem um peso extraordinário a ser carregado por qualquer ser humano. O papel de influência dos EUA nos destinos do mundo ainda é incontestável e cada passo que o gigante dá reverbera em todos os continentes, seja pelo cacife econômico, político ou militar. E há questões urgentes a serem enfrentadas decisivamente já nos primeiros dias.

Duas guerras em curso provocam apreensão na comunidade internacional. O infindável conflito no Iraque é a maior herança da dinastia Bush e onde se esperam decisões impactantes. Obama, em gesto de marketing político, garantiu o fechamento da prisão em Guantánamo no primeiro dia com assento na Casa Branca. O cronograma de retirada de tropas americanas é o próximo passo. Na Faixa de Gaza, o mundo espera que os Estados Unidos finalmente se posicionem para garantir o fim do conflito e abertura de negociações de paz.

Finalmente, o novo presidente tem os olhos voltados para si no contexto de alicerçar a recuperação da economia diante da crise, o que será fundamental para definir o humor do mercado financeiro e recuperar o nível de crédito em efeito dominó.

Diante de tantas atenções e expectativas, a posse de Obama tende a ser mais um fato marcante neste início de século. E a esperança maior é de que, aos poucos, o mundo possa encontrar um caminho melhor para trilhar, sem superestimar a capacidade pessoal de uma importante personagem ou de um único país.

(Editorial Correio Popular, 19/1)

domingo, 18 de janeiro de 2009

Ne Me Quitte Pas (Não me Deixes)

Não me deixes,
Não me deixes,
É preciso esquecer,
Tudo se pode esquecer
Que já para trás ficou.
Esquecer o tempo dos mal-entendidos
E o tempo perdido a querer saber como
Esquecer essas horas,
Que de tantos porquês,
Por vezes matavam a última felicidade.

Não me deixes,
Não me deixes,

Te oferecerei
Pérolas de chuva
Vindas de países
Onde nunca chove;
Escavarei a terra
Até depois da morte,
Para cobrir teu corpo
Com ouro, com luzes.
Criarei um país
Onde o amor será rei,
Onde o amor será lei
E você a rainha.

Não me deixes,
Não me deixes

Te Inventarei
Palavras absurdas
Que você compreenderá;
Te falarei
Daqueles amantes
Que viram de novo
Seus corações ateados;
Te contarei
A história daquele rei,
Que morreu por não ter
Podido te conhecer.

Não me deixes,
Não me deixes

Quantas vezes não se reacendeu o fogo
Do antigo vulcão
Que julgávamos velho?
Até há quem fale
De terras queimadas
A produzir mais trigo;
Que a melhor primavera
É quando a tarde cai,
Vê como o vermelho e o negro
Se casamPara que o céu se inflame.

Não me deixes,
Não me deixes

Não vou chorar mais,
Não vou falar mais,
Escondo-me aqui
Para te ver
Dançar e sorrir,
Para te ouvir
Cantar e rir.
eixa-me ser a sombra da tua sombra,
A sombra da tua mão,
A sombra do teu cão.

Não me deixes,
Não me deixes


Ne me quitte pas
Il faut oublier
Tout peut s'oublier
Qui s'enfuit déjà
Oublier le temps
Des malentendus
Et le temps perdu
À savoir comment
Oublier ces heures
Qui tuaient parfois
À coups de pourquoi
Le coeur du bonheure

Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Moi je t'offrirai
Des perles de pluie
Venues de pays
Où il ne pleut pas
Je creuserai la terre
Jusqu'après ma mort
Pour couvrir ton corps
D'or et de lumière
Je ferai un domaine
Où l'amour sera roi
Où l'amour sera loi
Où tu seras reine

Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Je t'inventerai
Des mots insensés
Que tu comprendras
Je te parlerai
De ces amants là
Qui ont vu deux fois
Leurs coeurs s'embrasser
Je te raconterai
L'histoire de ce roi
Mort de n'avoir pas
Pu te rencontrer

Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

On a vu souvent
Rejaillir le feu
De l'ancien volcan
Qu'on croyait trop vieux
Il est paraît-il
Des terres brûlées
Donnant plus de blé
Qu'un meilleur avril
Et quand vient le soir
Pour qu'un ciel flamboie
Le rouge et le noir
Ne s'épousent-ils pas

Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Je ne veux plus pleurer
Je ne veux plus parler
Je me cacherai là
À te regarderDanser et sourire
Et à t'écouter
Chanter et puis rire
Laisse-moi devenir
L'ombre de ton ombre
L'ombre de ta main
L'ombre de ton chien

Ne me quitte pas

(Ne Me Quitte Pas, Jacques Brel)

sábado, 17 de janeiro de 2009

Lampejos da esquerda ultrapassada



A chegada de Luiz Inácio Lula da Silva, o Partido dos Trabalhadores e seus aliados ao poder trouxe uma série de transformações importantes na política brasileira, menos que os alarmistas esperavam com a ascenção da esquerda e menos que seus correligionários gostariam de ver realizado. Em meio a acertos, contradições e graves denúncias, o grupo que se aboletou no poder avançou em algumas áreas, transformando o cenário das relações, introduzindo algumas práticas que causam estranhamento no meio brasileiro. O novo governo, já em seu segundo mandato, segue a trilha continuísta que tem garantido um País com economia estabilizada, instituições sólidas, ocupando espaços importantes na nova ordem globalizada.


As mais criticadas ações estão justamente na tendência esquerdizante de fazer política. Em lampejos obscuros, a ideologia se sobrepõe à serenidade exigida pelos cargos e os responsáveis derrapam em atitudes e julgamentos marcados por posições extremas, fundamentadas em experiências pessoais, em flagrante complacência com delitos e deslizes de companheiros, em camaradagem que se antecipa ao maior interesse nacional.

O recente episódio do asilo político a Cesare Battisti, concedido pelo ministro Tarso Genro unilateralmente, colocou o Brasil em rota de colisão diplomática com a Itália, onde o terrorista é condenado à prisão perpétua por quatro homicídios. Contrariando decisões consolidadas da Justiça italiana, da França e da Corte Europeia de Direitos Humanos, o Brasil dá abrigo a um criminoso sob alegação de defesa de seus direitos. É mais um passo dado à esquerda, como a justificar a ação do grupo Proletários Armados pelo Comunismo que promoveu ações terroristas extremas nos anos 70.

Antes, estes lampejos foram responsáveis pela extradição sumária dos boxeadores cubanos, repatriados em tempo recorde, pelo tentativa de expulsão do jornalista do New York Times, além de uma canhestra política de aproximação com governos como os de Evo Morales e Hugo Chávez, este um ditador travestido de democrata. Soma-se ainda a indústria das indenizações pagas a pretensos perseguidos da época da ditadura militar, com milionários e questionáveis processos.

Não se pode dizer que o governo brasileiro tem postura esquerdista, até porque Lula confessa não ser ideologizado a este ponto.
Mas alguns de seus assessores, talvez por vício histórico, insistem em tomar atitudes que entregam resquícios de uma formação mais radical, como o próprio ministro Tarso Genro, que insiste em trazer à discussão a questão da tortura no Brasil, o ex-assessor para Assuntos Internacionais Marco Aurélio Garcia, o ex-Chefe da Casa Civil José Dirceu e sua sucessora, Dilma Rousseff, todos com passagens pela luta armada em tempos distantes, que parecem resistir às mudanças e tentar ressuscitar fantasmas que até a esquerda mais moderna tenta deixar arquivados nos escaninhos do passado.

(Editorial Correio Popular 17/1)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Poema à luz da praça 2

Com as notas elevadas à perfeição
Brahms eleva o espírito
Trazendo lembranças fluidas
Entoadas ao rés do chão

O violino soa tangente
Como o pássaro cego da canção
Vergando as flores sob o peso
Da derradeira estação

O sentimento se traduz em lágrima
Sob o céu de uma lua tranquila
Imersa na sombra da noite

O fim se mostra muito próximo
Renovado em sutil provação
Esgotada a esperança, afinal

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

E então, que quereis?...

Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logode cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.

Nestes últimos vinte anos
nada de novo há no rugir das tempestades.

Não estamos alegres,é certo,

mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.

As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.


(E então, que quereis?... Vladímir Maiakóvski )

A morte rondando os céus


Os riscos fazem parte da vida dos seres humanos, frágeis diante das dificuldades e percalços a serem cumpridos. A todo instante se deparando com a sombra da morte e da agressão, as pessoas normalmente não percebem as inúmeras situações cotidianas onde a integridade física e mental é ameaçada, tantos os reflexos e condicionamentos que o sentido de auto-preservação proporciona. O homem tem por natureza defender-se e criar mecanismos de proteção decorrentes da consciência da destruição e pelo instinto de sobrevivência.


Aos perigos inerentes desta vida, somam-se os impostos pelas atitudes desmedidas e irresponsáveis de algumas pessoas, agressivas, inconseqüentes e maldosas, que agem como se nada lhes importasse que o próprio entretenimento, o desejo de se sobrepor aos demais e mesmo o dar vazão a instinto de destruição e sadismo. Aí se incluem os abusos nas brincadeiras infanto-juvenis, a perseguição sistemática a colegas de escola - o bulling -, as brigas de rua, a violência nos esportes e atitudes incompatíveis que levam risco aos demais.

O uso do cerol nas linhas de pipas bem que se enquadra entre as transgressões anormais que trazem seus efeitos altamente nocivos. Transformada de brincadeira de disputa pelos céus, o uso do cerol virou arma letal que se propaga na inconsciência de quem usa.

O uso de cerol em linhas de empinar é crime. Não há justificativa para que as pessoas continuem fazendo de um instrumento mortal uma brincadeira que provoca morte e lesões de alta gravidade. Não se pode esperar que a educação para a cidadania resolva a questão da consciência em curto prazo, uma vez que a ameaça está literalmente no ar. É preciso agir, fazer cumprir a lei, não por amostragem, mas com ações repressoras, blitze nos locais sobejamente conhecidos, apreensão de materiais, penalização dos responsáveis. Fazer vista grossa ou pensar que o cerol não passa de uma brincadeira inocente é deixar que o lúdico dê espaço ao trágico, somando mortes tão desnecessárias quanto a necessidade de afirmação através um brinquedo feito para colorir os céus e transmitir mensagem de paz e vida.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Soneto das doze e das dez sílabas

Descompassado, cruzo o espaço de teu tempo
Destemperado, forjo o tempo em teu espaço.
A noite cria formas, ao relento,
Descortinando anseios, que refaço.

A madureza desce e ao fruto tendo
Em tudo o que passei, a cada passo,
Desenterrando a messe, no seu tempo,
Num tempo que se mede sem espaço.

Mormaço. Feito d’aço. Sempre escasso.
Não descobri, não desvendei e nem desvendo.
Silencio de ti mesmo, em toque lasso.

Aquele mesmo toque, cor do vento,
Que não venta e cobra todo o espaço,
Quando a verdade eterna faz o tempo.

(Soneto das doze e das dez sílabas, Ives Gandra da Silva Martins)

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Dignidade além da fronteira

O colega Bruno Ribeiro postou no seu Botequim do Bruno um vídeo fantástico, da atitude corajosa e emblemática de uma jovem palestina em meio ao conflito na área de Gaza. Um silencioso e veemente apelo pela paz. Peço licença para compartilhar com meus leitores por aqui. Vale a pena assistir no link

http://www.cosmo.com.br/blog/blog_post.php?post_id=4657&blog_id=12

Agressão às minorias


Uma sociedade é tão evoluída quanto consegue harmonizar suas diferenças, espelhando as diferenças sociais, culturais e étnicas em um caminho pavimentado pela tolerância e pelo respeito entre as pessoas, promovendo ações comuns que contemplem todos os interesses sem distinção. O tratamento equânime é a segura regra que garante a igualdade de direitos e ganhos, sem que se faça julgamento prévio ou preconceito.


Diferenças raciais e religiosas costumam pautar atos de violência absoluta, na tradução na brutal da intransigência e da falta de diálogo, contrapondo culturas e tradições adversas, que dificultam a convivência para aqueles incapazes de admitir a possibilidade de outros serem apenas diferentes e com os mesmos direitos de exercer seus credos, atitudes e costumes transmitidos por gerações. Esses comportamentos deságuam em perigosos conflitos e exigem extraordinário esforço de intervenção para equilibrar os interesses e evitar males maiores.

A intransigência e a falta de um senso ajustado de civilidade pode produzir efeitos em escala menor, mas nem por isso menos trágicos. É o caso reincidente de jovens que se acobertam no anonimato dos grupos de relacionamento e passam a agredir pessoas que destoam de seu padrão. Têm sido notícia freqüente os casos de jovens de classe média que agridem brutalmente mendigos, prostitutas, índios e mesmo outros jovens, geralmente em eventos registrados na madrugada.

Em todos os eventos, é perceptível não apenas a crueldade expressa nas agressões, que extrapola qualquer limite da razão humana, mas a falta de um sentimento de culpa e responsabilidade, como se não fossem necessários o respeito e o cuidado com a integridade alheia. A consciência egocêntrica dos agressores mostra um lado perverso da educação atual, que privilegia a satisfação de impulsos a qualquer custo, o uso do meio como instrumento de realização pessoal e pouca interação humanista. Prevalece o individualismo em sua maior configuração, onde o vizinho é apenas coadjuvante.

Não raro, esses sentimentos são compartilhados pelos próprios pais, rápidos em minimizar os efeitos danosos do gestos dos filhos e as conseqüências de seus atos, como se espancar, atear fogo, atirar objetos ou mesmo ovos de sacadas de coberturas fossem brincadeiras inconseqüentes, inspiradas no horror da ficção Laranja Mecânica, ignorando que na extremidade oposta fossem outros seres humanos.

Esses gestos merecem o repúdio de toda a sociedade. Não são engraçados e nem se justificam os atos de barbárie que dissimulam o abandono a que foram relegados os jovens, ávidos por chamar a atenção ou projetar-se melhores do que devem ser. O nível de exigência sobre eles projeta valores e necessidades errados, distorcidos em uma visão de mundo pequena e desprezível. É preciso que a educação para a civilidade seja resgatada para extirpar a intolerância do meio social.

Almost Blue/Chet Baker


Almost blue
Almost doing things we used to do
There's a girl here and she's almost you
Almost

All the things that your eyes once promised
I see in hers too
Now your eyes are red from crying
Almost blue

Flirting with this disaster became me
It named me as the fool who only aimed to be
Almost blue

It's almost touching it will almost do
There's a part of me that's always true... always
Not all good things come to an end now, it is only a chosen few
I have seen such an unhappy couple

Almost me
Almost you
Almost blue

(Almost Blue, de Chet Baker)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A preparação para a Copa


A celebração esportiva de uma Copa do Mundo de Futebol, assim como a realização quadrienal das Olimpíadas, são momentos especiais que alteram a rotina das pessoas e colocam no centro das atenções todo o aparato e filosofia de transformação de que o esporte é capaz. Especialmente durante a realização dos eventos, as pessoas comuns têm a oportunidade de compartilhar expectativas, conhecimentos, experiências, alegrias e frustrações, que renovam a esperança de entendimento entre os povos e de uma convivência pacífica, onde a vitória ainda pode ser motivo de confraternização.


Ao anunciar que o Brasil sediará a Copa do Mundo de 2014, a Fifa abriu as portas para o resgate de uma das mais caras tradições brasileiras, a paixão pelo futebol e o envolvimento da massa de torcedores que vê na bola rolando e no grito de gol o lenitivo para as agruras da vida e a compensação pelas dificuldades enfrentadas no cotidiano. A plástica do esporte e a sua divulgação massiva fizeram com que o esporte das multidões consagrasse grandes nomes e clubes, ainda que o brilho esteja mais além das fronteiras do que dentro dos campos próximos. A Copa do Mundo, que normalmente paralisa o País em dias de jogos, poderá trazer de volta o carinho e identificação próprios de um esporte onde a torcida costuma ser fator importante para os resultados.

Não poderiam faltar críticos da escolha, sob suspeita da capacidade de organizar evento de tal porte e até pelo aproveitamento político do evento. Também não se pode supor que o Brasil seja muito pior que tantas outras possibilidades. O estigma de violência e corrupção encontra paralelos em vários outros países, havendo quem temesse a escolha da Alemanha para o evento passado. Com a realização dos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, o Brasil sinalizou com relativa competência para ser a sede provisória dos esportes mundiais. Não faltam empresas e profissionais competentes para fazer a parte da organização, planejamento, execução e administração. É de se temer apenas a excessiva ingerência política, para a qual estarão reservadas sinceras vaias.

Poema à luz da praça


Achei meu lugar no mundo
Para mim e meus fantasmas interiores
Agora sei porque estou aqui e a que venho.
A luz da lua reflete meus pensamentos
O álcool adianta os caminhos negros
Onde tenho que passar o meu tempo
Inexoravelmente...

O som do piano rebate nos muros
Traz a paz que procuro dentro de mim
Abrem-se as portas da percepção
Do id que não quer mais ser domado
As cadeiras descansam meus sonhos
Entre as janelas naturais do ser
Descontroladamente...

A água jorra nos cântaros sonoros
Em acordes dissonantes em sol
Que resplandece na noite escura
Esperando pela grossa chuva que cai
Fazendo a grama crescer em desespero
Como a lembrar que a vida sempre vem
Inexoravelmente...
Descontroladamente...
Decididamente...

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Pra não dizer que não falei de Gaza

O conflito entre palestinos e israelenses assumiu uma grave proporção de horror, como somente a guerra pode trazer para empanar qualquer sentimento de grandeza do humanidade. O sangue que corre sobre a areia não aceita explicações e as vítimas são empilhadas sobre as páginas de acordos frustrados, de discursos apaziguadores, de protocolos de intenções que esquecem que o ser humano é movido por uma memória ancestral e atávica de violência.

A intolerância e a sede de vingança são o mote que levam aos atos de destruição. Ninguém tem razão e todos estão certos. Não há vencedores nem derrotados. Há uma chama de ódio que persiste acesa em meio a rezas a deuses que são vistos como vingadores, resgatadores de uma cidadania no Paraíso que não encontra esteio nesta vida.


A questão política é intrincada. Israel é um Estado legítimo, fruto da obstinada tentativa de manter unidos todos os seus filhos em diáspora. Um povo agredido, barbarizado, forjado na dificuldade, que luta pelo seu dia seguinte. Os palestinos perdem-se na própria dificuldade de articular o seu próprio Estado e sofrem nas mãos de um grupo fundamentalista político, que sopra o bafejo da morte para atiçar as chamas da discórdia.


A guerra de hoje compromete toda uma nova geração, que deverá amargar mais um longo tempo de intemperança, de desejo de vinganças. E o ciclo se repete sem que nenhuma das partes consiga superar-se e abrir uma mesa de diálogo, capaz de cobrir de areia as marcas sangrentas do passado para construir um futuro de paz, em nome de tantas crianças massacradas pelos estilhaços da intolerância.


God only knows

I may not always love you
But long as there are stars above you
You never need to doubt it
I'll make you so sure about it

God only knows what I'd be without you

If you should ever leave me
Though life would still go on believe me
The world could show nothing to me
So what good would living do me

God only knows what I'd be without you

(God Only Knows, The Beach Boys)

Ética do cidadão para moralizar a política


Diz-se que o Congresso Nacional é o espelho da sociedade, com todas as suas contradições e conflitos, refletindo o que de melhor e pior existe no País. É inegável que todos os grupos encontram entre os parlamentares sua representação legítima, em maior ou menor peso, com o poder sendo distribuído de acordo com o nível de articulação política.


O atual nível de descrédito dos políticos tem origem em fatos concretos e exacerbados pelo calor do período eleitoral. A sucessão de escândalos no atual governo fez sangrar a ferida aberta do inconformismo, da intolerância, e o brado pela ética ecoa forte pelo desejo de dar um basta a um sistema pautado por comportamentos que fogem à ética comum do cidadão.

Generalizar o mau-caratismo de alguns é uma agressão ao processo democrático. Em qualquer meio encontram-se bons e maus, e o Congresso não é exceção. Mas espera-se que esta turbulência marcada pela corrupção desenfreada seja apenas um momento, um desvio de função que pode ser corrigido pelo timão poderoso do voto, já nas próximas eleições.

As Câmaras Municipais são, em projeção, a célula da representação do Poder Legislativo. Nelas respingam as acusações, os desvios da ética partidária, o julgamento das atitudes de deputados e senadores. Se o caráter funcional traz para o nível do município as atribuições dos políticos, pode-se inferir que, nas bases, o sistema de financiamento de campanhas e aliciamento de votos de bancadas siga os mesmos passos. Daí a necessidade de extremar o rigor com as questões da ética.

Em essência, a elite política guindada ao poder deveria conter, por pressuposto, a idoneidade e a correção de caráter. Como, na prática, não é assim que ocorre, as tentativas de impor normas de comportamento esbarram em absurdos, vícios legais que empanam a iniciativa. Basta pinçar alguns preceitos do projeto proposto pela Câmara local para ver que a necessidade de limites extrapola o bom senso. “Exercer o mandato com dignidade e respeito à coisa pública”, “não fraudar as votações em plenário”, “não receber vantagens indevidas”, “evitar a utilização dos recursos e pessoal (...) em atividade de intersse particular”, são exemplos de normas que, de tão óbvias e consensuais, nem mereceriam citação em matéria legal.

A defesa da moral é, hoje, principalmente, a maior bandeira que o eleitorado espera da classe política. Antes de levantar proposituras demagógicas, os políticos deveriam fazer valer o seu legítimo papel de representantes do povo e agir de acordo com a ética do cidadão. Mais do que isto, deve ser penalizado com o rigor da lei e a sentença das urnas.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Die Freude (Ode to Joy - Ode à Alegria)



Oh amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais prazeroso
E mais alegre!

(Barítonos, quarteto e coro)
Alegre, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir
O que o costume rigorosamente dividiu.
Todos os homens se irmanam
Ali onde teu doce vôo se detém.
Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se conosco!
Sim, mesmo se alguém conquistar apenas uma alma,
Uma única em todo o mundo.
Mas aquele que falhou nisso
Que fique chorando sozinho!

Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até a morte;
Deu força para a vida aos mais humildes
E ao querubim que se ergue diante de Deus!

(Tenor solo e coro)
Alegremente, como seus sóis corram
Através do esplêndido espaço celeste
Se expressem, irmãos, em seus caminhos,
Alegremente como o herói diante da vitória.

(Coro)
Alegre, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Abracem-se milhões!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos, além do céu estrelado
Mora um Pai Amado.
Milhões se deprimem diante Dele?
Mundo, você percebe seu Criador?
Procure-o mais acima do céu estrelado!
Sobre as estrelas onde Ele mora.

(Ode à Alegria, de Friedrich von Schiller, tradução do original, tal como se canta na Nona Sinfonia de Ludwig Van Beethoven.)

O risco para motociclistas


Acidentes de trânsito acontecem por imperícia dos motoristas ou pela má conservação dos veículos. Por mais desenvolvida que seja a tecnologia sobre rodas, o fator humano dá a proporção de mortes e lesões graves, numa cruel estatística que expõe a fragilidade de todos os sistemas de segurança diante da imprudência e irresponsabilidade.


Em se tratando de motociclistas, o risco é multiplicado pela própria exposição do piloto, que se lesiona em 69% dos casos de acidentes, enquanto em carros o índice não passa de 15%. A natureza da condução de motocicletas é suficiente para sugerir uma regulamentação diferenciada para o setor, visando proteger os condutores e trazer um pouco de paz no trânsito.

Várias são as causas apontadas por especialistas para o alto risco de acidentes. A característica altamente vulnerável do veículo é, por óbvio, agravante em qualquer análise de segurança. Mas há que se considerar o amplo contingente de pilotos recém habilitados, sem domínio completo do equilíbrio dinâmico da moto. O resultado é invariavelmente o tombo, algumas vezes sem maiores conseqüências.

Neste quadro, destaca-se a função do motoboy, profissional apontado como o grande vilão do problema e responsáveis pela confusão no já caótico trânsito das grandes cidades. Alguns fatores agravam a situação dos entregadores expressos sobre duas rodas: normalmente, muitas motocicletas utilizadas no serviço estão à beira do sucateamento; e não há como negar que o comportamento deles ao conduzir o veículo não é nenhuma referência de direção defensiva. São imprudentes e agressivos.

O fato de haver uma carga desumana de trabalho para estes profissionais não atenua a gravidade da ação deles no trânsito. Há ainda empresas que propagam com orgulho que as entregas em domicílio são feitas com rapidez extrema, forçando a que estes motociclistas se superem em agressões ao código de trânsito para cumprir suas tarefas.

A anunciada regulamentação do setor, prevista para meados de março pelo Secretário de Transportes, deve contemplar uma razoável e necessária discussão sobre uso de equipamentos completos de segurança individual, bom estado de conservação dos veículos, cadastramento das empresas prestadoras de serviço de transporte, trabalho de reciclagem educativa sobre normas de trânsito.

Mais do que isto, todo esforço neste sentido deve contribuir para a mudança de um conceito inadmissível: o trânsito não é uma guerra, é um palco de convivência que, assim como tantos outros, deve ser normatizado pelo respeito, tolerância e pela busca constante da paz.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

A agonia de Fidel

Em pleno paraíso do Caribe, a pequena ilha de Cuba assume uma grandiosidade inigualável perante o mundo. Limitada ao comum no tamanho, importância econômica e cultura, foi projetada na importância por se tornar o primeiro país alinhado ao socialismo soviético na América, a poucas milhas do declarado inimigo ianque. Com um passado histórico relevante, desde a recepção a Cristóvão Colombo em sua aventura desbravadora do Novo Mundo, sua população foi envolvida na torrente de interesses políticos que marcaram as décadas de 50 a 80.
Derrubado o Muro de Berlim, dissolvida a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e distendida a relação entre os países em nome de uma nova ordem mundial, o regime cubano se manteve intacto, pétreo, fechado intransigentemente a quaisquer ingerências em favor de uma abertura política, econômica e até mesmo cultural. Com regras rígidas que impõem severas restrições à liberdade, Cuba cercou-se de barreiras ideológicas por todos os lados, tornando-se uma ilha de intransigência e intolerância que custou pesado ônus para a população. O símbolo deste país é Fidel Castro.


A sua eficácia em estabelecer expressivas metas sociais incontestáveis nas áreas de Saúde e Educação, principalmente, desgastou-se com o isolamento político e econômico decorrente da supressão dos subsídios soviéticos e da incapacidade de gerar recursos próprios em sua diminuta economia de mercado. Cuba se fechou e todas as portas foram cerradas como para demonstrar que o modelo desenvolvido não poderia vingar para servir a outros países. Os adversários do regime foram presos, mortos, expulsos ou fugiram, na marca ditatorial mais negativa de Fidel.
Depois de 47 anos no poder, o grande líder finalmente adoeceu à véspera dos 80 anos, despertando em todo o mundo o sinal de alerta quanto ao destino da ilha, um reduto comunista que resistiu a todas as pressões exclusivamente pelo carisma e força exercidos pelo ditador. A comunidade mundial especula, diante da possibilidade de sua morte, quais os caminhos que poderão ser percorridos ao final da era Castro.


A própria comunidade cubana que vive fora, notadamente em Miami, cogita uma invasão pacífica ao seu país, na tentativa de reconstruir o país, em molde de preservação sua identidade, cultura, benefícios sociais, abrindo-se para a economia de mercado e para o mundo moderno.
Sabe-se que dificilmente alguém poderá trilhar o mesmo caminho de poder e influência que o velho Fidel. A briga pelo poder deixará sequelas e o país caminhará, inexoravelmente, para um tempo de modernidade e abertura. Os passos a serem cumpridos ainda são misteriosos, mas está na hora do povo cubano acordar para a realidade de que o sonho de igualdade que foi criado teve o seu momento, sua história e sua emoção. O despertar pode ser amargo, mas se tornará suportável com o sopro de liberdade que invadirá novamente as praias e subirá as montanhas, até a hora de descer e traçar um novo destino para Cuba.


A Hard Rain's A-Gonna Fall

Oh, where have you been, my blue-eyed son?
Oh, where have you been, my darling young one?
I've stumbled on the side of twelve misty mountains,
I've walked and I've crawled on six crooked highways,
I've stepped in the middle of seven sad forests,
I've been out in front of a dozen dead oceans,
I've been ten thousand miles in the mouth of a graveyard,
And it's a hard, and it's a hard, it's a hard, and it's a hard,
And it's a hard rain's a-gonna fall.

Oh, what did you see, my blue-eyed son?
Oh, what did you see, my darling young one?
I saw a newborn baby with wild wolves all around it
I saw a highway of diamonds with nobody on it,
I saw a black branch with blood that kept drippin',
I saw a room full of men with their hammers a-bleedin',
I saw a white ladder all covered with water,
I saw ten thousand talkers whose tongues were all broken,
I saw guns and sharp swords in the hands of young children,
And it's a hard, and it's a hard, it's a hard, it's a hard,
And it's a hard rain's a-gonna fall.


(Trecho de A hard rain's a-gonna fall, Bob Dylan)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

A idéia, ou melhor, agora, ideia


De onde ela vem?!
De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!
Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica.

(A Ideia, Augusto dos Anjos)

Call centers na mira do consumidor


Os sistemas de atendimento ao consumidor foram incorporados na rotina das maiores empresas, resultando em ganhos para as empresas, que têm a oportunidade de retorno do grau de satisfação de seus clientes e podem promover mudanças de rumo e de projetos a partir de informações preciosas, além de corrigir falhas e defeitos que muitas vezes somente podem ser observados por usuários ou consumidores. Para facilitar essa interação, os serviços de call centers se multiplicaram e incorporaram técnicas e tecnologia modernas, dando forma para deixar canais de comunicação plenamente abertos.


Com a maior extensão do atendimento, os serviços passaram a ser terceirizados e muitas empresas não deram conta da intensa demanda criada a partir da implantação do sistema. O que seria um fator de integração e aproximação entre empresas e clientes passou a ser um problema e uma dor de cabeça para ambos os lados. As reclamações aumentaram, os serviços se sucatearam, grupos mal intencionados criaram empecilhos para atender reclamações ou cancelamentos, e o resultado foi o acúmulo recorde de queixas registradas nos órgãos de defesa do consumidor.

A nova lei que disciplina o setor, que entrou em vigor no início de dezembro último, trouxe um alento. As empresas de call center passaram a ser obrigadas a atender com eficiência e rapidez, disponibilizando informações e serviços de forma respeitosa. Um balanço das primeiras semanas, publicado na edição de ontem do Correio Popular, mostra que no Procon de Campinas houve uma redução no número de queixas contra os serviços de atendimento ao consumidor.

Mesmo em curto espaço de tempo e considerando o período excepcional do ano, os números apontam para um efeito positivo da lei no primeiro momento. As empresas demonstraram preocupação em se adaptar às novas regras e a expectativa é que o aperfeiçoamento do sistema seja a regra, antes que os problemas voltem a acontecer no esfriamento da fiscalização.

O respeito ao consumidor é um dos pontos de garantia das empresas que buscam fidelizar seus clientes através do oferecimento de produtos de alta qualidade, com preços compatíveis, serviços de suporte e garantia perfeitos, além de um sistema logístico funcional de distribuição. O crédito computado ao longo dos anos se reverte na valorização do produto, no grau de confiança que os consumidores depositam na empresa, na manutenção de um mercado cativo e fiel que se identifica com a marca, a ponto de estabelecer uma relação altamente interativa. As empresas, em maior ou menor grau, dedicam grande parte de seus esforços para criar um sistema de atendimento que garanta a satisfação de seus clientes, auferindo com isto dividendos em respeito mútuo e prestígio no mercado.

É importante que as empresas se enquadrem nos novos procedimentos, se não pelo princípio elementar de respeito a seus consumidores, ao menos pelo simples fato de que o afastamento destes preceitos pode representar prejuízos irrecorríveis.

(Editorial Correio Popular, 6/1)

domingo, 4 de janeiro de 2009

Um sinal de que pouco mudou


Está se tornando extremamente grave o estado rejeição que os políticos enfrentam por parte da população, em grande parte afrontada com práticas de desonestidade, de total desrespeito às instituições, de desafio à moral e à ética, que se tornaram bens preciosos e raros no meio político. Para muitos, o limite já foi ultrapassado e o desconforto com a arrogância dos maus toma forma de uma rejeição que beira o asco.


É possível perceber um processo de transformação e qualificação da sociedade, sobressaltada com tantas denúncias de corrupção, de mau uso do dinheiro público, da exploração de vantagens no meio político. É uma transformação lenta, talvez desapercebida pelo eleitor menos informado, que ainda deposita seu voto de confiança em candidatos que não mereceriam sequer a legenda que os partidos lhes outorgam. Mas ainda persiste a expectativa renovada a cada eleição de que importantes passos são dados no sentido de uma plenitude democrática e uma representação política mais que legítima, mas também qualificada, bem intencionada e calçada em conceitos absolutos de ética e moral.

A Câmara Municipal de Campinas deu, nos quatro últimos anos, inúmeros exemplos de como a classe política pode ser inoperante, cercada de irregularidades, distante dos eleitores, falsa em seus propósitos, desonesta na aplicação de seus direitos. Não faltaram denúncias de desvio de verbas, contratações irregulares, negociações espúrias, tudo abafado pelo corporativismo infame que joga para baixo dos tapetes a sujeira respingada da lama nos bastidores.

As eleições de 2008 mostraram claramente a intenção de renovação, com troca significativa dos vereadores, ainda que restassem alguns espectros da má política que se instalou nos poderes. A expectativa era de uma mudança de posturas, uma nova forma de fazer política, uma mentalidade que priorizasse o município e a região com suas prioridades, sepultando a prática clientelista e deseducativa da compra de votos ou o uso sistemático de favorecimentos para obter votos. Veio a posse da nova Câmara e frustraram-se as melhores esperanças.

O primeiro sinal emitido do plenário na abertura da nova legislatura é que Campinas terá mais do mesmo. A re-eleição de Aurélio Cláudio para a presidência da Casa dá a entender que, mais uma vez, devem prevalecer os procedimentos que se esperava sepultados. Perdem os vereadores a oportunidade de mostrarem uma nova postura de independência, reafirmando os compromissos de respeito aos eleitores e de atenção aos interesses da comunidade.

A recondução de Aurélio à chefia dos trabalhos somente acontece por estranha costura de interesses nos bastidores, o que eleva a temperatura política para os próximos dois anos, quando a sociedade deverá estar pronta e atenta para fiscalizar os trabalhos legislativos dos antigos, que já deram mostras do que são capazes de fazer, dos novos que chegam negando a oportunidade de renovação que estava em suas mãos, e dos antigos oposicionistas, agora apoiadores, que terão que se esforçar para justificar a troca de posições, como que troca um paletó por outro muito mais apertado.

(Editorial Correio Popular, 4/1)